ABSTRACT
Objective: To determine the clinical and epidemiological profile of patients who are candidates for TNF-α inhibitor use and are classified as having latent tuberculosis (LTB), as well as to evaluate the outcomes of prophylactic treatment with isoniazid. Methods: A prospective descriptive analysis followed by an analytical, observational, cross-sectional study of the outcomes of prophylactic treatment in a group of 45 candidates for TNF-α inhibitor use. We evaluated the patients through anamnesis, clinical examination, chest X-ray, and tuberculin skin test (TST) using the Mantoux method. Results: The mean age was 45 years, and 56.0% of the patients were female. Chronic rheumatic diseases, chronic dermatological diseases, and Crohn's disease were present in 46.7%, 40.0%, and 13.3% of the patients, respectively. The mean TST induration was 14.6 mm (range: 5-30 mm). The majority (n = 30) of the 45 patients (66.7%) had an induration > 10 mm. In the 16 patients with BCG vaccination scars, the mean induration was 15.7 mm, and 14 of those patients had an induration > 10 mm. Chest X-ray results were considered normal, with minimal alterations, in 64.4% and 35.6% of the patients, respectively. The treatment with isoniazid was abandoned by 1 patient (2.2%) and completed by 41 (91.2%), whereas it was interrupted because of drug-induced hepatitis in 2 (4.4%), and 1 patient (2.2%) was transferred to another hospital. Of those who completed the treatment, 5 experienced mild side effects. Conclusions: Determining the profile of candidates for TNF-α inhibitor use is important for the management of LTB treatment and for the establishment of clinical protocols for the use and monitoring of the use of these medications.
Keywords:
Tuberculosis; Latent tuberculosis; Tuberculin test; Isoniazid; Tumor necrosis factor-alpha.
RESUMO
Objetivo: Traçar o perfil clínico-epidemiológico de pacientes candidatos ao uso de fármacos anti-TNF-α diagnosticados como portadores de tuberculose latente (TBL) e avaliar os desfechos do tratamento profilático com isoniazida. Métodos: Análise descritiva prospectiva seguida de um estudo analítico observacional transversal dos desfechos do tratamento profilático em um grupo de 45 candidatos ao uso de fármacos anti-TNF-α. A avaliação dos pacientes constou de anamnese, exame clínico, radiografia de tórax e teste tuberculínico (TT) por Mantoux. Resultados: A idade média dos pacientes foi 45 anos, e 56,0% dos pacientes eram mulheres. Doenças reumatológicas crônicas, doenças dermatológicas crônicas e doença de Crohn estavam presentes em 46,7%, 40,0% e 13,3% dos pacientes, respectivamente. A média de enduração do TT foi 14,6 mm (variação: 5-30 mm). A maioria dos pacientes (n = 30; 66,7%) apresentou enduração > 10 mm. Dos 16 pacientes com cicatriz vacinal BCG, a média de enduração foi de 15,7 mm, sendo que 14 tiveram enduração > 10 mm. Os resultados de radiografia de tórax foram considerados normais e com alterações mínimas em 64,4% e em 35,6%, respectivamente. Apenas 1 paciente (2,2%) abandonou o tratamento com isoniazida, 41 (91,2%) completaram o tratamento, 2 (4,4%) tiveram de interromper o tratamento por hepatite medicamentosa, e 1 (2,2%) foi transferido para outro hospital. Dos que completaram o tratamento, 5 apresentaram efeitos colaterais leves. Conclusões: A determinação do perfil dos candidatos ao uso de inibidores do TNF-α é importante para o manejo do tratamento da TBL, bem como para estabelecer protocolos clínicos de uso e acompanhamento do uso desses fármacos.
Palavras-chave:
Tuberculose; Tuberculose latente; Teste tuberculínico; Isoniazida; Fator de necrose tumoral alfa.
IntroduçãoNa prática clínica, os agentes inibidores de TNF- revolucionaram o tratamento das doenças inflamatórias crônicas, tais como artrite reumatoide, espondilite anquilosante, doença de Crohn e psoríase. Desde então, seu uso tem sido ampliado, mas essa terapia elevou o risco de desenvolvimento das doenças infecciosas; entre elas, a tuberculose.(1,2)
Segundo a Organização Mundial de Saúde, referente ao ano de 2008, o número de novos casos de tuberculose no mundo foi de 9,4 milhões (equivalente a 139 casos por 100.000 habitantes), o que é preocupante. O Brasil ocupa, atualmente, o 18º lugar, quando se avalia a incidência, e está entre os 22 países responsáveis por 80% do total de casos de tuberculose no mundo.(3)
Estima-se que 50 milhões de brasileiros estejam infectados pelo bacilo da tuberculose. Cerca de 5% de todos os indivíduos infectados por Mycobacterium tuberculosis desenvolverão tuberculose ativa nos dois primeiros anos após a infecção. Os outros 95% dos indivíduos expostos irão conter o desenvolvimento da doença através de uma resposta imune celular efetiva e continuarão nessa situação, denominada tuberculose latente (TBL) pelo resto da vida, a não ser que condições de depressão imunológica mudem a chance para o desenvolvimento da doença. De forma prática, a American Thoracic Society define como portador de TBL aquele indivíduo que apresenta um resultado de teste tuberculínico (TT) positivo, análise bacteriológica negativa (se realizada) e nenhuma evidência clínica ou radiográfica de tuberculose ativa.(4-6)
Em relação à detecção dos infectados por M. tuberculosis ou pacientes com TBL, por muito tempo a prioridade estabelecida pelo Programa Nacional de Controle da tuberculose foi o exame dos contatos domiciliares com bacilíferos e o tratamento desses infectados.
Recentemente, essa posição foi revisada, sendo orientada a ampliação da detecção dos infectados, que passou a incluir outros grupos de risco; dentre esses, podemos destacar uma condição até hoje pouco abordada no Brasil, que é aquela de pacientes candidatos ao uso de fármacos anti-TNF, assim como de corticosteroides e de outros imunossupressores utilizados nas doenças inflamatórias crônicas.
Atualmente, o infliximabe, o etanercepte e o adalimumabe são os agentes biológicos aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária comumente utilizados para o tratamento de pacientes com doenças inflamatórias crônicas que não respondem às terapêuticas convencionais. Esses agentes têm sido cada vez mais indicados e utilizados em nosso meio. Contudo, é do conhecimento geral que o uso de fármacos anti-TNF em pacientes infectados por M. tuberculosis aumenta o risco de progressão da infecção para tuberculose ativa.(7,8) Para evitar o adoecimento, pacientes desse grupo de risco têm sido encaminhados para a avaliação da necessidade de tratamento profilático com isoniazida.
Esse fato tem repercutido na clientela dos ambulatórios de tisiologia; lidar com pacientes de idade mais avançada, portadores de doenças crônicas, com comorbidades e em uso de vários outros fármacos tornou-se desafiante. Essa população é completamente diversa daquela de pacientes que selecionávamos para a anteriormente denominada "quimioprofilaxia", constituída principalmente de crianças em contato com bacilíferos e de profissionais de saúde. Conhecer esse universo, estabelecer o diagnóstico correto de TBL, indicar e avaliar a resposta ao tratamento preventivo e traçar estratégias para o acompanhamento dos casos é a proposta deste estudo, cujo objetivo foi o de orientar o manejo correto e seguro dos pacientes candidatos ao uso de inibidores de TNF-.
MétodosAnálise descritiva prospectiva de um grupo de pacientes com doenças inflamatórias crônicas candidatos ao uso de inibidores de TNF- e inscritos para o tratamento profilático de TBL no Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará (HUWC/UFC), localizado na cidade de Fortaleza (CE). Essa análise foi seguida de um estudo analítico observacional do tipo transversal dos desfechos relativos ao tratamento profilático. O estudo foi realizado no período entre junho de 2008 e dezembro de 2009.
Foram considerados elegíveis para o estudo todos os pacientes com doenças inflamatórias crônicas candidatos ao uso de inibidores de TNF- e encaminhados para avaliação no ambulatório de tisiologia do HUWC/UFC durante o período do estudo. Um total de 68 pacientes eram elegíveis, e 45 desses foram diagnosticados como portadores de TBL. O diagnóstico foi feito com base em anamnese, exame clínico, radiografia de tórax e TT realizado através do método de Mantoux. O TT foi realizado por um técnico treinado do laboratório de análises clínicas do HUWC/UFC e consistiu na aplicação de tuberculina PPD RT23 i.d. no terço médio da face anterior do antebraço esquerdo na dose de 0,1 ml, equivalente a 2 unidades de tuberculina. O resultado do TT foi lido em 72-96 h após a aplicação, correspondendo à medida (em mm) do maior diâmetro transverso da área de endurecimento do local palpável. Resultados de leitura ≥ 5 mm foram considerados positivos.(9,10)
As radiografias de tórax foram realizadas no Serviço de Radiologia do HUWC/UFC, obtidas em incidência póstero-anterior (PA) e examinadas por dois técnicos independentes (um radiologista do serviço de radiologia e um dos pesquisadores do estudo). As radiografias de tórax foram classificadas como normais; alteradas com granuloma ou pequeno nódulo calcificado e alteradas com outras alterações residuais mínimas (estrias, alterações fibronodulares e/ou espessamento pleural). Foram avaliados também os antecedentes para o risco de tuberculose, tais como sintomas respiratórios, história prévia ou tratamento anterior para tuberculose e história recente de contato com pacientes com tuberculose ativa.
Todos os pacientes pesquisados realizaram o TT e a radiografia de tórax antes do início do tratamento com fármacos inibidores de TNF-. O resultado positivo do TT e a imagem radiológica sem nenhuma evidência de tuberculose ativa foram considerados como indicação para o tratamento da TBL. O uso de fármacos inibidores de TNF- foi liberado somente um mês após o tratamento profilático com isoniazida, na dosagem 300 mg v.o. diariamente durante seis meses, de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde e das III Diretrizes para Tuberculose da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(11)
Todos os voluntários que participaram da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. O projeto de pesquisa foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do HUWC/UFC e aprovado sob o nº 025.04.09.
As análises estatísticas foram realizadas com o auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 16.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Para os testes de significância de associações, utilizou-se o teste do qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher para tabelas 2 × 2, quando os valores das células da tabela eram inferiores a 5. O grau de significância estatística considerado foi de p < 0,05.
ResultadosUm total de 45 pacientes candidatos ao uso de inibidores de TNF- foram incluídos no estudo. Esses pacientes eram provenientes de diferentes ambulatórios especializados do HUWC/UFC: 21 pacientes (46,7%) encaminhados pelo ambulatório de reumatologia; 18 (40,0%), pelo ambulatório de dermatologia; e 6 (13,3%), pelo ambulatório de gastroenterologia. As doenças de base mais frequentemente relacionadas às doenças reumatológicas foram artrite reumatoide e espondilite anquilosante (22,3% cada), enquanto aquelas relacionadas às doenças dermatológicas e gastrointestinais foram psoríase (24,4%) e doença de Crohn (13,3%), respectivamente. Associações de mais de uma doença de base somaram 17,7%.
A média de idade dos pacientes foi de 45 anos, e aproximadamente metade dos pacientes estava na faixa etária entre 40 e 49 anos (45,0%). O sexo feminino prevaleceu (56,0%; Tabela 1).
As características clínico-epidemiológicas dos pacientes estudados classificados como portadores de TBL estão descritas na Tabela 1. A avaliação diagnóstica consistiu de história clínica (contatos com bacilíferos e referência a diagnóstico de tuberculose ou a tratamentos anteriores para tuberculose), avaliação clínica de sintomas respiratórios, verificação da cicatriz vacinal com BCG, análise do resultado do TT e análise dos achados radiológicos de tórax em PA e perfil. O contato com pacientes bacilíferos foi relatado por 9 (20,0%) dos indivíduos estudados. Dois pacientes referiram tuberculose pulmonar tratada anteriormente. A maioria (88,9%) era de assintomáticos respiratórios. A vacinação com BCG, confirmada pela presença da cicatriz no braço direito, estava presente em somente 16 pacientes (35,6%), enquanto 6 (13,3%) não apresentavam cicatriz vacinal. Quando questionados, 23 pacientes (51,1%) relataram não saber se haviam sido vacinados com BCG.
A média de enduração do TT foi de 14,6 mm (variação: 5-30 mm). A maioria dos pacientes (n = 30; 66,7%) apresentou resultado > 10 mm. Em 15 pacientes, a leitura ficou entre 5 e 10 mm. A análise radiológica do tórax foi considerada normal em 29 pacientes (64,4%), e 16 (35,6%) apresentaram alterações radiológicas consideradas mínimas: 8 (17,8%) apresentaram alterações representadas por granuloma calcificado ou imagem nodular (calcificada ou não), e 8 (17,8%) apresentaram pequenas alterações fibronodulares, estrias fibróticas ou espessamentos pleurais circunscritos à região apical (Tabela 1).
Na Tabela 2 podemos observar a correlação entre o uso de fármacos imunossupressores e o diagnóstico de base. A maioria dos pacientes encaminhados ao ambulatório de tisiologia para o rastreamento e tratamento da TBL foi tratada anteriormente ou ainda estava utilizando fármacos imunossupressores em regime isolado ou em combinação: 36 pacientes (80,0%) utilizavam metotrexato ou outros imunomoduladores, e 20 (44,4%) utilizavam prednisona.
Na Tabela 3 podemos observar a influência de algumas variáveis que poderiam estar implicadas na alteração da resposta imunológica ao TT nos pacientes estudados. Entretanto, não foi encontrado nenhum fator estatisticamente significativo mostrando uma associação entre as variáveis estabelecidas e o resultado do TT. No entanto, 16 pacientes com cicatriz vacinal apresentaram uma média de enduração do TT igual a 15,7 mm, e 14 desses apresentavam enduração > 10 mm.
Na Tabela 4 podemos observar que a maioria do grupo inicial de pacientes (n = 41; 91,2%) completou o tratamento. Um paciente foi transferido para outro hospital após quatro meses de seguimento no HUWC/UFC, e somente 1 (2,2%) abandonou o tratamento, não sendo mais localizado. O tratamento foi suspenso por intolerância medicamentosa em 2 (4,4%).
A Tabela 5 mostra que a maioria dos pacientes (38/43; 88,4%) encerrou o tratamento profilático sem apresentar qualquer efeito colateral, o que foi significativo (p = 0,021). O surgimento de efeitos colaterais considerados leves, tais como queixas gástricas, dor epigástrica, pirose, neuropatia periférica e urticária, ocorreu em apenas 5 (11,6%) dos 43 pacientes que enceraram o tratamento. A suspensão do tratamento por hepatite medicamentosa ocorreu em 2 dos 45 pacientes estudados (4,4% dos casos).
Procurou-se estudar a associação entre os efeitos colaterais e outros fatores. Em relação à presença de comorbidades (outra patologia além da TBL e da doença de base), dos 7 casos de efeitos colaterais, 4 (57,1%) possuíam alguma comorbidade, sendo as mais comuns hipertensão arterial, diabetes, hipercolesterolemia e osteoporose. Dentre os que apresentaram efeitos colaterais, 5 dos 7 pacientes (71,4%) faziam uso de imunossupressores inerentes à doença de base.
DiscussãoA racionalidade do uso dos fármacos anti-TNF no tratamento das doenças inflamatórias crônicas deriva do fato do TNF- ser a principal citocina sinalizadora e reguladora das demais citocinas do processo inflamatório. Contudo, o TNF- é fundamental também para a defesa imunológica contra M. tuberculosis, particularmente para a formação e a manutenção do granuloma. Em modelos animais é possível documentar a disseminação da infecção tuberculosa após a administração de anticorpos anti-TNF.(12-14)
Mesmo deprimido em seu metabolismo, o bacilo pode ter crescimento intermitente dentro do granuloma, podendo reativar a infecção posteriormente. É a efetividade do sistema imune do indivíduo, definida tanto por codificação genética (resistência natural), como por infecções tuberculosas anteriores (resistência adquirida) ou por determinadas doenças ou situações imunodepressoras (idade avançada, desnutrição, tabagismo, diabetes, sarcoidose, silicose, neoplasias e infecção por HIV) ou ainda pelo uso de medicações imunossupressoras é que irá influenciar o ponto de equilíbrio do processo, determinando se a infecção será mantida sob controle ou prosseguirá, gerando doença. Se a infecção for controlada, o granuloma pode calcificar, dificultando sua reativação posterior. No entanto, mesmo controlada, se houver qualquer comprometimento futuro do sistema imune, aquele foco latente pode ser reativado e causar doença (tuberculose de reativação endógena). Por isso, a presença de TNF- é crítica na manutenção da tuberculose em sua forma latente, mantendo a integridade do granuloma. O uso de fármacos anti-TNF quebra esse equilíbrio e favorece a progressão para a tuberculose ativa.(12,15,16)
Dados de importância no manejo das doenças inflamatórias crônicas são a frequência e o tipo de fármacos utilizados rotineiramente pelos pacientes, assim como o risco de surgimento de doenças infecciosas, como a tuberculose. A frequência de notificação de casos de tuberculose em associação com fármacos inibidores do TNF- é muito maior de que com outras infecções oportunistas e tende a ocorrer após uma mediana de 12 semanas de terapêutica, principalmente com a utilização de infliximabe. Nessa condição, a tuberculose se manifesta, na maioria das vezes, sob a forma extrapulmonar, especialmente como tuberculose disseminada, exibindo frequentemente um comportamento atípico, por vezes difícil de diagnosticar.(6,7,17)
Em um estudo, afirmou-se que o risco relativo de apresentar tuberculose com o uso de medicamentos anti-TNF é 19 vezes maior que o da população geral, enquanto o risco relativo para tuberculose é 4 vezes o da população geral com o uso de imunossupressores convencionais.(18) Nesse mesmo estudo, há a indicação de que o adoecimento por tuberculose é 3 vezes maior com o uso de infliximabe do que com o uso de etanercepte.(18)
Em nosso estudo observamos que a maioria dos pacientes utilizava concomitantemente corticoides e outros imunossupressores, o que sugere um possível efeito aditivo ou sinérgico aos inibidores do TNF-. A principal variável para o diagnóstico de TBL em diferentes estudos tem sido o resultado do TT. Em nosso trabalho, uma das questões que inicialmente se apresentou foi a dúvida sobre a influência das medicações imunossupressoras utilizadas devido à doença de base e a resposta cutânea ao PPD utilizado no TT.
Sabe-se que o TT positivo, isoladamente, indica apenas infecção, não sendo suficiente para o diagnóstico de tuberculose ativa. Mesmo nessa condição, o seu uso é limitado para a decisão diagnóstica, pois deve ser interpretado de forma especial nas pessoas vacinadas com BCG há menos de 2-3 anos. Necessita também ser corretamente avaliado quando estamos diante de outras situações que podem interferir em seu resultado, tais como infecção por micobactérias atípicas, doenças imunodepressoras e tratamento com corticoides e imunodepressores.(19,20)
No entanto, com o aumento do uso desses agentes imunobiológicos, a probabilidade desse tipo de complicação poderá crescer se cuidados na seleção e exclusão de doença latente não forem avaliados de forma criteriosa e adequada, especialmente em nosso país, onde a tuberculose continua a ser um problema de saúde pública. Nesse sentido, a TBL deve ser sempre pesquisada, o que pode ser difícil em nosso meio, uma vez que a vacinação com BCG é obrigatória a todos os recém-nascidos, e a imunidade conferida pelo BCG é dependente do linfócito de memória, podendo se prolongar por 10-15 anos, o que dificulta a interpretação do TT. Outro fator que pode ter influência na resposta do TT é o uso de imunossupressores e de corticosteroides, como, por exemplo, a prednisona.(11)
Assim, procurou-se, em nosso trabalho, avaliar a influência de algumas variáveis que poderiam estar implicadas na alteração da resposta imunológica com o resultado do TT, não sendo observada significância estatística em relação às variáveis estudadas. Um dado interessante e surpreendente foi o alto valor médio de enduração do TT nesse grupo de pacientes. Uma explicação plausível seria a proporção elevada de pacientes com história de contato prévio conhecido com tuberculose; esses apresentaram enduração variando de 8 a 30 mm (média, 15 mm), somado a um paciente com doença tuberculosa curada que apresentava enduração de 22 mm. A presença da cicatriz vacinal com BCG elevou discretamente o resultado do TT (15,7 mm) quando comparada com aqueles que não apresentavam a cicatriz vacinal (14,0 mm).
O grande desafio na interpretação do TT nesse grupo de risco é identificar o ponto de corte do resultado que possa sinalizar o diagnóstico de tuberculose e quando estaria indicado o tratamento preventivo da TBL. O assunto ainda parece controverso. Alguns autores advogam que se o TT for realizado em fase de imunodepressão, o doente deveria ser submetido ao tratamento antes de iniciar a terapêutica anti-TNF, mesmo que o resultado seja negativo.(14)
Em um estudo realizado na Espanha com pacientes em tratamento com anti-TNF, a probabilidade de desenvolvimento de tuberculose foi 7 vezes maior em pacientes com TT ≥ 5 mm e radiografia de tórax sugestiva de tuberculose prévia que não receberam tratamento para TBL do que naqueles que receberam tal tratamento.(7) A Sociedade Britânica de Tórax estima que o risco anual de adoecimento por tuberculose em usuários de drogas anti-TNF deva ser 5 vezes o risco anual das diferentes situações epidemiológicas.(21)
No Brasil, com uma situação considerada preocupante em relação à taxa de incidência da tuberculose, algumas questões ainda ficam no ar. Será que nosso ponto de corte deveria ser mantido também 5 mm? Deveria o tratamento da TBL em candidatos ao uso de inibidores do TNF- ser ampliado para todos os pacientes, independentemente do resultado do TT? Segundo um grupo de autores,(22) os pacientes com TBL deveriam receber o tratamento profilático para prevenir a doença ativa antes da administração dos inibidores do TNF-, devido a resultados falso-negativos em pacientes imunossuprimidos. Outro grupo de autores(23) enfoca a questão de se conduzir a profilaxia antes do uso de fármacos anti-TNF, independentemente do valor do TT ou do diagnóstico de TBL, com base na experiência espanhola: mais de 1.000 pacientes foram tratados profilaticamente, e somente 1% desses apresentou um aumento significativo dos níveis de enzimas hepáticas e sem nenhum caso de óbito ou de hospitalização.
Em relação ao tratamento da TBL, todos os pacientes inscritos no ambulatório de tisiologia do HUWC/UFC receberam isoniazida por um período de 6 meses, conforme a orientação do Ministério da Saúde. Apesar da doença de base, da presença de comorbidades e do uso de vários outros medicamentos, o tratamento foi completado por 91,0% dos pacientes. Somente houve um caso de abandono (2,2%), contrastando com as taxas de abandono relatadas em outros estudos avaliando a quimioprofilaxia em outras situações, como, por exemplo, em contatos de pacientes com tuberculose. Estudos brasileiros analisando fatores relacionados ao abandono em uma série histórica de 5 anos com 395 indivíduos submetidos à quimioprofilaxia com isoniazida na cidade de Vitória (ES) apontam uma taxa de abandono da quimioprofilaxia variando de 21,9% a 37,1%.(24)
Dos 43 pacientes que completaram o tratamento profilático, 38 (88,4%) não apresentaram qualquer efeito colateral, o que foi significativo (p = 0,021). O surgimento de efeitos colaterais considerados leves ocorreu em 5 pacientes (11,6%), que enceraram o tratamento. Entretanto, a ocorrência de hepatite medicamentosa em 2 dos 45 pacientes estudados provocou a suspensão do tratamento com isoniazida, representando 4,4% dos casos. Essa proporção é considerada elevada, mas esse evento é descrito na literatura como passível de ocorrer em pacientes acima dos 35 anos. É importante ressaltar que o surgimento de efeitos colaterais ocorreu principalmente em pacientes que possuíam alguma comorbidade.
Em conclusão, verifica-se que a determinação do perfil dos pacientes com doenças inflamatórias crônicas candidatos ao uso de fármacos inibidores de anti-TNF pode contribuir para a uniformização dos procedimentos de rastreio da infecção tuberculosa latente, bem como para estabelecer os protocolos clínicos de indicação e acompanhamento do tratamento preventivo com isoniazida.
As orientações das III Diretrizes para Tuberculose da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia(11) e as normas do Ministério da Saúde recomendam a investigação da TBL em grupos de risco, valorizando a história de contatos anteriores com pacientes bacilíferos, a vacinação BCG prévia, o exame clínico, o uso de medicações imunossupressoras e a realização de radiografia de tórax e TT.
Deve-se enfatizar o risco da tuberculose resultante da reativação endógena durante o tratamento com imunobiológicos inibidores do TNF-, pois esse é um problema permanente. A triagem e o uso de isoniazida profilática reduzem esse risco, mas não o eliminam, sendo a resposta ao TT importante na avaliação. Contudo, o ponto de corte para a interpretação do resultado deve considerar as condições clínico-epidemiológicas até que novos testes para o diagnóstico seguro da TBL e da tuberculose ativa sejam validados, principalmente para pacientes imunocomprometidos.
O encerramento dos casos em nosso estudo foi considerado bom: 91,0% dos pacientes completaram o tratamento, e 88,4% dos casos encerrados não referiram qualquer efeito colateral à isoniazida (p = 0,021). O abandono foi baixo (2,2%), apesar da média de idade mais elevada, da presença de comorbidades e do uso de outras medicações associadas, contrastando com as taxas de abandono elevadas verificadas em outros estudos brasileiros que avaliaram desfechos da quimioprofilaxia em comunicantes de pacientes com tuberculose.
Acreditamos que um dos fatores relacionados à boa adesão ao tratamento em nosso estudo tenha sido a conscientização dos pacientes sobre a importância da prevenção da tuberculose no decurso do tratamento com fármacos imunobiológicos. Por fim, ressaltamos que a conclusão do tratamento com isoniazida não deve encerrar a vigilância do adoecimento em pacientes com doenças inflamatórias crônicas durante o uso de imunobiológicos inibidores de TNF-.
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* Trabalho realizado na Universidade Federal do Ceará - UFC - Fortaleza (CE) Brasil.
Endereço para correspondência: Diana Maria de Almeida Lopes. Departamento de Fisiologia e Farmacologia, Universidade Federal do Ceará, Rua Coronel Nunes de Melo, 1127, Rodolfo Teófilo, CEP 60430-270, Fortaleza, CE, Brasil.
Tel. 55 85 3366-8606. E-mail: dianalopes5@hotmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 12/1/2011. Aprovado, após revisão, em 3/4/2011.
Sobre os autoresDiana Maria de Almeida Lopes
Doutoranda em Farmacologia. Universidade Federal do Ceará - UFC - Fortaleza (CE) Brasil.
Valéria Goes Ferreira Pinheiro
Professora Adjunta IV. Departamento de Medicina Clínica, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará - UFC - Fortaleza (CE) Brasil.
Helena Serra Azul Monteiro
Professora Associada III. Departamento de Fisiologia e Farmacologia, Universidade Federal do Ceará - UFC - Fortaleza (CE) Brasil.
José Ajax Nogueira Queiroz
Professor Associado III. Departamento de Patologia e Medicina Legal, Universidade Federal do Ceará - UFC - Fortaleza (CE) Brasil.
Lucivaldo dos Santos Madeira
Chefe do Serviço de Enfermagem. Hospital Militar de Fortaleza, Fortaleza (CE) Brasil.
Mônica Maria de Almeida Lopes
Mestranda em Bioquímica e Biologia Celular. Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular, Universidade Federal do Ceará - UFC - Fortaleza (CE) Brasil.