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Artigo Original

Abandono do tratamento de tuberculose utilizando-se as estratégias tratamento auto-administrado ou tratamento supervisionado no Programa Municipal de Carapicuíba, São Paulo, Brasil

Noncompliance with tuberculosis treatment involving self administration of treatment or the directly observed therapy, short-course strategy in a tuberculosis control program in the city of Carapicuíba, Brazil

Amadeu Antonio Vieira, Sandra Aparecida Ribeiro

ABSTRACT

Objective: To determine treatment noncompliance rates among patients participating in a municipal tuberculosis control program and to identify the variables related to noncompliance depending on the type of treatment strategy used. Methods: A longitudinal non-concurrent cohort study was carried out involving two cohorts of patients participating in the Tuberculosis Control Program of the city of Carapicuíba, Brazil. The first cohort comprised 173 patients with tuberculosis treated from January 1, 2003 to December 31, 2003 using self administration of treatment, and the second comprised 187 patients with tuberculosis treated from July 1, 2004 to June 30, 2005 using the directly observed therapy, short-course strategy. Results: Noncompliance rates decreased from 13.3% (self administration of treatment) to 5.9% (directly observed therapy, short-course), a significant difference (p < 0.05). For the self administration of treatment strategy, the variables significantly associated with treatment noncompliance were as follows: being an unregistered worker (relative risk [RR] = 3.06); retreatment (RR = 2.73); alcoholism (RR = 3.10); and no investigation of contacts (RR = 8.94). For the directly observed therapy, short-course strategy, no variables were significantly associated with noncompliance. Conclusion: The directly observed therapy, short-course strategy decreased noncompliance rates and produced better treatment outcomes, even when the risk factors for noncompliance were the same.

Keywords: Tuberculosis; Self administration; Directly observed therapy; Treatment refusal.

RESUMO

Objetivo: Verificar as taxas de abandono e identificar as variáveis relacionadas ao abandono do tratamento, segundo o tipo de estratégia utilizada em pacientes matriculados no Programa de Controle da Tuberculose do município de Carapicuíba (SP) Brasil. Método: Estudo longitudinal não concorrente de duas coortes de tratamento de tuberculose, a primeira de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2003 com a estratégia tratamento auto-administrado (173 casos) e a segunda de 1 de julho de 2004 a 30 de junho de 2005 com a estratégia tratamento supervisionado (187 casos). Resultados: A taxa de abandono diminuiu significativamente (p < 0,05), de 13,3% (tratamento auto-administrado) para 5,9% (tratamento supervisionado). Na estratégia tratamento auto-administrado, as variáveis associadas significativamente ao abandono foram: estar trabalhando na informalidade (risco relativo [RR] = 3,06); ser caso de retratamento (RR = 2,73); ser alcoolista (RR = 3,10); e não ter os contatos examinados (RR = 8,94). Não houve variável associada ao abandono para os casos sob a estratégia tratamento supervisionado. Conclusão: A estratégia tratamento supervisionado reduziu a taxa de abandono e produziu bons resultados quanto ao desfecho do tratamento, mesmo nos pacientes com fatores de risco para abandono como na coorte tratamento auto-administrado.

Palavras-chave: Tuberculose; Auto-administração; Terapia diretamente observada; Recusa do paciente ao tratamento.

Introdução

A tuberculose (TB) é uma doença infecto-contagiosa que apresenta características sociais e demográficas. É mais encontrada nos grandes centros, onde a densidade populacional é alta, e está freqüentemente associada a indicadores sociais de pobreza, como exclusão social, baixo nível educacional e habitacional, desnutrição, dificuldades de acesso aos serviços básicos de saúde, alcoolismo e também a doenças associadas, como a co-infecção pelo HIV.(1-4)

A partir de 1979, o Brasil foi um dos países pioneiros no tratamento da TB por meio de um programa de saúde pública utilizando um esquema de curta duração de seis meses, chamado esquema I.(1,4-6)

Com a alta eficácia do esquema I, torna-se possível reduzir rapidamente a transmissão e assim reduzir a incidência da TB. Apesar do fornecimento gratuito de medicamentos antituberculose em todo território nacional, pelo Sistema Único de Saúde, a não adesão e o abandono do tratamento são os maiores obstáculos para o controle e a cura da TB.(5-8)

A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que os programas de TB tenham uma taxa de abandono de tratamento inferior a 5%. No Brasil, a taxa média de abandono do tratamento situou-se em 12% em 2003; no Estado de São Paulo, esta foi de 10,3%, sendo que há enormes diferenças regionais, variando de 6,4 a 18,7% para João Pessoa e Porto Alegre, respectivamente. Em 2004, observou-se uma taxa de abandono de 12,4% na cidade de São Paulo e de 8,2% no município de Carapicuíba.(9-11)

Como estratégia mundial para evitar o abandono e estimular o uso correto da medicação, a OMS propõe o directly observed therapy, short-course (DOTS), um conjunto de estratégias político-administrativas que inclui o tratamento supervisionado, com o objetivo de estimular a adesão ao tratamento. Esta é considerada uma das melhores intervenções em relação ao custo-benefício.(10-13)

Atualmente, no Brasil, cerca de 50% dos pacientes com TB encontram-se em tratamento segundo a estratégia DOTS. No ano de 2004, o Estado de São Paulo incluiu 42,6% dos pacientes e o município de São Paulo, 23,2% dos casos novos, na estratégia de tratamento supervisionado.(11,13,14)

Em 2004, a prefeitura de Carapicuíba firmou convênio com a Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo e com a United States Agency for International Development para implementação do DOTS em todos os casos de TB do município. Após estudos, treinamentos e capacitações da equipe de saúde municipal, a estratégia DOTS foi implantada a partir de junho do mesmo ano.

Este trabalho tem como objetivo verificar as taxas de abandono e as variáveis relacionadas ao abandono em pacientes com TB sob DOTS, comparando-as com pacientes que fizeram o tratamento auto-administrado (TAA), no Programa de Controle da Tuberculose do Município de Carapicuíba.

Métodos

Foi realizado um estudo longitudinal não concorrente de duas coortes de tratamentos completos (seis meses) de casos de TB notificados e tratados no Sistema Local de Saúde do Município de Carapicuíba, região metropolitana da Grande São Paulo, sendo a coorte 1 constituída por pacientes que iniciaram o tratamento no período de 1 de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2003, submetidos à estratégia TAA e a coorte 2 constituída por pacientes que iniciaram o tratamento no período de 1 de julho de 2004 a 30 de junho de 2005, após a implantação da estratégia DOTS pelo município.

Foram incluídos no estudo os pacientes ­considerados como caso de TB pelo Manual Técnico para o Controle da TB, onde estava indicado o uso de esquema I ou IR e eram residentes do ­município.(15)

Foram excluídos do estudo os pacientes com TB que apresentaram monorresistência ou multirresistência ao esquema I e IR, assim como casos de TB meningoencefálica e casos com transferência confirmada. Os casos de monorresistência e multirresistência foram excluídos por necessitarem de esquemas terapêuticos diferentes do esquema I e IR e de duração do tratamento superior a seis meses. Pelo mesmo motivo, também foram excluídos os casos de tuberculose meningoencefálica, e as transferências confirmadas, devido à certeza de continuidade do tratamento em outro sistema de saúde.(15)

Considerou-se abandono de tratamento o caso de TB que, após 30 dias do início do tratamento, deixou de comparecer à consulta médica na data agendada para retorno e não se conseguiu localizá-lo, por meio de notificação ou visita domiciliar, ou houve a interrupção da ingestão da medicação por mais de trinta dias consecutivos.(15)

As informações e dados relativos aos casos de TB foram obtidos das fichas de notificação e acompanhamento da doença, disponíveis no banco de dados informatizado do município e dos prontuários médicos de cada caso atendido no Sistema Municipal de Saúde de Carapicuíba.

Quando necessário, consultou-se o Livro de Registro e Controle de Tratamento dos Casos de TB, normalizado pelo Ministério da Saúde e o Livro de Registro de Sintomáticos Respiratórios no Serviço de Saúde, normalizado pela Divisão de Controle da Tuberculose do Centro de Vigilância Epidemiológica Prof. Alexandre Vranjac da Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo.

Foram estudadas as seguintes variáveis: idade, sexo, escolaridade, ocupação, tipo de caso (novo ou retratamento), forma clínica da doença (pulmonar ou extrapulmonar), pulmonares bacilíferos (baciloscopia positiva), tempo de sintomas/sintomas até o diagnóstico (em semanas), consulta e exames dos contatos, internação pela TB e doenças associadas.

Para a coleta de dados, formulou-se fichas individuais padronizadas que foram codificadas e digitadas para formar um banco de dados específico utilizando-se o pacote estatístico Epi Info 2000, versão 3.3. Optou-se por realizar digitação dupla e verificar a consistência, pelo aplicativo Validate do Epi Info, para eliminação de possíveis erros de digitação.

Realizou-se a análise descritiva para as principais variáveis em estudo e medidas de tendência central para as variáveis quantitativas.

Para identificar possíveis variáveis relacionadas ao abandono (análise bivariada), a variável dependente foi dicotomizada em sim ou não, segundo desfecho desfavorável (pacientes que abandonaram o tratamento) para cada coorte estudada (TAA e DOTS).

Para verificação de associação, foi calculado o risco relativo (RR); o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher foram utilizados, quando indicado. O nível de significância p crítico adotado foi de 5%. Não foi necessário calcular o intervalo de confiança , visto que no estudo não foi utilizada amostragem.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo.

Resultados

Durante o período de estudo, um total de 360 casos de TB preencheram os critérios de elegibilidade; destes 173 formaram a coorte 1 (TAA) e 187 a coorte 2 (DOTS).

Excluiu-se da análise um total de 39 casos: 23 (59%) casos por transferência confirmada; 9 (23,1%) casos por mono ou multidroga resistência; 4 (10,2%) casos por serem residentes em outros municípios e 3 (7,7%) casos diagnosticados como tuberculose meningoencefálica.

Do total de casos incluídos, 218 (60,6%) eram do sexo masculino e 142 (39,4%) do sexo feminino, uma proporção aproximada de um caso e meio do sexo masculino para um do sexo feminino. Essa proporção foi mantida em ambas as coortes. No TAA, a média de idade dos pacientes foi de 37,6 anos com mediana de 38 anos e no DOTS esta foi de 37,1 e 38 anos, respectivamente. Não houve diferença estatística nas médias de idade entre os dois tipos de estratégias estudadas.

Dos 53 casos de retratamento em TAA e DOTS, 42 (79,2%) reiniciaram o tratamento por abandono prévio e 11 (20,8%) por recidiva da TB.

A forma clínica pulmonar foi a mais freqüente (83,6% do total de casos). Dentre as manifestações extrapulmonares, 35 (59,3%) pacientes tiveram TB pleural, 10 (16,9%) TB ganglionar periférica, 3 (5,1%) TB miliar, 2 (3,4%) TB óssea e 9 (15,3%) pacientes tiveram TB em outras localizações.

O tempo médio de sinais e sintomas no TAA foi de 13 semanas e no DOTS foi de 10 semanas, a mediana foi idêntica para as duas cortes, 8 semanas. Em relação à hospitalização, 32 (8,9%) pacientes foram hospitalizados; o motivo principal para as internações foi devido à "elucidação diagnóstica", com uma taxa percentual de 56,1 (n = 18). O segundo motivo mais freqüente de internação foi insuficiência respiratória, com nove (15,8%) casos. O tempo médio de internação foi de 14 dias.

As doenças associadas mais prevalentes para ambas as coortes foram o alcoolismo, com prevalência de 15%, seguida pelo diabetes mellitus, com 8,9%; a prevalência de co-infecção pelo HIV foi de 5,2% para o TAA e de 4,8% para o DOTS, sem diferença estatística.

A Tabela 1 mostra que os casos de abandono foram significativamente mais freqüentes no TAA do que no DOTS. O risco de abandonar o tratamento de TB nos casos em TAA foi de aproximadamente 2,3 vezes os casos de abandono em DOTS.




As Tabelas 2 e 3 mostram as possíveis variáveis relacionadas com os abandonos para os pacientes que utilizaram a estratégia TAA. Estar trabalhando na informalidade (RR = 3,06), ser caso de retratamento (RR = 2,73), não ter os contatos examinados (RR = 8,94) e ser alcoolista (RR = 3,10) contribuíram de maneira significativa para o abandono entre os que receberam a estratégia TAA.





As Tabelas 4 e 5 mostram que não houve associação significativa com o abandono do tratamento de TB para as mesmas variáveis, após a implantação da estratégia DOTS.





Discussão

O presente estudo longitudinal comparou duas coortes não concorrentes, segundo tratamento/estratégia empregados: TAA ou DOTS. A implantação do DOTS em Carapicuíba, estratégia respaldada pela literatura e preconizada pela OMS para os países em desenvolvimento e estimulada pelo Ministério da Saúde, impossibilita e torna desnecessária, no momento atual, a randomização para a comparação das duas estratégias de forma simultânea, já que a estratégia DOTS mostra melhor custo-benefício em diversos trabalhos publicados.(11,13)

Os resultados mostram que a taxa de abandono dos casos em DOTS foi significativamente menor do que a dos casos em TAA, próximo à meta de 5% preconizada pelo plano de controle da TB (PCT) nacional e pela OMS. O risco de abandono dos casos em TAA foi 2,3 vezes superior ao DOTS. Portanto, os dados apresentados corroboram na comprovação de que a estratégia DOTS beneficiou o PCT de Carapicuíba, em conformidade com resultados de outros estudos.(3,10,16)

Assegurar a regularidade na tomada dos medicamentos e a manutenção do tratamento pelo tempo recomendado tem sido o ponto crítico para o sucesso dos esquemas terapêuticos padronizados da TB e do controle da cadeia de transmissão. Estratégias como o DOTS ou possíveis variantes adaptadas, conforme a característica, particularidade e realidade local, devem ser desenvolvidas e aprimoradas, a partir da observação dos resultados promissores deste e de outros programas de controle da TB.(5,9,11,16,17)

Em relação às variáveis sócio-demográficas, o maior contingente de pacientes situou-se na faixa etária dos 21 aos 45 anos, considerada a mais produtiva, como também o sexo masculino e baixa escolaridade, mas não houve associação significativa com o abandono em nenhuma das coortes estudadas; contudo, a variável ocupação do tipo informal, normalmente de baixa remuneração e baixa escolaridade, estava associada ao abandono para os casos da estratégia TAA, como descrito em outros estudos.(7,8,18-20)

Algumas publicações apontam que os casos de retratamento (abandono ou recidiva) estão fortemente associados ao abandono. Essa associação também foi verificada para os casos de TAA neste estudo,(8,17) não sendo observada nos casos em DOTS.

O alcoolismo foi a co-morbidade de maior prevalência no presente estudo, além de estar significativamente associada ao abandono nos casos de TB em TAA, também foi apontado na literatura como importante fator de risco para um mau prognóstico e desfecho desfavorável do tratamento da TB.(7,20-23)

Outro aspecto observado em relação ao abandono do tratamento, nos casos de TAA, foi que, quanto maior o número de contatos não examinados, maior a freqüência de casos que não concluíram o tratamento. Portanto, supõe-se que o suporte social e familiar é capaz de influenciar positivamente nos desfechos dos tratamentos.(8,18,23)

O conhecimento e a desmistificação das crenças sobre a doença e o seu tratamento são fatores importantes para a adesão do paciente, e a equipe de saúde deve estar atenta para o grau de participação da família durante o transcorrer do tratamento; além disso, o paciente não é o único indivíduo a ser afetado pela doença.(24)

Após a implantação da estratégia DOTS e com a queda da taxa de abandono obtida, não se verificou associação entre os casos de abandono desta estratégia com nenhuma das variáveis estudadas, possivelmente até pelo menor número de pacientes que abandonaram o tratamento. De um modo geral, a menor taxa de abandono na estratégia DOTS pode estar relacionada ao contato mais íntimo, freqüente e humanizado entre o paciente e a equipe de saúde como um todo, resultando em um aumento do vínculo entre o primeiro, seus acompanhantes e familiares com o serviço de saúde, favorecendo a maior adesão ao esquema terapêutico e a conclusão favorável do tratamento, além de toda a infra-estrutura político-administrativa que melhora o desempenho do programa de controle da TB.(8,11,14,17,19,25)

As necessárias mudanças de natureza política, administrativa, organizacional e social, envolvendo os serviços de saúde, comunidade, familiares, meios de comunicação e, em última análise, a formação e sensibilização dos profissionais de saúde, por meio de cursos de capacitação e de educação continuada para o DOTS, promovem um desempenho mais eficaz dos programas de controle da TB.

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Trabalho realizado no Departamento de Medicina Preventiva, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil e no Programa de Controle da Tuberculose da Secretaria de Saúde e Medicina Preventiva do Município de Carapicuíba (SP) Brasil.
1. Professor da Universidade Bandeirante de São Paulo, Interlocutor do Programa de Controle da Tuberculose da Secretaria de Saúde e Medicina Preventiva do Município de Carapicuíba (SP) Brasil.
2. Professora Associada do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Amadeu Antonio Vieira. Rua Lazara Siqueira, 05, Centro, CEP 06650-150, Itapevi, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 4141-3526. E-mail: nantico@uol.com.br
Parceria entre a Divisão de Controle da Tuberculose Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, United States Agency for International Development - USAID - e Secretaria de Saúde e Medicina Preventiva do município de Carapicuíba
Recebido para publicação em 25/3/2007. Aprovado, após revisão, em 10/7/2007.

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