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Relato de Caso

Caso raro de pneumotórax: adamantinoma metastático

A rare case of pneumothorax: metastatic adamantinoma

Roberto Gonçalves, Roberto Saad Júnior, Vicente Dorgan Neto, Marcio Botter

ABSTRACT

Here, we describe two cases of lung metastasis of adamantinoma of long bones, a low-grade bone neoplasm that rarely metastasizes. In both cases, the clinical presentation of the metastases was characterized by spontaneous pneumothorax secondary to tumor cavitation, a phenomenon described in only three of the studies reviewed in the literature. Clinical, radiological, and anatomopathological findings, as well as the procedures adopted in the two cases, are described.

Keywords: Adamantinoma; Pneumothorax; Neoplasm metastasis; Medical records.

RESUMO

Descrevem-se dois casos de metástases pulmonares de adamantinoma de ossos longos, o qual é uma neoplasia óssea de baixo grau que raramente metastatiza. Nos dois casos a apresentação clínica das metástases se deu por pneumotórax espontâneo secundário a escavação tumoral, fenômeno descrito em apenas três dos trabalhos consultados na literatura. São descritos os achados clínicos, radiológicos e anatomopatológicos, bem como os procedimentos adotados nos dois casos.

Palavras-chave: Adamantinoma; Pneumotórax; Metástase neoplásica; Registros médicos.

Introdução

O adamantinoma é um tumor raro que ocorre em ossos longos, e estima-se que seja responsável por 0,1 a 0,5% de todos os tumores ósseos primários.(1) Possui esse nome pela sua semelhança histológica com o tumor de mandíbula (ameloblastoma).

Trata-se de uma neoplasia de baixo grau que apresenta evolução indolente, é localmente agressiva e raramente metastatiza. Os locais mais comumente acometidos secundariamente são os pulmões, os linfonodos e os ossos. Quando presente nos pulmões, pode ocorrer hemoptise.

Embora casos de pneumotórax secundário a outros tumores metastáticos já tenham sido descritos, encontram-se, na literatura, apenas três referências sobre pneumotórax espontâneo tendo como etiologia o adamantinoma metastático pulmonar.(2,3,4) A seguir, são descritos dois casos seguidos pelos autores.

Relato de casos

Caso 1

Indivíduo do sexo masculino, 26 anos, branco, com história de trauma local, apresentou, há oito meses, quadro de aumento do volume da perna esquerda acompanhado por dor. Ao exame radiográfico da perna, mostrava lesão tumoral osteolítica na diáfise tibial, sendo que, após o diagnóstico, se optou pela realização de ressecção do tumor com margem histológica livre. Após sete anos, o paciente evoluiu com recidiva local, sendo então realizada a amputação infrapatelar do membro acometido. Após três anos, apresentou quadro de dispnéia aos médios esforços, sendo que, nesse momento, diagnosticou-se pneumotórax à direita e encontraram-se imagens nodulares, algumas císticas, em ambos os pulmões (Figura 1). Essas imagens posteriormente mostraram-se como metástases de adamantinoma no pulmão, e optou-se pela realização de drenagem pleural seguida de metastasectomia por bitoracotomia seqüencial, com exérese de 5 nódulos à direta e 3 à esquerda. O paciente teve alta após três dias e permaneceu em acompanhamento ambulatorial.



Caso 2

Indivíduo do sexo masculino, 55 anos, branco, ex-tabagista (25 maços-ano), com história de trauma local, apresentou, há dois anos, aumento progressivo da região tibial direita acompanhado por dor. O exame radiológico evidenciou imagem semelhante à do caso anterior na região diafisária distal da tíbia direita. Após o diagnóstico por biópsia de congelação, optou-se pela realização de ressecção local com margem histológica livre. Após dois anos, o paciente evoluiu com recidiva local, sendo nesse momento realizada a amputação infrapatelar.

Após dois anos, o paciente foi enviado ao nosso ambulatório com exames de imagem mostrando alterações císticas, nódulos e pneumotórax de médio volume à direita. Optou-se por drenagem pleural com expansão total do pulmão e retirada do dreno. Além disso, realizou-se prova de função pulmonar, a qual mostrou grave distúrbio obstrutivo (volume expiratório forçado no primeiro segundo de 37% e capacidade vital forçada de 50% do valor predito). Vinte dias após a retirada do dreno, o paciente apresentou um novo episódio de pneumotórax à direita (Figura 2), e, nesse momento, optou-se pela realização de drenagem pleural seguida de expansão de pleurodese em razão da impossibilidade de se ressecar todas as metástases, já que isso envolveria uma grande ressecção de parênquima pulmonar em um paciente com baixa reserva pulmonar. Após oito meses, o paciente apresentou quadro de escarro sanguinolento, culminando em hemoptise de médio volume, que tanto a broncoscopia como a arteriografia mostraram originar-se no brônquio lobar superior esquerdo (metástase escavada), e não houve sucesso na contenção do sangramento por esses métodos. Optou-se pela realização de lobectomia superior esquerda associada à ressecção de duas metástases localizadas em lobo inferior esquerdo (Figura 3). O paciente recebeu alta após seis dias e permaneceu em acompanhamento ambulatorial.





Discussão

Fisher,(5) pela analogia microscópica com o adamantinoma de mandíbula (ameloblastoma), batizou esta neoplasia que acomete preferencialmente a tíbia (70%), a fíbula, o fêmur e a ulna, podendo acometer também o úmero ou as costelas,(6,12) com o nome de adamantinoma de ossos longos. Apresenta-se geralmente como um tumor único situado na diáfise óssea.

Ocorre mais comumente após a maturidade do esqueleto, por volta dos 20 aos 50 anos, e apresenta predileção pelo gênero masculino, sendo mais agressivo nesse tipo de paciente.(7)

Em nossos pacientes, isso ficou demonstrado pela reincidência local e pelas metástases pulmonares. A taxa de recidiva local é de 18,6% em dez anos.(8)

A apresentação clínica faz-se por aumento volumétrico progressivo acompanhado por dor local, sendo comum a história de trauma pregresso.(9) Em nossos dois casos, os sintomas eram frustos e eram associados à história de trauma local, o que postergou a ida do doente ao serviço médico.

Em radiografias convencionais, o tumor ósseo é único e alongado, com maior eixo paralelo ao osso afetado, bordas irregulares, limites imprecisos e focos osteolíticos entremeados por esclerose reacional sem reação periosteal, e, não raramente, apresenta cistos.(10-12) Em nossos casos, as radiografias mostraram tumores insuflados e osteolíticos localizados nas diáfises tibiais. No segundo caso foi solicitada uma ressonância magnética de perna em razão da suspeita de invasão de partes moles, a qual não ficou evidenciada, sendo que o tumor mostrava baixo sinal em T1 e alto sinal em T2.

Como parte do estadiamento, deve ser realizada uma cintilografia óssea de corpo inteiro a procura de hipercaptação de radiofármaco com o objetivo de identificar possíveis metástases.

Quanto à anatomia patológica, o exame macroscópico revela um tumor denso, róseo e com áreas de aspecto fibroso entremeado por consistência óssea. Notam-se cavidades císticas de tamanho variado. Histologicamente, apresenta-se como uma neoplasia bifásica, ou seja, há um componente epitelióide constituído por células estreladas, que são fortemente positivas para ceratina à imunohistoquímica,(13) e um componente estromal constituído por proliferação fibrosa com traves osteóides irregularmente mineralizadas e células, com características de miofibroblastos, com positividade para marcadores de músculo liso, como a actina(14) (Figura 3).

As metástases pulmonares mostram-se extremamente semelhantes aos tumores primários e têm como diagnóstico diferencial a displasia osteofibrosa.

A ocorrência de doença metastática é rara (10-15%) e, quando se dá, é de forma tardia, podendo acontecer até dez anos após a detecção do tumor primário.(15,16) Nos casos descritos acima, os pacientes desenvolveram metástases pulmonares, as quais se apresentaram na forma de pneumotórax espontâneo, dois anos após o tratamento do tumor primário. Durante os atos cirúrgicos, notou-se que as metástases acometiam a pleura visceral, com a formação de lesões císticas rotas que provavelmente foram a etiologia dos pneumotórax.(1-3)

O tratamento do tumor primário se faz por ressecção local ampliada com margens livres. Trata-se de uma neoplasia altamente radioresistente, e não há, no momento, quimioterapia eficaz no controle do tumor. A metastasectomia pulmonar deve ser realizada sempre que a doença primária estiver controlada, o performance status do paciente for bom e a prova de função pulmonar for satisfatória.(17,18) A ressecção de todas as metástases deve ser tentada a todo custo, e devem ser realizadas ressecções em cunha.

Acreditamos que, por se tratar de um tumor de crescimento lento, possa haver um potencial efeito benéfico no uso de metastasectomias parciais, principalmente nos casos de metástases mais centrais, com intuito paliativo, para retardo de complicações como atelectasias obstrutivas ou hemoptises, sendo essas condutas de exceção por nós defendidas, e aplicáveis aos casos relatados, principalmente por não haver terapia alternativa à cirurgia.(7,8)

Quanto ao prognóstico, a literatura diz que a média de sobrevivência com enfermidade metastática é de doze anos, e os fatores sexo masculino, intervalo livre de doença (entre o tumor primário e o tumor metastático) menor que um ano e reincidência local relacionam-se com pior prognóstico.(7)

Concluímos que o adamantinoma é uma neoplasia rara que apresenta crescimento lento e baixo potencial metastático-com tropismo pelos pulmões nos casos aqui apresentados-e que pode se manifestar como pneumotórax. O seu tratamento deve ser exclusivamente cirúrgico.

Referências


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Trabalho realizado na Disciplina de Cirurgia Torácica do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo
(SP) Brasil.
1. Mestrando em Medicina pela Disciplina de Cirurgia Torácica. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
2. Professor Titular Livre Docente da Disciplina de Cirurgia Torácica. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
3. Professor Adjunto da Disciplina de Cirurgia Torácica. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
4. Professor Instrutor da Disciplina de Cirurgia Torácica. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Roberto Gonçalves. Rua Doutor Cesário Mota Jr., 112, Unidade de Pulmão e Coração (UPCOR), CEP 01221-020, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 3862-6362. E-mail: rgtorax@yahoo.com.br
Recebido para publicação em 12/4/2007. Aprovado, após revisão, em 15/8/2007.

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