O sinergismo que existe entre a pneumologia e a radiologia é impar, e todos têm consciência da interdependência dessas duas especialidades médicas no diagnóstico e no acompanhamento evolutivo de várias doenças pulmonares. O enfisema pulmonar é um dos exemplos de pneumopatias cujos dados de imagem, dados clínicos e dados laboratoriais devem ser utilizados em conjunto.
O radiograma convencional de tórax foi, por muitos anos, utilizado na investigação de pacientes enfisematosos. Porém, o único sinal direto de enfisema no radiograma de tórax é a presença de bolhas contendo ar.(1)
Sinais indiretos incluem a retificação e o rebaixamento do diafragma, a redução focal da vasculatura pulmonar e o aumento do espaço claro retroesternal. Na população geral, a sensibilidade do radiograma de tórax na detecção de enfisema é de apenas 40%.(2) Em enfisema grave, contudo, a sensibilidade do conjunto das duas imagens de radiogramas de tórax, de frente e de perfil, pode ser de até 90%, como sugerem alguns pesquisadores.(3) Na presença de enfisema grave, porém, a importância do radiograma de tórax limita-se à identificação de complicações, como a presença de consolidação, atelectasia ou pneumotórax. Nos estágios avançados da doença, o próprio fenótipo do paciente é altamente sugestivo do diagnóstico, como demonstram as ilustrações de Netter.(4)
Os testes de função pulmonar são indiscutivelmente fundamentais para o diagnóstico e o acompanhamento das DPOC. Esses testes funcionais têm várias vantagens sobre os métodos de diagnóstico imagético, principalmente a ausência de uso de radiações ionizantes, o baixo custo, a bem estabelecida correlação com o quadro clínico, a reprodutibilidade de resultados e a capacidade de predição prognóstica.(5) A alteração na forma da curva de fluxo-volume na inspiração é um dos achados importantes e mais precoces na investigação desse grupo de pacientes.
Os testes de função pulmonar também podem indicar a presença de fibrose pulmonar associada a enfisema, quando se analisa a discrepância entre os dados da espirometria e a DLCO.(6) Outros estudos sugerem, contudo, algumas limitações dos testes funcionais em pacientes com enfisema menos acentuado.(1)
A TCAR de tórax revolucionou a capacidade dos exames de imagem em muitos aspectos da medicina pneumológica. O uso da TC na investigação do câncer de pulmão, das doenças intersticiais e do enfisema já faz parte da rotina de investigação pneumológica. No enfisema, porém, as capacidades da TC vêm sendo subutilizadas. Existe um potencial diagnóstico muito grande, que ainda se encontra mais restrito a centros de excelência ou a centros de pesquisa. Na rotina geral, contudo, o uso da TC continua sendo restrito à confirmação diagnóstica na presença de dados clínicos não tão definidos e à análise subjetiva da extensão e do tipo das lesões enfisematosas.
Tradicionalmente, o enfisema é estudado com técnica de alta resolução e com filtros de imagem que aguçam os contornos entre estruturas de diferentes densidades, o que facilita a análise pela vista humana.
Segundo os conceitos correntes,(7) a distinção entre enfisema centroacinar, panacinar e paraseptal é baseada na análise subjetiva das imagens de alta resolução (dados não publicados). A correlação da análise de cortes de alta resolução com a análise histopatológica tem alta correlação (r = 0,91).(1)
Atualmente, a TC helicoidal, com ou sem múltiplas pistas de detectores, encontra-se disponível na grande maioria dos centros de diagnóstico por imagem. Esses equipamentos tornaram viável a realização de exames de TC de tórax com uma aquisição de todas as imagens durante uma única pausa respiratória. Essa capacidade técnica abriu novos caminhos na investigação das doenças pulmonares. Medidas objetivas do volume pulmonar total e do volume de pulmão afetado por enfisema pulmonar podem ser realizadas com precisão de aproximadamente 99% (1% de variação máxima entre exames subsequentes).(8) Estudos prévios demonstraram que, em pacientes hígidos e sem história de doença pulmonar ou de tabagismo, o índice de enfisema é de no máximo 0,35% (incluindo a traqueia e os brônquios principais).(8) Também já foi demonstrado que a gradação de enfisema por densitovolumetria por TC é mais acurada que a gradação subjetiva, quando comparada com a gradação histopatológica.(9) A quantificação de enfisema por densitovolumetria por TC utiliza um limiar abaixo do qual a densidade do pulmão é considerada quase tão baixa quanto à do ar puro. Ou seja, em decorrência da destruição do tecido pulmonar pelo enfisema, não há volume suficiente de tecido com densidade de partes moles para elevar a densidade do ar puro para valores de densidades de pulmão livre de enfisema. O limiar de separação entre o pulmão normal e o pulmão enfisematoso apresenta variações nos vários estudos até agora publicados, e a seleção dos valores depende muito dos parâmetros de aquisição e de reconstrução dos cortes tomográficos. Em cortes tomográficos de alta resolução isolados (não helicoidais) e com filtro de aguçamento de contornos, Müller identificou o limiar −910 UH como sendo o de melhor correlação com a histopatologia. A correlação do limiar em −950 UH com a quantificação macroscópica e microscópica pela histopatologia foi demonstrada por outros autores em 1995. Mais recentemente, alguns pesquisadores observaram que, em equipamentos helicoidais de múltiplas pistas de detectores, os limiares −960 UH e −970 UH apresentaram as melhores correlações com a gradação histopatológica.(1)
A densitovolumetria por TC pode ser realizada em exames feitos especificamente com o objetivo de confirmar a suspeita clínica e analisar o tipo de enfisema, sua distribuição dentro dos pulmões e a extensão das lesões. Contudo, na prática atual, essa indicação é restrita a casos específicos, e não há recomendação de utilização do método para o rastreamento da população de risco para enfisema. Entre as indicações mais comuns, estão casos de pacientes com pneumotórax espontâneo de repetição, pacientes com enfisema grave, candidatos a procedimentos intervencionistas, como cirurgia redutora de volume pulmonar ou procedimentos minimamente invasivos para o tratamento de enfisema, como o uso de válvulas ou sustentadores (stents) intrabrônquicos, ou ainda em pacientes com deficiência de alfa-1 antitripsina ou em pacientes candidatos a transplante pulmonar.(10)
Porém, a densitovolumetria por TC pode também ser realizada em exames de tórax solicitados por outras causas, como para a avaliação de câncer de pulmão ou de doenças císticas dos pulmões. Aceitando certa variabilidade, decorrente das variadas espessuras de cortes tomográficos ou do uso de meio de contraste endovenoso, entre outros, a densitovolumetria por TC pode ser útil nesses pacientes.(1,8,11)
Uma das limitações para a utilização mais generalizada da densitovolumetria por TC é o custo do programa de computador e da estação de trabalho necessários para a realização dessas medidas. O programa de reconstrução volumétrica e o programa de análise de densidades em geral têm que ser adquiridos opcionalmente quando da compra do tomógrafo. Neste volume do Jornal Brasileiro de Pneumologia, o artigo de Felix et al.(12) apresenta uma alternativa nacional e a comparam a um programa de livre acesso. Os autores desenvolveram e testaram um programa de computação com capacidade de realizar a quantificação de enfisema em cortes tomográficos individuais. Apesar de várias limitações, principalmente da impossibilidade de realizar a quantificação do volume total de enfisema nos pulmões, a solução apresentada pode ser considerada quando a aquisição de programas mais sofisticados faz-se impossível por limitações econômicas. Alerta-se, porém, que os autores não especificam se o aplicativo encontra-se liberado pelo Ministério da Saúde para a sua aplicação clínica.
Apesar de todo o nosso entusiasmo com a utilização da densitovolumetria por TC, nossa experiência mostra que existem muitas variáveis que podem influenciar os resultados. A cooperação do paciente, a paciência e a meticulosidade do operador do equipamento, a correta manutenção e calibração do equipamento, e mesmo o fabricante e o modelo do equipamento de tomografia, podem alterar os resultados. As medidas devem ser realizadas por um profissional propriamente treinado e, mais do que tudo, os resultados devem ser sempre avaliados à luz dos dados clínicos e funcionais.
A TC de tórax e as técnicas de análise quantitativa de enfisema têm proporcionado um avanço impressionante nos conhecimentos sobre enfisema pulmonar. Com certeza, o uso mais generalizado da densitovolumetria por TC trará mudanças em muitos dos conceitos atuais sobre a doença, beneficiando esse grupo de pacientes que, por terem seu diagnóstico geralmente feito numa fase tardia dessa doença irreversível, têm um prognóstico muito restrito, sem muitas opções terapêuticas que não aquelas para um alívio sintomático.
Agradecemos ao Dr. Paul Deegan, aos mestres do Pavilhão Pereira Filho e ao Dr. Arthur Soares Souza Jr as interessantes discussões sobre os aspectos clínicos da doença. Um agradecimento especial aos mestres Nelson da Silva Porto e Darcy de Oliveira Ilha pelos valiosos ensinamentos sobre esse instigante assunto.
Klaus Loureiro Irion
Medico Radiologista.
Liverpool Heart and Chest Hospital, and Royal Liverpool and
Broadgreen University Hospital, Liverpool, Reino Unido
Edson Marchiori
Professor Titular e
Chefe do Departamento de Radiologia, Universidade Federal Fluminense,
Niterói (RJ) Brasil.
Bruno Hochhegger
Medico Residente.
Pavilhão Pereira Filho, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
Referências
1. Bankier A. Emphysema. In: Müller NL, Silva CIS, editors. Imaging of the Chest. 1st ed. Philadelphia: Saunders/Elsevier; 2008. p. 1096-1114.
2. Thurlbeck WM, Simon G. Radiographic appearance of the chest in emphysema. AJR Am J Roentgenol. 1978;130(3):429-40.
3. Miniati M, Monti S, Stolk J, Mirarchi G, Falaschi F, Rabinovich R, et al. Value of chest radiography in phenotyping chronic obstructive pulmonary disease. Eur Respir J. 2008;31(3):509-15. Epub 2007 Dec 5.
4. Netterimages.com [homepage on the Internet]. Amsterdam: Elsevier; c2009 [cited 2009 Aug 21] Emphysema Patient and the Position Often Assumed; [about 2 screens]. Available from: http://www.netterimages.com/image/13539.htm
5. Calverley PM. The Clinical Usefulness of Spirometric Information. Breathe. 2009;5(3):215-20.
6. Silva DR, Gazzana MB, Barreto SS, Knorst MM. Idiopathic pulmonary fibrosis and emphysema in smokers. J Bras Pneumol. 2008;34(10):779-86.
7. Pereira-Silva JL, Kavakama J, Terra Filho M, Porto NS, Souza Júnior AS, Marchiori E, et al. Brazilian Consensus on Terminology Used to Describe Computed Tomography of the Chest. J Bras Pneumol. 2005;31(2):149-156.
8. Irion KL, Marchiori E, Hochhegger B, Porto Nda S, Moreira Jda S, Anselmi CE, et al. CT quantification of emphysema in young subjects with no recognizable chest disease. AJR Am J Roentgenol. 2009;192(3):W90-6.
9. Bankier AA, De Maertelaer V, Keyzer C, Gevenois PA. Pulmonary emphysema: subjective visual grading versus objective quantification with macroscopic morphometry and thin-section CT densitometry. Radiology. 1999;211(3):851-8.
10. Camargo JJ, Irion KL, Marchiori E, Hochhegger B, Porto NS, Moraes BG, et al. Computed tomography measurement of lung volume in preoperative assessment for living donor lung transplantation: volume calculation using 3D surface rendering in the determination of size compatibility. Pediatr Transplant. 2009;13(4):429-39. Epub 2008 Oct 9.
11. Irion KL, Hocchegger B, Marchiori E, Holemans JA, Smith RA, Raja RC, et al. Proteus syndrome: high-resolution CT and CT pulmonary densitovolumetry findings. J Thorac Imaging. 2009;24(1):45-8.
12. Felix JH, Cortez PC, Costa RC, Fortaleza SC, Pereira ED, Holanda MA. Computer-assisted evaluation of pulmonary emphysema in CT scans: comparison between a locally developed system and a freeware system. J Bras Pneumol. 2009;35(9):868-76.