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Artigo Original

Uso de descritores de dispneia desenvolvidos no Brasil em pacientes com doenças cardiorrespiratórias ou obesidade

Dyspnea descriptors developed in Brazil: application in obese patients and in patients with cardiorespiratory diseases

Christiane Aires Teixeira, Antonio Luiz Rodrigues Júnior, Luciana Cristina Straccia, Élcio dos Santos Oliveira Vianna, Geruza Alves da Silva, José Antônio Baddini Martinez

ABSTRACT

Objective: To develop a set of descriptive terms applied to the sensation of dyspnea (dyspnea descriptors) for use in Brazil and to investigate the usefulness of these descriptors in four distinct clinical conditions that can be accompanied by dyspnea. Methods: We collected 111 dyspnea descriptors from 67 patients and 10 health professionals. These descriptors were analyzed and reduced to 15 based on their frequency of use, similarity of meaning, and potential pathophysiological value. Those 15 descriptors were applied in 50 asthma patients, 50 COPD patients, 30 patients with heart failure, and 50 patients with class II or III obesity. The three best descriptors, as selected by the patients, were studied by cluster analysis. Potential associations between the identified clusters and the four clinical conditions were also investigated. Results: The use of this set of descriptors led to a solution with seven clusters, designated sufoco (suffocating), aperto (tight), rápido (rapid), fadiga (fatigue), abafado (stuffy), trabalho/inspiração (work/inhalation), and falta de ar (shortness of breath). Overlapping of descriptors was quite common among the patients, regardless of their clinical condition. Asthma was significantly associated with the sufoco and trabalho/inspiração clusters, whereas COPD and heart failure were associated with the sufoco, trabalho/inspiração, and falta de ar clusters. Obesity was associated only with the falta de ar cluster. Conclusions: In Brazil, patients who are accustomed to perceiving dyspnea employ various descriptors in order to describe the symptom, and these descriptors can be grouped into similar clusters. In our study sample, such clusters showed no usefulness in differentiating among the four clinical conditions evaluated.

Keywords: Dyspnea; Pulmonary disease, chronic obstructive; Asthma; Heart failure.

RESUMO

Objetivo: Desenvolver um conjunto de termos descritores de dispneia para uso no Brasil. Investigar a utilidade desses descritores em quatro condições distintas que cursam com dispneia. Métodos: Um conjunto de 111 frases descritivas da sensação de falta de ar foi coletado a partir das informações de 67 pacientes e de 10 profissionais da saúde. Tais frases foram analisadas e reduzidas a 15 expressões, em função de sua frequência de citação, similaridade de significados e potencial importância fisiopatológica. O conjunto de expressões foi aplicado a 50 pacientes com asma, 50 com DPOC, 30 com insuficiência cardíaca e 50 com obesidade graus II ou III. Os três melhores termos selecionados pelos pacientes foram estudados por análise de agrupamentos. Também foram investigadas as possíveis associações entre os agrupamentos encontrados e as quatro condições clínicas incluídas. Resultados: O emprego dessa lista de descritores levou a uma solução com sete agrupamentos, denominados sufoco, aperto, rápido, fadiga, abafado, trabalho/inspiração e falta de ar. Houve grande superposição no uso de descritores pelos pacientes com as quatro condições clínicas. A asma mostrou associações expressivas com sufoco e trabalho/inspiração, enquanto DPOC e insuficiência cardíaca, com sufoco, trabalho/inspiração e falta de ar; e obesidade, com falta de ar apenas. Conclusões: Pacientes no Brasil habituados a sentir dispneia utilizam diferentes termos para descrever seu sintoma, e tais descrições podem ser agrupadas em conjuntos por similaridade. Tais agrupamentos não mostraram utilidade na distinção diagnóstica entre os grupos avaliados neste estudo.

Palavras-chave: Dispneia; Doença pulmonar obstrutiva crônica; Asma; Insuficiência cardíaca.

Introdução

A palavra dispneia deriva do grego dys (dificuldade, ruim) e pnoía (respiração) e pode ser literalmente traduzida como "respiração difícil".(1) Segundo a American Thoracic Society, "dispneia é um termo utilizado para caracterizar experiências subjetivas de desconforto respiratório, compreendendo sensações qualitativas distintas que variam de intensidade. A experiência deriva de múltiplos fatores fisiológicos, psicológicos, sociais e ambientais, podendo induzir respostas fisiológicas e comportamentais".(2) A dispneia é certamente uma queixa muito importante na prática clínica, sendo o principal fator limitante da qualidade de vida de muitos portadores de pneumopatias crônicas.(3,4)

Apesar de avanços recentes no entendimento do processo de geração das sensações respiratórias, o grande número e a interação complexa de receptores e de vias neurológicas ainda deixam os mecanismos geradores de dispneia incompletamente conhecidos nos dias atuais.(5)

Ao longo dos últimos anos, acumularam-se evidências de que a dispneia não envolve uma percepção única e específica, mas sim um conjunto de diferentes sensações distintas.(6-10) À semelhança do que ocorre com o sintoma dor, diferentes termos usados pelos pacientes para se referir à sensação de dispneia poderiam refletir os mecanismos fisiopatológicos subjacentes e guardar relação com os diagnósticos de base. Assim, por exemplo, quando voluntários sadios foram submetidos a oito estímulos respiratórios distintos, tais como inalação de gás carbônico, respiração contra carga elástica ou realização de exercício físico, foi possível detectar agrupamentos de frases descritivas das sensações respiratórias que foram associados com os diferentes agentes empregados.(6) Em um estudo envolvendo 218 pacientes portadores de sete condições cardiorrespiratórias distintas, em fase estável da doença, que responderam um questionário com 15 questões descritivas de suas sensações respiratórias, foi igualmente possível construir agrupamentos de descritores cujas combinações foram específicas para cada diagnóstico.(9)

Embora haja um grande número de artigos disponíveis na literatura internacional, faltam estudos feitos no Brasil sobre a potencial utilidade do emprego de descritores de dispneia em nosso meio.(11-16)

Diferenças culturais e de linguagem certamente podem vir a interferir nesses resultados. O presente estudo teve como objetivo desenvolver um conjunto de descritores da sensação de dispneia para uso no Brasil e investigar a sua utilidade em um grupo de condições clínicas distintas que cursam com tal sintoma.

Métodos

Para o desenvolvimento dos descritores, foi realizado um estudo piloto, no qual 67 pacientes com condições cardiorrespiratórias diversas foram inicialmente entrevistados. Nesse grupo de pacientes, asma estava presente em 25 pacientes; DPOC, em 20; insuficiência cardíaca (IC), em 17; e outras condições, em 5. A média de idade no grupo foi de 45,3 anos (variação: 17-80 anos), sendo 39 mulheres e 28 homens. Foi perguntado a esses indivíduos como eles descreveriam a sua sensação de dispneia, e todas as informações recebidas foram anotadas. Nessa fase, também foram ouvidos três médicos, três enfermeiros e quatro fisioterapeutas, que sugeriram expressões adicionais. A partir de uma ampla lista de 111 frases descritivas (Anexo 1 ) e baseando-se na frequência de uso dos termos e na similaridade do sentido das expressões, os autores chegaram a uma lista resumida, composta apenas por 15 descritores (Tabela 1). Da lista inicial também foram excluídas expressões aparentemente não relacionadas com sensações respiratórias propriamente ditas. O número de 15 expressões foi baseado na quantidade média de frases empregadas até então em estudos internacionais.









No presente estudo, foram incluídos pacientes com diagnóstico de asma brônquica, DPOC, IC e obesidade graus II ou III, em fase de estabilidade clínica há pelo menos dois meses. Os voluntários foram selecionados a partir de diversos ambulatórios especializados, ligados às áreas de pneumologia, cardiologia e nutrologia, do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FMRP-USP), localizado na cidade de Ribeirão Preto (SP). O diagnóstico de asma foi realizado por médicos residentes e médicos contratados da Divisão de Pneumologia da FMRP-USP por meio de história clínica, exame físico e provas de função pulmonar. O diagnóstico de DPOC foi realizado por história de exposição ao tabaco, sintomas compatíveis e espirometria mostrando relação VEF1/CVF inferior a 70% mesmo após o uso de broncodilatador inalado. Os pacientes com IC tiveram seus diagnósticos realizados por médicos residentes e médicos contratados da Divisão de Cardiologia da FMRP-USP, de acordo com os critérios de Framingham.(17) Foram incluídos no grupo obesidade pacientes com índice de massa corpórea (IMC) acima de 35 kg/m2.

Foram estabelecidos critérios de exclusão específicos para cada grupo de pacientes: para os pacientes diagnosticados com asma, IMC > 30 kg/m2, história tabágica > 10 maços-ano e presença de cardiopatia foram os critérios de exclusão; para aqueles com DPOC, esses foram IMC > 30 kg/m2 e presença de cardiopatia; para aqueles com IC, esses foram IMC > 30 kg/m2, história tabágica > 10 maços-ano e presença de pneumopatia conhecida prévia ou atual; para aqueles considerados obesos, esses foram história tabágica > 10 maços-ano e presença de cardiopatia ou de pneumopatia prévia ou atual.

Os pacientes foram abordados em consulta ambulatorial, e alguns dos pacientes com obesidade foram abordados durante internação hospitalar para controle dietético. A todos os pacientes era questionado se sentiam dispneia com certas frases, como por exemplo "Você sente falta de ar?" ou "Você sente cansaço no peito para realizar esforços?" Se a resposta fosse afirmativa, o indivíduo era convidado a participar do estudo e a comparecer ao laboratório de função pulmonar em uma ocasião próxima. Todos os pacientes que concordaram em participar do projeto assinaram um termo de consentimento esclarecido. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, FMRP-USP.

No laboratório de função pulmonar, os voluntários foram sempre entrevistados por uma de duas pesquisadoras. Inicialmente, eram obtidas informações demográficas e a respeito da escolaridade dos pacientes. Em seguida, era avaliada a intensidade de dispneia exibida em atividades de vida diária, com o emprego do índice de dispneia basal de Mahler, adaptado.(18) Era então apresentada a lista com os 15 descritores de dispneia desenvolvidos a partir do estudo piloto. Os voluntários eram instruídos a concordar ou discordar, assinalando "Sim" ou "Não", se um determinado descritor aplicava-se a sua sensação de dispneia, fosse em repouso, fosse durante uma atividade física muito forte. A seguir, os pacientes eram orientados a escolher os 3 descritores que melhor expressavam suas sensações de desconforto respiratório. Finalmente, esses eram orientados a escolher, entre os 3 descritores selecionados, a melhor descrição. Devido ao fato de que havia pacientes analfabetos ou com dificuldades de leitura, os descritores foram igualmente lidos para todos os pacientes, vagarosamente, um a um, por uma das duas pesquisadoras, até que o voluntário fornecesse uma resposta segura.

Vale salientar que, na mesma ocasião, os voluntários selecionavam ainda, empregando a mesma sistemática, descritores de dispneia a partir de uma segunda lista, obtida através da tradução de frases de um estudo.(9) Devido ao grande volume de dados, os resultados relativos a essa última análise serão apresentados em um segundo artigo.

Após a obtenção das informações relativas à intensidade da dispneia e a qualidade das sensações respiratórias, os voluntários foram submetidos à espirometria completa por meio de um espirômetro Pulmonet Godard (SensorMedics, Bilthoven, Holanda) e foram colhidas amostras sanguíneas, obtidas da artéria braquial, para a análise de gasometria arterial com um analisador de gases (Ciba Corning 178 Gas System; Ciba Corning, Diagnostics Corp., Medfield, MA, EUA). Os parâmetros dos valores previstos utilizados para a caracterização dos valores de normalidade seguiram as equações de Crapo et al.(19)

No tocante à análise estatística, os resultados de função pulmonar e dados clínicos foram expressos na forma de médias e desvios-padrão. Os descritores selecionados pelos pacientes como os 3 melhores foram analisados e agrupados em domínios com características comuns, empregando-se o método multivariado de análise de agrupamento (cluster analysis).(20,21) A definição dos agrupamentos foi feita de forma exploratória, visando obter-se o maior grau de semelhança dentro de um conjunto.

As associações entre os agrupamentos obtidos e as quatro classes de condições clínicas analisadas foram efetuadas, na tentativa de definir padrões de sensações específicas para cada situação clínica, seguindo a metodologia de estudos previamente publicados.(6,9) Inicialmente, foi calculada a relação entre o número de vezes que os descritores dentro de um agrupamento foram escolhidos como entre os 3 melhores dividido pelo produto do número de descritores dentro daquele agrupamento e o número de pacientes portadores daquela condição específica. Se essa razão fosse maior do que 0,25, aquele grupamento de descritores era considerado como representativo da moléstia.

Resultados

Foram estudados 180 pacientes, sendo 50 com asma, 50 com DPOC, 30 com IC e 50 considerados obesos, todos em fase de estabilidade clínica (Tabela 2). As alterações funcionais respiratórias detectadas foram compatíveis com as esperadas para as condições de base (Tabela 2). Em todos os grupos, a maioria dos entrevistados referia ter cursado o ensino fundamental, de maneira completa ou incompleta. Um número substancial de pacientes, principalmente aqueles nos grupos DPOC e IC, referiu não saber ler ou escrever.



A análise das respostas fornecidas pelos 180 voluntários permitiu a formação de sete agrupamentos que, em função das características das expressões envolvidas, foram denominados "sufoco", "aperto", "rápido", "fadiga", "abafado", "trabalho/inspiração" e "falta de ar", conforme ilustrado no dendrograma e na listagem da Figura 1.

As frequências das três primeiras opções dos descritores escolhidos pelos grupos de pacientes estão contidas na Tabela 3. Pode-se observar que alguns deles foram compartilhados por mais de um grupo de pacientes.



No tocante à análise das associações entre agrupamentos e condições clínicas, houve uma forte associação entre os agrupamentos "sufoco" e "trabalho/inspiração" com as condições asma, DPOC e IC. Os dois últimos também exibiram uma importante associação com o agrupamento "falta de ar". Já obesidade mostrou uma associação expressiva apenas com o agrupamento "falta de ar" (Tabela 4).





Discussão

Acreditamos que este seja o primeiro estudo completo sobre aspectos subjetivos de dispneia publicado no Brasil. Os resultados mostram que o emprego de descritores de dispneia, desenvolvidos especificamente para a população brasileira, permite a formação de agrupamentos de frases similares, que tendem a ser utilizadas simultaneamente. Apesar disso, as combinações dos agrupamentos utilizados se mostraram pouco úteis no diagnóstico diferencial das quatro condições distintas estudadas.

Os estudos pioneiros sobre a linguagem para a descrição da dispneia foram desenvolvidos em língua inglesa.(6-9) Em função da possível influência de diferenças culturais e linguísticas entre o português falado no Brasil e a língua inglesa, aqui foi empreendido um esforço para o desenvolvimento de descritores nacionais a partir de uma amostra de pacientes e profissionais da saúde atuantes na nossa realidade. É interessante notar que muitos dos termos utilizados pelos pacientes no Brasil e selecionados para compor a lista de descritores nacionais mostraram correspondência com expressões empregadas por voluntários nos EUA, Reino Unido e México em estudos prévios. Alguns exemplos de tal situação foram os descritores "Eu tenho a sensação que estou sufocando" e "Minha respiração fica pesada" que encontraram correspondência nas expressões "I feel that I am smothering" e "My breathing is heavy" dos estudos de Mahler et al.(9) e Elliot et al.,(8) respectivamente, assim como "Siento que me asfixio" e "Siento que mi respiración es pesada" do estudo de Vázquez-Garcia et al.(12) Esse tipo de comparação sugere fortemente que, independentemente de possíveis peculiaridades regionais, a linguagem para descrever dispneia tende a ser universal.(16)

No presente estudo, procurou-se investigar o uso de descritores subjetivos de dispneia por pacientes portadores de condições clínicas distintas. Devido a sua grande prevalência e importância clínica, foram constituídos grupos de voluntários portadores de asma, DPOC e IC. A inclusão de um grupo de obesidade graus II ou III deveu-se ao reconhecimento de que, além de sua prevalência crescente, tal condição também cursa frequentemente com sintomas respiratórios.(22,23) Foi feito um grande esforço para que todos os pacientes selecionados nos grupos fossem especificamente representativos, e os critérios de exclusão procuraram limitar o número de fatores de confusão. As médias dos resultados das medidas de função pulmonar disponíveis para os grupos sugerem fortemente que essa meta foi atingida.

O método de exploração estatística aqui utilizado (cluster analysis) vem sendo empregado pela grande maioria dos estudos que investigam os modos de agrupamento de descritores de dispneia. Esse tipo de análise multivariada é uma técnica de caráter descritivo e exploratório, na qual a definição de um agrupamento é feita visando obter-se o maior grau de semelhança entre seus itens pertencentes. Porém, uma limitação do método é não definir rigorosamente o ponto de corte para a construção de um agrupamento e nem determinar o melhor número desses conjuntos. Desse modo, o critério maior de decisão depende da visão e do julgamento dos autores. Por isso, torna-se difícil a comparação entre estudos empregando tal método, pois cada estudo pode obter uma formação e um número distinto de agrupamentos.

A aplicação do questionário com descritores nacionais levou a formação de sete agrupamentos, os quais receberam denominações que procuraram traduzir a sensação subjacente descrita. Devido a algum grau de semelhança entre as frases desenvolvidas localmente, bem como ao modo como elas se agruparam, em comparação a resultados da literatura internacional, alguns agrupamentos receberam denominações equivalentes à tradução para o português de termos já empregados previamente. Os agrupamentos "sufoco", "rápido" e "aperto" representam essa situação. Contudo, os domínios "fadiga" e "abafado" parecem conter atributos específicos da linguagem local. Além disso, houve a formação de um agrupamento, denominado "trabalho/inspiração", contendo frases como "Eu faço força para o ar entrar" e "É difícil para o ar entrar". A expressão "Eu sinto falta de ar" levou a formação de um agrupamento único, cujo significado é incerto, devido à natureza genérica e aparentemente inespecífica dessa afirmação. Vale notar que, em um estudo realizado no exterior, a expressão "I feel out of breath" colocou-se juntamente com outras três frases, dentro do agrupamento "work/effort".(9)
Autores nos EUA e no Reino Unido têm procurado investigar relações entre a qualidade das sensações respiratórias e os possíveis mecanismos desencadeantes do desconforto. A sensação de "urgência para respirar" costuma surgir na presença de elevações do drive respiratório desencadeadas por hipoxemia e hipercapnia.(24) Há evidências de que esse tipo de sensação esteja na dependência principalmente da estimulação dos quimiorreceptores centrais e periféricos. A sensação de "esforço para respirar" surge sempre que o comando motor central aos músculos respiratórios aumenta.(9,10) Isso costuma ocorrer em resposta a elevações da carga de trabalho desses músculos. Outra condição na qual esse fenômeno ocorre é a presença de fraqueza muscular, seja ela devida a fadiga, paralisia ou hiperinsuflação pulmonar. Dessa forma, a sensação de "esforço para respirar" é diretamente proporcional à razão entre a pressão gerada pelos músculos respiratórios em um determinado momento e sua capacidade máxima de gerar pressão nas mesmas condições.

Em estudos de broncoconstrição induzida por metacolina em asmáticos, várias sensações respiratórias instalam-se de maneira sequencial.(10,25) Na presença de broncoconstrição inicial, uma sensação de "aperto no tórax" predomina. À medida que o VEF1 cai e a carga mecânica aumenta, uma sensação de maior "esforço e trabalho respiratório" instala-se. Em uma fase muito avançada de broncoconstrição, a sensação de "urgência para respirar" pode surgir, refletindo a estimulação de quimiorreceptores periféricos ou o comando neurológico motor central excessivo.

A observação da distribuição dos agrupamentos formados a partir do dendrograma da Figura 1 sugere que os agrupamentos "sufoco" e "falta de ar" correspondem a construtos com grande independência, apesar de sua correspondência fisiopatológica ser incerta. É possível que "sufoco" guarde alguma relação com a sensação de "urgência para respirar" do inglês. Já "falta de ar" parece ser uma expressão tão inespecífica que a sensação pode ser o resultado da soma de inúmeras alterações fisiopatológicas simultâneas. A partir dos dados disponíveis na literatura, o agrupamento "aperto" poderia refletir broncoespasmo. Contudo, esse último agrupamento não mostrou associação com a presença de asma, o que fala contra tal possibilidade. O agrupamento "rápido" dividiu uma raiz comum com "aperto", sugerindo que as duas sensações possam estar relacionadas. É possível que o agrupamento "fadiga" esteja relacionado com o aumento do trabalho dos músculos respiratórios. Devido à proximidade com "fadiga", o agrupamento "abafado" também pode estar, pelo menos em parte, relacionado com fenômenos dessa natureza. Ainda que um agrupamento "work/effort" tenha sido encontrado por outros autores, o agrupamento "inhalation" só foi bem definido no estudo de Mahler et al.(9) O agrupamento "trabalho/inspiração", aqui identificado, pode refletir sobrecarga dos músculos respiratórios associada a dificuldades inspiratórias.





Neste estudo, ainda foi procurado o estabelecimento de associações entre os agrupamentos obtidos e os quatro tipos de condições analisadas. Asma mostrou associações expressivas com os agrupamentos "sufoco" e "trabalho/inspiração"; DPOC e IC, com os agrupamentos "sufoco", "trabalho/inspiração" e "falta de ar"; e obesidade, com o agrupamento "falta de ar" apenas. Nota-se, então, que houve uma grande superposição na utilização dos descritores pelos pacientes dos quatro grupos e que o emprego desses termos não permitiu uma adequada separação entre as condições, ao contrário do proposto por diversos autores. Contudo, nossos resultados apontam para a mesma direção de outros estudos, indicativos de que o uso de descritores de dispneia não seria suficientemente específico para diagnósticos diferenciais, uma vez que eles refletiriam sensações compartilhadas por uma variedade de condições.(26-28)

O presente estudo tem uma série de limitações, entre as quais se destacam o pequeno número de condições avaliadas (apenas quatro) e o fato de que as escolhas dos descritores de dispneia pelos voluntários terem sido baseadas exclusivamente na sua memória. Se a entrevista relativa à percepção do sintoma fosse realizada imediatamente após um estímulo indutor de dispneia, como, por exemplo, corrida em esteira, os resultados poderiam ser diferentes. Além disso, o conjunto de descritores empregados neste estudo foi desenvolvido a partir de pacientes moradores de uma cidade do interior da região sudeste do Brasil. Devido ao imenso território de nosso país e à sua enorme diversidade cultural, é muito provável que outros termos sejam utilizados para designar a sensação de falta de ar por moradores de outras regiões. Vale ressaltar ainda que o nível de escolaridade dos pacientes atendidos em nosso hospital e dos voluntários incluídos neste estudo não era alto. Desse modo, limitações intelectuais, tanto para a verbalização das sensações, como também para a compreensão dos termos empregados, podem ter influenciado negativamente a fidedignidade dos resultados. Portanto, o conjunto de descritores aqui listado e o resultado de sua aplicação não se aplicam automaticamente para todos os pacientes com dispneia no Brasil.

Os resultados deste estudo permitem-nos concluir que, no Brasil, pacientes habituados a sentir dispneia utilizam diferentes termos para descrever seu sintoma e que tais descrições podem ser agrupadas em conjuntos por similaridade. Ainda que esses agrupamentos de descritores possam, em tese, refletir os mecanismos de dispneia subjacentes, eles não mostraram utilidade na distinção diagnóstica entre os grupos avaliados neste estudo. Investigações adicionais ainda são necessárias para que seja adequadamente esclarecido se a palavra dispneia refere-se realmente a diversas sensações distintas ou se os pacientes referem-se a uma mesma sensação de modo diverso.


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Trabalho realizado na Divisão de Pneumologia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP-USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: José Antônio Baddini Martinez. Avenida Bandeirantes, 3900, CEP 14048-900, Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Tel. 55 16 3602-2531. E-mail: baddini@fmrp.usp.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 28/3/2011. Aprovado, após revisão, em 9/5/2011.



Sobre os autores

Christiane Aires Teixeira
Médica Pneumologista. Brasília (DF) Brasil.

Antonio Luiz Rodrigues Júnior
Professor Associado. Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP-USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Luciana Cristina Straccia
Biomédica. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - HCFMRP-USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Élcio dos Santos Oliveira Vianna
Professor Associado. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP-USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Geruza Alves da Silva
Professora Associada. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP-USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil.

José Antônio Baddini Martinez
Professor Associado. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP-USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil.

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