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Toracoscopia em crianças com derrame pleural parapneumônico complicado na fase fibrinopurulenta: estudo multi-institucional

Thoracoscopy in children with complicated parapneumonic pleural effusion at the fibrinopurulent stage: a multi-institutional study

Sérgio Freitas, José Carlos Fraga, Fernanda Canani

ABSTRACT

Objective: To determine the efficacy of thoracoscopy in the management of children with complicated parapneumonic pleural effusion at the fibrinopurulent stage. Methods: Retrospective study of 99 children submitted to thoracoscopy for the treatment of complicated parapneumonic pleural effusion at the fibrinopurulent stage between November of 1995 and July of 2005. The mean age was 2.6 years (range, 0.4-12 years), and 60% were males. Thoracoscopy was performed at three different hospitals following the same treatment algorithm. Results: Thoracoscopy was effective for 87 children (88%). In 12 (12%), a second surgical procedure was required: another thoracoscopy (n = 6) or thoracotomy/thoracostomy (n = 6). Mean duration of chest tube drainage following successful thoracoscopy was 3 days vs. 10 days in patients submitted to a second procedure (p < 0.001). In all of the children, the pleural infection resolved after treatment. Thoracoscopy-related complications included air leak (30%), chest tube bleeding (12%), subcutaneous emphysema associated with trocar insertion (2%) and surgical wound infection (2%). None of the children required additional surgical procedures due to the complications. Conclusions: The effectiveness of thoracoscopy in children with parapneumonic pleural effusion at the fibrinopurulent stage was 88%. The procedure was safe, with a low rate of severe complications. Thoracoscopy should be the first-choice treatment for children with parapneumonic pleural effusion at the fibrinopurulent stage.

Keywords: Thoracoscopy; Pleural effusion; Empyema, pleural.

RESUMO

Objetivo: Determinar a eficácia da toracoscopia em crianças com derrame pleural parapneumônico complicado (DPPC) na fase fibrinopurulenta. Métodos: Estudo retrospectivo de 99 crianças submetidas à toracoscopia para tratamento de DPPC na fase fibrinopurulenta entre novembro de 1995 e julho de 2005. A média de idade foi de 2,6 anos (variação, 0,4-12 anos) e 60% eram do sexo masculino. A toracoscopia foi realizada em três hospitais diferentes utilizando-se o mesmo algoritmo de tratamento. Resultados: A toracoscopia foi eficaz em 87 crianças (88%) e 12 (12%) necessitaram de outro procedimento cirúrgico: nova toracoscopia (n = 6) ou toracotomia/pleurostomia (n = 6). O tempo médio de drenagem torácica foi de 3 dias nas crianças em que a toracoscopia foi efetiva e de 10 dias naquelas que precisaram de outro procedimento (p < 0,001). A infecção pleural de todas as crianças foi debelada após o tratamento. As complicações da toracoscopia foram fuga aérea (30%) e sangramento pelo dreno torácico (12%), enfisema subcutâneo na inserção do trocarte (2%) e infecção da ferida operatória (2%). Nenhuma criança necessitou de reoperação devido às complicações. Conclusões: A efetividade da toracoscopia em crianças com DPPC na fase fibrinopurulenta foi de 88%. O procedimento mostrou-se seguro, com baixa taxa de complicações graves, devendo ser considerado como primeira opção em crianças com DPPC na fase fibrinopurulenta.

Palavras-chave: Toracoscopia; Derrame pleural; Empiema pleural.

Introdução

O derrame pleural parapneumônico (DPP) é aquele que ocorre associado à ­pneumonia.(1) Cerca de 40% das crianças com pneumonia apresentam derrame pleural,(2) e cerca de 10% deles necessitarão de drenagem cirúrgica.(2) O DPP é classificado, de acordo com seu aspecto e conteúdo, em complicado ou não-complicado. O DPP complicado (DPPC) é aquele que apresenta pus e/ou germes na bacterioscopia ou cultura, ou cuja análise bioquímica do líquido pleural apresente pH < 7,0, glicose < 40 mg/dL e desidrogenase lática > 1.000 UI/L.(3,4) Quando o DPPC apresenta pus, ele é denominado de empiema pleural.(1) Estudos recentes têm comprovado que o DPPC, mesmo sem conteúdo purulento, se comporta como empiema, com grande tendência a loculação e consequente aumento significativo da morbidade e da mortalidade.(5)

A evolução do DPPC exibe três fases bem distintas, que na verdade são progressivas caso o derrame não seja adequadamente tratado.(6) A primeira fase, denominada de fase aguda ou exsudativa, é caracterizada pela presença de líquido pleural estéril, fluido, que é facilmente removido por drenagem, com rápida expansão pulmonar. A segunda fase é denominada ­fibrinopurulenta, com líquido pleural ­apresentando leucócitos polimorfonucleares, bactérias e restos celulares, com formação e depósito de fibrina sobre a pleura, com tendência à formação de septos e loculação do derrame. Nesse estágio, somente ocorre expansão pulmonar após a ruptura das septações e remoção de todo o conteúdo infeccioso intrapleural. A última fase é denominada organizada, que é caracterizada pela presença de fibroblastos sobre as pleuras, originando uma membrana espessa e inelástica que cobre o pulmão e reduz sua expansibilidade. Nessa fase, mesmo após a remoção completa do líquido pleural, não há expansão completa do pulmão.(7)

O tratamento do DPPC é sempre cirúrgico,(7) e o tipo de drenagem depende da fase em que se encontra o derrame(4,8): na fase aguda, é indicada a drenagem torácica fechada; na fase fibrinopurulenta, a remoção do conteúdo pleural através de minitoracotomia ou toracoscopia, com posterior drenagem pleural fechada; e na fase organizada, toracotomia ou drenagem aberta através de pleurostomia.(4)

Apesar de no momento a toracoscopia ser o procedimento preconizado em crianças com DPPC na fase fibrinopurulenta,(9-11) ainda não há estudos bem delineados e com um número ­significativo de pacientes que permitam avaliar a real efetividade desse método em crianças com DPPC.(12,13) Este estudo multi-institucional foi realizado com o objetivo de se determinar a eficácia da toracoscopia em um número significativo de crianças com DPPC na fase fibrinopurulenta.

Métodos

Estudo retrospectivo de 99 crianças (3 meses a 12 anos), 60 (60%) do sexo masculino e idade média de 2,6 anos, portadoras de DPPC na fase fibrinopurulenta, que foram submetidas à toracoscopia no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e no Hospital Moinhos de Vento (HMV) em Porto Alegre (RS), assim como no Hospital Geral de Caxias do Sul (HGCS) em Caxias do Sul (RS), no período entre novembro de 1995 e julho de 2005. O manejo desses pacientes foi realizado usando-se o mesmo algoritmo de tratamento (Figuras 1 e 2).(4) Em cada hospital estudado, os seguintes dados foram coletados dos prontuários: idade; sexo; realização de toracocentese; uso de antibiótico prévio à cirurgia; aspecto macroscópico, bioquímica, bacterioscopia e cultura do líquido pleural; tempo do início do quadro clínico até a realização da toracoscopia; tempo de drenagem torácica; tempo de internação; eficácia da toracoscopia; e necessidade de outro procedimento cirúrgico.
A presença de septações pleurais, caracterizando o estágio II ou fibrinopurulento do DPPC, foi determinada pela presença de um ou mais dos seguintes critérios: líquido pleural sem mobilidade à radiografia em decúbito lateral e raios horizontais, nível hidroaéreo identificado antes de instrumentação do espaço pleural e septações visualizadas na ultrassonografia ou TC.(14,15)







A toracoscopia foi realizada como procedimento inicial nas crianças que apresentavam DPPC com septações. Algumas crianças tinham previamente realizado drenagem torácica fechada, e, devido à permanência de febre e imagens radiológicas de septações pleurais, foram submetidas posteriormente a toracoscopia.(5,16,17) O procedimento foi realizado sob anestesia geral, com a criança em decúbito lateral. Inicialmente, era realizada intubação seletiva do pulmão sadio, mas, a partir de 2005, passamos a realizar somente intubação traqueal não-seletiva.

O procedimento cirúrgico foi realizado usando um pequeno mediastinoscópio ou trocartes de videocirurgia. O mediastinoscópio ou o primeiro trocarte era introduzido na cavidade torácica por uma pequena incisão no 4º espaço intercostal, na linha axilar anterior, de preferência logo abaixo do mamilo. Os outros instrumentos necessários para a manipulação e a limpeza da cavidade pleural através da videocirurgia eram introduzidos no 6º espaço intercostal, na linha axilar posterior, na porção mais baixa da cavidade líquida. Nos últimos pacientes desta série, foi usada insuflação de dióxido de carbono através de um dos trocartes, com pressão intratorácica reduzida (3-5 mmHg), que permitia o colapso do pulmão e melhor visibilidade durante a realização da toracoscopia. Após a abertura da cavidade torácica, foi realizada a aspiração de todo o conteúdo líquido. A seguir, era introduzido o mediastinoscópio ou o equipamento de vídeo, identificando-se as septações intratorácicas, com ruptura dos septos e lavagem da cavidade pleural com solução salina. Após o procedimento, se colocava um dreno torácico através da incisão mais inferior do hemitórax que foi usada previamente para a colocação dos equipamentos. A drenagem pleural simples foi instituída em todos os pacientes.

Os dados quantitativos foram descritos por média e desvio-padrão. A comparação entre os dados contínuos simétricos foi realizada através do teste t de Student para amostras independentes e, na presença de assimetria, pelo teste U de wilcoxon-Mann-Whitney. As variáveis categóricas foram comparadas pelo teste exato de Fisher. As análises foram realizadas com o auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 12.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). O estudo foi aprovado pelos comitês de ética em pesquisa em seres humanos dos hospitais em que foi realizado.

Resultados

A avaliação de 99 crianças submetidas à toracoscopia devido ao DPPC na fase fibrinopurulenta mostrou que ela foi efetiva em 87 pacientes (88%); em 12 (12%) houve a necessidade de outro procedimento cirúrgico (Tabela 1). Do total da amostra, 37 pacientes foram operados no HCPA, 57 no HGCS e 5 no HMV (Tabela 2). Não houve diferenças na idade, sexo, eficácia e necessidade de outros procedimentos entre as crianças operadas nos diferentes hospitais (Tabela 2). Usando o mesmo algoritmo de tratamento nos três hospitais, por equipes de cirurgiões distintas, não se observou diferença quanto ao resultado no tratamento de crianças com DPPC na fase fibrinopurulenta (Tabela 2).








A drenagem prévia do DPPC foi realizada em 31 pacientes da série. Desses, apenas 5 (16,1%) não melhoraram com a toracoscopia, necessitando posteriormente de pleurostomia/toracotomia; os restantes 26 pacientes (83,9%) evoluíram satisfatoriamente após a realização da toracoscopia.

A toracocentese foi realizada em 61 crianças (61%). Quanto à análise do líquido pleural (Tabela 1), líquido turvo ou purulento foi observado em 28 pacientes (28%). A identificação de germes nas secreções pleurais ocorreu em 23 pacientes (23%). No momento da coleta do líquido pleural para estudo, 67 crianças (67%) estavam recebendo antibióticos (Tabela 1).

Quanto aos exames radiológicos realizados para diagnóstico e confirmação da fase fibrinopurulenta do DPPC, 99 crianças (100%) foram submetidas à radiografia de tórax; 41 (42%), à ultrassonografia; e 5 (6%), à TC.

Foi observado, no pós-operatório, escape de ar no dreno torácico em 30 crianças (30%), com duração média de 5 dias (variação, 1-15 dias).

Também ocorreram sangramento pelo dreno torácico, sem necessidade de reposição sanguínea, em 12 pacientes (12%); enfisema subcutâneo na inserção do trocarte em 2 (2%); e infecção da ferida operatória em outros 2 (2%). Nenhuma dessas complicações necessitou intervenção cirúrgica. Houve necessidade de reoperação pós-operatória imediata não relacionada à toracoscopia em 1 criança com pneumonia e DPPC por Staphylococcus aureus, que apresentou pericardite purulenta e tamponamento cardíaco. A fuga aérea pós-operatória pelo dreno de tórax não representou um fator de prognóstico desfavorável à cura do DPPC (p = 0,241).

Das 12 crianças que necessitaram reintervenção cirúrgica, 5 foram operadas no HGCS: 2 foram submetidas à nova toracoscopia, e 3 foram submetidas à pleurostomia/toracotomia. As outras 7 crianças foram tratadas no HCPA: 4 foram submetidas à nova toracoscopia, e 3 foram submetidas à pleurostomia/toracotomia; não houve a necessidade de reintervenção cirúrgica no HMV. As indicações de reintervenção foram febre e persistência de líquido residual intrapleural, com ou sem septações.

A comparação entre as crianças que realizaram uma única toracoscopia com aquelas que necessitaram de outro procedimento cirúrgico pode ser observada na Tabela 1. Não houve diferenças entre elas quanto à não-utilização prévia de antibióticos, presença de germes na bacterioscopia e/ou na cultura do líquido pleural, presença de liquido turvo ou purulento à toracocentese ou anormalidades bioquímicas (pH, glicose e desidrogenase lática). As medianas dos tempos de drenagem torácica e de internação hospitalar foram significativamente maiores nas crianças que necessitaram outro procedimento cirúrgico após a toracoscopia (Tabela 1). Na evolução em longo prazo, todas curaram a infecção pleural e apresentaram graus variáveis de espessamento pleural no controle radiológico em 30 e 60 dias.

Discussão

A efetividade da toracoscopia em nossos pacientes (88%) está dentro daquela referida na literatura, em que ocorre melhora do DPPC em 71-100% das crianças operadas.(5,17-27) Nas crianças em que a toracoscopia foi insuficiente para a melhora clínica, com necessidade de realização de outro procedimento, a preferência foi sempre por repetir a toracoscopia. Isto não foi possível em algumas crianças, visto que o DPPC tinha evoluído para a fase ­organizada, com pulmão encarcerado, sendo então necessária a realização de toracotomia ou de pleurostomia. Embora ambos os procedimentos possam ser realizados nesse estágio do DPPC, nós optamos pela pleurostomia nas crianças em mau estado geral ou debilitadas, nas quais uma toracotomia aumentaria muito o risco cirúrgico.(4)

Ainda não há consenso na literatura sobre o tratamento ideal do DPPC, sendo descritos vários tipos de abordagem: apenas antibioticoterapia ou antibioticoterapia associada à toracocentese; drenagem torácica fechada, com ou sem instilação de fibrinolíticos; toracoscopia; toracotomia; ou drenagem pleural aberta.(4,6,7) Com os avanços e a miniaturização do equipamento de videocirurgia, a toracoscopia tornou-se a abordagem preconizada em crianças com DPPC na fase fibrinopurulenta.(9-11)

Entretanto, ainda não há estudos bem delineados e com um número significativo de pacientes que comprovem essa indicação. Este estudo é o que relata o maior número de pacientes pediátricos (menores que 12 anos) já referidos na literatura.

Neste estudo retrospectivo, o diagnóstico de DPPC septado foi realizado basicamente pela radiografia de tórax, com radiografias obtidas em decúbito lateral mostrando líquido localizado, que não mudavam de posição mesmo após radiografias obtidas em decúbito lateral. A ultrassonografia foi usada em 41 crianças, principalmente nas últimas crianças da nossa série de pacientes, e tornou-se o melhor exame para o diagnóstico de líquido pleural. Além da presença do líquido, o exame também foi fundamental para determinar a presença de fibrina e septação, determinando o estágio fibrinopurulento do derrame.(17)

Apesar de continuar sendo um método diagnóstico dependente do examinador, a ultrassonografia realizada por profissionais experientes é o melhor exame para determinar o estágio em que se encontra o derrame, e, a partir desse achado, pode-se optar pelo tipo de drenagem cirúrgica a ser realizada.(4,8) A TC foi utilizada em apenas 5 crianças, devendo ser indicada especialmente para avaliar complicações do DPP, tais como a extensão da pneumonia, necrose pulmonar, pneumatoceles, abscesso pulmonar e fístula broncopleural, bem como para excluir outras doenças, como abscesso subdiafragmático e derrames originados de tumores do pulmão, da parede torácica, do mediastino ou do fígado.(17) Deve-se ter bastante critério e cuidado na indicação da TC de tórax nessas crianças com DPPC, já que o exame geralmente necessita de sedação ou anestesia geral e expõe a criança a altas doses de radiação.(28)

Como referido na literatura,(4) o isolamento de germes no líquido pleural foi observado em um pequeno número de pacientes-apenas 23 crianças (Tabela 1). Isso pode realmente ser decorrente do uso de antibióticos antes da cultura do líquido pleural, já que a maioria de nossas crianças recebia antibióticos no momento da coleta do líquido pleural.

Naquelas crianças com achados radiológicos de DPPC com líquido loculado ou septado (fase fibrinopurulenta), preconiza-se a realização de toracoscopia.(4) Nas crianças sem evidência radiológica de líquido pleural parapneumônico septado ou bloqueado, indica-se a realização de toracocentese para que se determine se o DPP é complicado: a presença de líquido turvo ou purulento, bactérias ou alterações bioquímicas (pH < 7 e glicose < 40 mg/dL) indicam a drenagem cirúrgica do derrame.(2) Para essas crianças sem evidência de líquido septado, a toracocentese é fundamental e deve ser ­realizada, de preferência, antes do início do uso de antibióticos, especialmente se houver o achado, em radiografia torácica em decúbito lateral, de DPP > 1 cm entre o pulmão e a parede torácica.(4,13)

Alguns pacientes deste estudo foram submetidos à drenagem torácica tubular fechada antes da realização da toracoscopia. Como não apresentaram melhora com a drenagem tubular, com persistência do quadro infeccioso e o surgimento de líquido pleural septado, eles foram posteriormente submetidos à toracoscopia. Essas crianças foram encaminhadas de outros hospitais ou foram submetidas à drenagem torácica inicialmente em nosso serviço devido a DPPC na fase aguda. Uma avaliação inicial poderia presumir que a drenagem tubular prévia, devido ao maior período de evolução do processo infeccioso, seria um fator desfavorável à resolução do DPPC com a toracoscopia; entretanto, isso não foi observado, já que somente um pequeno número de crianças deste grupo (16,1%) não apresentou melhora do quadro clínico com a primeira toracoscopia, havendo a necessidade de outro procedimento cirúrgico posteriormente.

A toracoscopia pode ser realizada com mediastinoscópio ou com equipamento de videocirurgia. A comparação da realização da toracoscopia com mediastinoscópio ou com material de videocirurgia em crianças com DPPC já foi descrita anteriormente(19) e não mostrou diferença estatisticamente significativa quanto à efetividade, tempo de procedimento, tempo de drenagem torácica pós-operatória ou tempo de internação. Apesar de a videocirurgia ser preferida, pois possibilita maior visibilidade da cavidade torácica, bem como permite a insuflação intratorácica com dióxido de carbono, o uso do mediastinoscópio também pode ser realizado, especialmente em hospitais que não dispõem do equipamento de videocirurgia.(4)

No passado, nós não realizávamos a insuflação com dióxido de carbono através dos trocartes da videotoracoscopia.(19) Entretanto, a partir de 2005, nós passamos a realizar essa manobra cirúrgica, que permite o colapso pulmonar e a melhora da visibilidade de toda a cavidade torácica. Esse pneumotórax artificial criado pela insuflação intratorácica com dióxido de carbono comprime de tal maneira o pulmão que não é necessária a realização de intubação seletiva,(29,30) muitas vezes difícil em crianças pequenas. É importante estar atento às crianças que apresentem piora da ventilação ou instabilidade hemodinâmica durante a insuflação com dióxido de carbono, devendo-se reduzir a pressão do gás ou até suspender seu uso.(20)

Todos os procedimentos por videotoracoscopia deste estudo foram realizados com apenas dois trocartes. Em crianças, especialmente quando se induz pneumotórax artificial através da insuflação com dióxido de carbono, não há geralmente a necessidade da realização de toracoscopia com mais de dois trocartes. Nos adolescentes ou adultos, devido ao maior tamanho da cavidade torácica, pode ser necessário a colocação de mais trocartes para melhorar a exposição cirúrgica.(20)

Como referido em um estudo recente,(20) a complicação mais comum da toracoscopia observada em nossos pacientes foi a fuga aérea pelo dreno de tórax no pós-operatório. A segunda complicação mais frequente foi o sangramento pelo dreno torácico, seguida de um pequeno número de crianças com enfisema subcutâneo e infecção no local da colocação do trocarte. Apesar dessas complicações, nenhuma criança necessitou transfusão sanguínea ou mesmo reoperação. A presença de fuga aérea denota a gravidade da pneumonia em nossos pacientes, com provável dano importante do parênquima pulmonar. Além disso, também demonstra que a toracoscopia foi provavelmente realizada em uma etapa avançada da fase fibrinopurulenta, quase na fase organizada do DPPC, na qual a liberação e o desbridamento da pleura visceral são mais difíceis e suscetíveis a lesões do parênquima pulmonar. Por isso, é importante a realização da toracoscopia o mais precocemente possível em crianças com DPPC no estágio fibrinopurulento a fim de se evitar a ocorrência desse tipo de complicação. Apesar da ocorrência de fuga aérea pelo dreno torácico, ela não foi um fator significativo de insucesso da toracoscopia.

Independentemente das pequenas complicações devido à toracoscopia observadas em nosso estudo, ela é preconizada para crianças com DPPC na fase fibrinopurulenta, pois a simples drenagem, sem a limpeza da cavidade pleural, não é efetiva. Além disso, a toracoscopia oferece inúmeras vantagens em relação à toracotomia: menor dor pós-operatória, retorno mais precoce as atividades, redução tanto da ansiedade dos pais com o cuidado pós-operatório quanto do tempo de internação das crianças, menor possibilidade de ressecção pulmonar, menor necessidade de transfusão sanguínea e com ótimo resultado estético, além de evitar eventuais sequelas da toracotomia, o que encoraja os pediatras e pneumologistas a encaminharem as crianças com DPPC mais precocemente para a avaliação cirúrgica.(4,29)

A comparação entre as crianças que melhoraram com a toracoscopia e aquelas que necessitaram reoperação mostrou diferenças estatisticamente significativas apenas em relação ao tempo de drenagem e ao tempo de internação. Esses achados eram esperados já que a realização de mais de um procedimento cirúrgico aumentaria o tempo de uso de dreno torácico e, consequentemente, do período de internação. Entretanto, é importante salientar que a comparação entre essas crianças ficou comprometida, e as características estudadas podem não ter mostrado diferenças estatísticas devido ao pequeno número de pacientes, sobretudo aqueles que necessitaram de novo procedimento cirúrgico.

Possíveis limitações do estudo são seu caráter retrospectivo, por ter sido realizado durante um período muito longo de tempo, ou devido ao fato de que a toracoscopia foi realizada em três hospitais diferentes. A dificuldade de realização de estudos prospectivos e em curto período de tempo com crianças com DPPC já é bem conhecida, já que o número de pacientes atendidos por cada hospital individualmente não é grande. Este estudo multi-institucional somente foi possível porque os diferentes serviços cirúrgicos abordavam o DPPC da mesma maneira, como foi comprovado pela uniformidade da amostra das crianças estudadas nos três hospitais-não houve diferenças entre elas quanto à idade, sexo, eficácia da toracoscopia e falência do método com a necessidade de outros procedimentos. Ensaios clínicos prospectivos e randomizados com crianças com DPPC precisam ser realizados no futuro para se definir exatamente o papel da toracoscopia nesses pacientes e, especialmente, o momento em que ela deve ser realizada.

Este estudo multi-institucional mostrou que a efetividade da toracoscopia em crianças com DPPC na fase fibrinopurulenta foi de 88%. O procedimento mostrou-se seguro, com baixa incidência de complicações graves, devendo ser considerada como a primeira opção em crianças com esse tipo de derrame.

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Sobre os autores

Sérgio Freitas
Professor de Cirurgia Pediátrica. Fundação Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul (RS) Brasil.

José Carlos Fraga
Professor Associado de Cirurgia Pediátrica. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.

Fernanda Canani
Acadêmica de Medicina. Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.




Trabalho realizado no Setor de Cirurgia Torácica Infantil e no Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil; no Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre (RS) Brasil; no Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital Geral de Caxias do Sul, Caxias do Sul (RS) Brasil; e no Curso de Pós-Graduação em Medicina (Ciências Cirúrgicas), Mestrado Interinstitucional, Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil e Faculdade de Medicina da Fundação Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: José Carlos Fraga. Rua Ramiro Barcelos, 2350, sala 600, CEP 91000-003, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 3359 8232. Fax 55 51 3334 0146. E-mail: jc.fraga@terra.com.br
Apoio financeiro: Nenhum
Recebido para publicação em 20/8/2008. Aprovado, após revisão, em 9/1/2009.

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