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Relato de Caso

Pneumonia eosinofílica crônica secundária ao uso prolongado de nitrofurantoína: achados da tomografia computadorizada de alta resolução do tórax

Chronic eosinophilic pneumonia secondary to long-term use of nitrofurantoin: high-resolution computed tomography findings

Rosane Rodrigues Martins, Edson Marchiori, Sérgio Lopes Viana, Luiz Sérgio Pereira Grillo Júnior, Vera Luiza Capelozzi, Laércio Moreira Valença

ABSTRACT

The authors report the case of a female patient who developed chronic eosinophilic pneumonia secondary to long-term use of nitrofurantoin for prophylaxis of recurrent urinary tract infections due to urethral stenosis. On high-resolution computed tomography scans, the pulmonary reaction to nitrofurantoin most commonly manifests as an interstitial-alveolar pattern in both lung bases. However, in this case, the alterations were most pronounced in the periphery of the upper lobes. In itself, this tomographic profile is strongly indicative of chronic eosinophilic pneumonia. The patient had previously been submitted to an open lung biopsy. The diagnosis of chronic eosinophilic pneumonia was confirmed through a review of the biopsy.

Keywords: Pneumonia; Pulmonary eosinophilia; Nitrofurantoin/adverse effects; Tomography, X-ray computed.

RESUMO

Os autores relatam o caso de uma paciente com estenose de uretra que desenvolveu pneumonia eosinofílica crônica secundária ao uso prolongado de nitrofurantoína como profilaxia para infecção urinária de repetição. A paciente havia sido submetida a uma biópsia pulmonar a céu aberto. É dada ênfase aos achados da tomografia computadorizada de alta resolução do tórax, já que, embora as alterações pulmonares associadas à toxicidade da nitrofurantoína geralmente sejam basais e bilaterais, no caso aqui descrito, as lesões de natureza interstícioalveolares situaram-se nas regiões subpleurais dos lobos superiores. Esses achados, por si só, são muito sugestivos de pneumonia eosinofílica crônica. O diagnóstico foi confirmado por meio da revisão da biópsia.

Palavras-chave: Pneumonia; Eosinofilia pulmonar; Nitrofurantoína/efeitos adversos; Tomografia computadorizada por raios X.

Introdução

A nitrofurantoína tem sido largamente utilizada como medicação eficaz e relativamente segura no tratamento de infecções genito-urinárias, sendo raras as complicações decorrentes do seu uso. Entretanto, alterações parenquimatosas pulmonares têm sido ocasionalmente associadas à terapia de longa duração. Os autores relatam o caso de uma paciente com pneumonia eosinofílica crônica secundária ao uso prolongado dessa droga, com ênfase nos achados da tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) do tórax.

Relato do caso

Paciente do sexo feminino, 74 anos, procurou o nosso serviço, em setembro de 2003, com queixa de tosse crônica há anos e eliminação de secreção escassa. Relatava realização de radiografia de tórax vinte meses antes, a qual teria mostrado 'fibrose pulmonar'. O exame de função pulmonar revelava um padrão de discreta restrição (capacidade pulmonar total de 79%) e redução da difusão do monóxido de carbono (63% do previsto). O tratamento inicial com corticoterapia oral e inalatória previamente realizado em outro serviço não foi bem sucedido, tendo sido então realizada uma biópsia pulmonar a céu aberto, cujo diagnóstico histopatológico foi de fibrose intersticial difusa em fase subaguda.

Na história patológica pregressa, destacava-se o relato de câncer de útero aos 35 anos, o qual foi tratado com radioterapia e quimioterapia. A paciente apresentou estenose de uretra como complicação do quadro, com episódios recorrentes de infecção urinária, cujo manejo incluía autocateterismo de 4/4 h e profilaxia com nitrofurantoína nos últimos três anos. O exame físico mostrou apenas cicatriz de toracotomia esquerda, expansibilidade torácica diminuída e estertores crepitantes nas bases pulmonares.

A revisão da biópsia pulmonar por uma patologista resultou no diagnóstico histológico de pneumonia eosinofílica crônica, possivelmente atenuada por uso prévio de esteróides, associada a alterações decorrentes de obstrução bronquiolar. Havia infiltrado de eosinófilos e células mononucleares ao longo dos septos alveolares e espaços alveolares (Figura 1).




Considerando-se que os achados anatomopatológicos poderiam estar associados a uma reação à nitrofurantoína, essa medicação foi suspensa, e foi iniciada a corticoterapia oral.

A radiografia de tórax realizada quatro meses após a consulta inicial mostrou áreas de espessamento intersticial subpleural nos lobos superiores. A TCAR, realizada concomitantemente, revelou áreas focais subpleurais de espessamento do interstício intralobular e interlobular associadas a discretas opacidades em 'vidro fosco', sendo que essas alterações estavam presentes apenas nos lobos superiores e notava-se opacidade alveolar no segmento anterior do lobo superior esquerdo (Figura 2). Não havia alterações mediastinais. A TCAR de controle realizada quatro meses depois não mostrou modificação significativa, exceto por melhora da área de opacidade alveolar no lobo superior esquerdo (Figura 3).





A dispnéia e os estertores pulmonares apresentaram resolução progressiva ao longo do tratamento, sendo a dose de corticóide oral progressivamente reduzida até a suspensão completa da medicação, após quinze meses de tratamento. Não houve retorno dos sintomas após a suspensão da corticoterapia.

Discussão

A toxicidade pulmonar da nitrofurantoína foi relatada pela primeira vez em 1957 por Fisk.(1)

Desde então, houve vários relatos de reações pulmonares induzidas por essa droga, com quadros polimorfos que incluem fibrose pulmonar,(2,3) hemorragia alveolar,(4) bronquiolite obliterante com pneumonia organizativa, conhecida como ­bronchiolitis obliterans organizing pneumonia (BOOP) em inglês,(5) síndrome similar ao lúpus,(6) pneumonias intersticiais descamativa, usual e não-específica,(7) reação alérgica,(8) dano alveolar difuso,(9) além de pneumonia eosinofílica.(10)

A doença pulmonar induzida pela nitrofurantoína tem basicamente duas formas de apresentação: uma forma aguda, mais comum, que se desenvolve horas a dias após o uso da medicação, provavelmente ­relacionada a uma reação de hipersensibilidade ou a uma reação imunológica, e uma forma crônica, que surge após meses ou anos de uso contínuo, ­provavelmente relacionada à lesão tecidual direta pelos oxidantes.(11-13)

A forma aguda caracteriza-se clinicamente por taquipnéia, febre, tosse não produtiva, taquicardia, dor torácica, erupção cutânea e artralgia. A radiografia de tórax mostra padrão reticular ou padrão alveolar bibasal, com linhas septais e derrame pleural, simulando edema pulmonar. Eosinofilia periférica e redução da difusão de monóxido de carbono ­geralmente estão presentes, podendo haver hipoxemia e padrão restritivo nos testes de função pulmonar.(13-15) O diagnóstico diferencial deve ser feito principalmente com embolia pulmonar, infecção, infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca, sendo fundamental a relação temporal entre o início dos sintomas e o início da medicação e o fato de haver melhora significativa com a retirada desta.

A forma crônica tem início mais insidioso, com dispnéia progressiva, tosse seca e taquipnéia, sem febre. A radiografia de tórax revela mais freqüentemente espessamento intersticial nas bases.(3,16) Os testes de função pulmonar revelam padrão restritivo, com hipoxemia e baixa difusão de monóxido de carbono. O diagnóstico diferencial inclui fibrose pulmonar idiopática e outras causas de espessamento intersticial basal. A melhora dos sintomas geralmente se dá alguns meses após a droga ser descontinuada, podendo ou não haver regressão do espessamento intersticial.

O diagnóstico histopatológico da nossa paciente foi de pneumonia eosinofílica crônica, não havendo relatos específicos sobre essa enfermidade como reação adversa à nitrofurantoína por meio de estudo por TCAR na literatura pesquisada. As principais alterações crônicas associadas à nitrofurantoína geralmente são basais,(3,16,17) sendo descritas alterações esparsas e peribroncovasculares quando a reação foi o desenvolvimento de BOOP.(5) Pode haver sobreposição dos achados clínicos, radiológicos e patológicos da pneumonia eosinofílica crônica e da BOOP, mas em muitos casos a TCAR ajuda na diferenciação dessas duas doenças.

No relato em questão, os achados foram ­predominantemente de lobos superiores, principalmente subpleurais, bastante sugestivos de pneumonia eosinofílica crônica considerando-se apenas a TCAR.(18-20) A evolução clínica favorável após a suspensão da medicação e a ausência de recorrência após a suspensão da corticoterapia permitiram firmar a relação causal entre o quadro pulmonar e o uso da nitrofurantoína, sendo que a persistência dos achados de imagem em lobos superiores traduz alterações intersticiais crônicas irreversíveis.

O conhecimento sobre as diversas manifestações pulmonares decorrentes do uso da nitrofurantoína, tanto agudas como crônicas, assim como o conhecimento de que o paciente fez uso dessa medicação são imprescindíveis para o diagnóstico da reação pulmonar à droga. Alguns autores recomendam a realização semestral de radiografias de tórax para o diagnóstico precoce de alterações pulmonares nos pacientes em uso prolongado de nitrofurantoína.

Referências

1. Fisk AA. Brief recording: anaphylactoid reaction to nitrofurantoin. N Engl J Med. 1957;256(22):1054.

2. Jick SS, Jick H, Walker AM, Hunter JR. Hospitalizations for pulmonary reactions following nitrofurantoin use. Chest. 1989;96(3):512-5.

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4. Averbuch SD, Yungbluth P. Fatal pulmonary hemorrhage due to nitrofurantoin. Arch Intern Med. 1980;140(2):271-3.

5. Cameron RJ, Kolbe J, Wilsher ML, Lambie N. Bronchiolitis obliterans organising pneumonia associated with the use of nitrofurantoin. Thorax. 2000;55(3):249-51.

6. Selroos O, Edgren J. Lupus-like syndrome associated with pulmonary reaction to nitrofurantoin. Report of three cases. Acta Med Scand. 1975;197(1-2):125-9.

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9. Magee F, Wright JL, Chan N, Currie W, Karr G, Hogg J, et al. Two unusual pathological reactions to nitrofurantoin: case reports. Histopathology. 1986;10(7):701-6.

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Trabalho realizado no Hospital das Forças Armadas - HFA - Brasília (DF) Brasil.
1. Médica Radiologista. Hospital das Forças Armadas - HFA - Brasília (DF) Brasil.
2. Professor Titular de Radiologia. Universidade Federal Fluminense - UFF - Niterói (RJ) Brasil.
3. Médico Radiologista. Instituto do Coração do Distrito Federal - Incor/DF - Fundação Zerbini, Brasília (DF) Brasil.
4. Médico Residente em Radiologia. Hospital das Forças Armadas - HFA - Brasília (DF) Brasil.
5. Médica do Departamento de Patologia. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
6. Chefe da Clínica Pneumológica. Hospital das Forças Armadas - HFA - Brasília (DF) Brasil.
Endereço para correspondência: Rosane Rodrigues Martins. SQSW 305, Bloco H, apto 105, CEP 70673-428, Brasília, DF, Brasil.
Tel 55 61 3233-7220. E-mail: sanemar@correioweb.com.br
Recebido para publicação em 20/12/2006. Aprovado, após revisão, em 18/4/2007.

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