ABSTRACT
Objective: To describe the factors associated with nonadherence to TB chemoprophylaxis in patients older than 15 years of age treated via referral TB control programs. Methods: A historical cohort study was carried out based on medical charts related to cases treated via referral TB control programs in the city of Vitória, Brazil, between 2002 and 2007. Cases of infection with Mycobacterium tuberculosis were stratified into two groups: health care workers (HCW group); and individuals who were not health care workers (NHCW group). Results: A total of 395 patients were included in the study: 35 in the HCW group and 360 in the NHCW group. The mean age in the HCW and NHCW groups was 34.8 and 32.4 years, respectively (p = 0.36). Of the 35 patients in the HCW group, 29 (82.9%) were female, compared with 180 (50.0%) of the 360 patients in the NHCW group. In the HCW and NHCW groups, respectively, 15 (42.9%) and 169 (46.9%) of the patients were contacts of TB cases. In addition, 9 (25.7%) and 157 (78.5%) the HCW and NHCW group patients, respectively, were HIV-infected. Nonadherence to chemoprophylaxis was 37.1% and 21.9% in the HCW and NHCW groups, respectively (p = 0.045). In the multivariate analysis, the factors associated with nonadherence were being a health care worker (OR = 8.60; 95% CI: 2.09-35.41), being HIV-infected (OR = 4.57; 95% CI: 1.2-17.5) and having had contact with a TB patient (OR = 2.65; 95% CI: 1.15-6.12). Conclusions: In order to improve adherence to TB chemoprophylaxis, new TB control program strategies are needed, especially for health care workers and HIV-infected patients.
Keywords:
Tuberculosis; Chemoprevention; Isoniazid.
RESUMO
Objetivo: Descrever os fatores associados ao abandono de quimioprofilaxia de TB em maiores de 15 anos atendidos em programas de referência de controle da doença. Métodos: Realizou-se um estudo de coorte histórica com análise de prontuários preenchidos entre 2002 e 2007 nos programas de referência de controle da doença no município de Vitória (ES). Os casos de infecção por Mycobacterium tuberculosis foram estratificados em dois grupos- profissionais de saúde (grupo PS) e indivíduos não profissionais de saúde (grupo NPS). Resultados: Um total de 395 indivíduos foi incluído no estudo: 35 no grupo PS e 360 no grupo NPS. A média de idade nos grupos PS e NPS foi de 34,8 e 32,4 anos, respectivamente (p = 0,36). A maioria de pacientes no grupo PS eram mulheres (29; 82,9%), enquanto 180 pacientes no grupo NPS eram mulheres (50,0%). Nos grupos PS e NPS, 15 e 169 pacientes (42,9% vs.46,9%), respectivamente, tiveram contatos de pacientes com TB, e 9 e 157 (25,7% vs.78,5%) eram portadores de HIV, respectivamente. O abandono da quimioprofilaxia foi de 37,1% e 21,9% nos grupos PS e NPS, respectivamente (p = 0,042). Na análise multivariada, os fatores associados ao abandono da quimioprofilaxia foram ser profissional de saúde (OR = 8,60; IC95%: 2,09-35,41), indivíduos HIV positivos (OR = 4,57; IC95%: 1,2-17,5), ser contato de paciente com TB (OR = 2,65; IC95%: 1,15-6,12). Conclusões: Os programas de controle de TB necessitam de novas estratégias em relação à adesão à quimioprofilaxia, principalmente para os profissionais de saúde e pacientes HIV positivos.
Palavras-chave:
Tuberculose; Quimioprevenção; Isoniazida.
IntroduçãoA TB é um problema de saúde prioritário no Brasil, que juntamente com outros 21 países em desenvolvimento, albergam 80% dos casos mundiais da doença.(1) De acordo com a Organização Mundial de Saúde, foram registrados 9,2 milhões de casos novos no mundo em 2006.(2)
Segundo dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, houve no Brasil cerca de 55 casos novos por 100.000 habitantes em 2006. No estado do Espírito Santo, ocorreram 1.222 casos novos da doença e, no município de Vitória, a incidência foi de 150 casos em 2006.
Umas das medidas terapêuticas para a prevenção, em indivíduos infectados pelo Mycobacterium tuberculosis e com risco aumentado de evoluir para doença, é a quimioprofilaxia (QP), que é definida como o uso de drogas capazes de impedir que um indivíduo infectado por um microorganismo adoeça.(3) A recomendação baseia-se na administração de isoniazida na dosagem de 5-10 mg/kg/dia (dose máxima de 300 mg/dia) em pessoas já infectadas, mas sem sinais da doença.(1)
A efetividade do uso da QP com isoniazida foi estabelecida através de ensaios clínicos randomizados, placebo-controlados e duplo-cegos, realizados a partir da década de 1960. Em um estudo realizado no Alasca, a efetividade estimada para um ano de tratamento foi de 75% nos primeiros quatro anos de acompanhamento, tendo sido demonstrada a longa duração do efeito protetor: 70% em 15 anos e 50% após 19 anos de acompanhamento.(4) A QP com isoniazida possui um efeito protetor contra a TB ativa, por reduzir entre 40% e 80% o risco de os indivíduos infectados com M. tuberculosis e com resultado da prova tuberculínica (PT) positiva de desenvolver a doença.(1)
Entretanto, a aplicação da QP em massa ainda é controverso, graças ao elevado número de infectados por M. tuberculosis, que atinge em torno de 57 milhões.(1) No Brasil, o Ministério da Saúde adota duas modalidades de QP(1): a QP primária, recomendada para recém-nascidos filhos de mães bacilíferas ou que venham a ter contato direto com bacilíferos, e a QP secundária, que é feita com isoniazida (10 mg/kg/dia) durante seis meses.
As indicações segundo o Ministério da Saúde para a QP secundária são as seguintes: indivíduos menores de 15 anos, sem sinais compatíveis com TB ativa, contactantes de tuberculosos bacilíferos, não vacinados com BCG e reatores à PT com 10 mm ou mais; crianças vacinadas com BCG, mas com resposta à PT igual ou superior a 15 mm; na população indígena, é indicada em todo o contactante de tuberculoso bacilífero reator forte à PT, independentemente da idade e do estado vacinal, após avaliação clínica, e afastada a possibilidade de TB ativa através de baciloscopia e do exame radiológico; em imunodeprimidos por uso de drogas ou por doenças imunossupressoras e com contatos intradomiciliares de tuberculosos sob criteriosa decisão médica; e reatores fortes à PT sem sinais de TB ativa mas com condições clínicas associadas a um alto risco de desenvolvê-la, como portadores de diabetes mellitus insulinodependente, nefropatias graves, sarcoidose, linfomas, alcoolismo e/ou silicose. Em infectados pelo HIV, a QP está indicada para os contatos intradomiciliares ou institucionais de pacientes bacilíferos, independentemente do resultado da PT; para os assintomáticos reatores à PT (5 mm ou mais); para os não-reatores à PT (menos de 5 mm) com contagem de CD4 inferior a 350 células/mm3 ou com contagem de linfócitos totais inferior a 1.000 células/mm3; e para portadores de lesões radiológicas cicatriciais de TB ou com registro documental de terem sido reatores à PT.
A QP secundária também está indicada para indivíduos com viragem de PT recente (até doze meses), isto é, que tiveram um aumento na resposta à PT de no mínimo 10 mm. Dentre esses, a instituição de QP para a TB é utilizada para minimizar o risco de profissionais de saúde infectados de desenvolver a doença.(5,6)
No entanto, um problema já detectado em outros estudos é a adesão do paciente ao tratamento.(7) A principal dificuldade que é apontada na adesão da QP é a duração de seis meses para um paciente que não possui sintomas da doença. Portanto, este estudo teve por objetivo avaliar os fatores associados à adesão à QP secundária para a TB em maiores de 15 anos, estratificados em dois grupos de estudo: profissionais de saúde e outros indivíduos infectados por M. tuberculosis, atendidos nos programas de referência de controle da doença no município de Vitória (ES).
MétodosRealizou-se um estudo de coorte histórica com a análise de prontuários dos pacientes atendidos nos programas de controle da TB do município de Vitória (ES), a fim de obter informações sobre a indicação de QP e o acompanhamento durante o tratamento, no período entre 2002 e 2007.
Os locais pesquisados foram as Unidades Básicas de Saúde de Vitória e o Programa de Controle de Tuberculose do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes da Universidade Federal do Espírito Santo.
Os pacientes foram estratificados em dois grupos de estudo: o primeiro grupo, denominado PS, era formado por aqueles com indicação de QP que pertenciam à categoria de profissionais da área de saúde; o segundo grupo, denominado NPS, incluía indivíduos com indicação de QP que não eram profissionais da área de saúde. No grupo NPS, foram agrupadas todas as outras categorias com indicação de QP secundária com idade acima de 15 anos. Os menores de 15 anos foram excluídos para evitar um viés no estudo, visto que essa população necessita de um adulto para garantir a tomada da medicação, e esse fato poderia influir nos resultados.(8)
Foi desenvolvido um formulário para a coleta de dados, contendo variáveis, como sexo, idade, resultado da PT, presença de comorbidades, história de contato com paciente portador de TB, sorologia de HIV, efeitos colaterais da QP e o desfecho da QP. Além disso, realizou-se uma avaliação de consistência e completude das informações e somente foram analisadas as informações consideradas completas. A completude foi avaliada pela anotação, no prontuário do caso, que constasse explicitamente com as informações sobre as variáveis.
Na variável PT, foram consideradas positivas as leituras com enduração maior ou igual a 10 mm. Nos pacientes infectados pelo HIV, considerou-se como positiva uma enduração maior que 5 mm.(9)
Os dados foram inicialmente inseridos em uma planilha Microsoft Excel e posteriormente transferidos para o programa estatístico STATA versão 9.0 (Stata Corp., College Station, TX, EUA). Para a análise dos dados, utilizamos frequências absolutas e relativas para as variáveis qualitativas e a média e o desvio-padrão para as variáveis quantitativas. Para a comparação entre os grupos, foi utilizado o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher, quando necessário, e o teste t de Student, com um nível de significância de 5%. Na análise de regressão logística, foram incluídos no modelo todas as variáveis selecionadas a partir da análise univariada, estabelecendo-se um valor de p < 0,20 para a entrada no modelo e p < 0,05 para a significância estatística no modelo final.
Visando preservar a identidade dos sujeitos do estudo, foram utilizadas somente as iniciais dos participantes durante a coleta de dados. O estudo foi aprovado pelos comitês de ética do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo e pela Secretaria Municipal de Saúde de Vitória.
ResultadosNo período estudado, foram avaliados 578 indivíduos submetidos à QP. Desses, 183 foram excluídos por serem menores de 15 anos. No grupo formado por pacientes que não eram profissionais de saúde, a principal indicação para a QP foi a infecção pelo HIV, em 44% dos casos. Outras indicações foram viragem da PT, em 27% dos casos; uso de drogas ou presença de doenças imunossupressoras, em 15%; nefropatias graves, em 10%; e diabetes mellitus insulinodependente, em 4%. Todos os profissionais de saúde obtiveram a indicação de QP em virtude da viragem da PT.
A população do estudo foi composta por 395 indivíduos, sendo 35 pertencentes ao grupo PS e 360 ao grupo NPS. O processo de verificação de consistência e completude resultou na exclusão de variáveis e apenas foram consideradas, para a análise, o número amostral das variáveis consideradas completas. Em relação ao gênero da população em estudo, observou-se que, no grupo PS, 29 (82.9%) eram do sexo feminino. No grupo NPS, 180 (50,0%) eram do sexo feminino. Quanto à idade, foram analisados 34 pacientes do grupo PS e 347 do grupo NPS.
No grupo PS, a mediana foi de 33 anos (amplitude de 21 a 55 anos) com média de 34,8 ± 10,6 anos. No grupo NPS, a mediana foi de 31 anos (amplitude de 15 a 82 anos) e média de 32,6 ± 13,8 anos. A diferença entre a média das idades não foi significativa entre os grupos (Tabela 1).
A informação sobre os efeitos colaterais dos medicamentos foi identificada em poucos prontuários. No Grupo PS, em 8/35 (22,86%) participantes foi constatada uma anotação relativa aos efeitos colaterais do uso do medicamento; porém, somente para 1 indivíduo o tratamento precisou ser suspenso. No Grupo NPS, não foi constatado nenhum caso registrado no prontuário dos participantes.
Os indivíduos do grupo PS pertenciam às seguintes categorias profissionais: 14 indivíduos (40,0%) da equipe de enfermagem (enfermeiro, técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem); 6 estudantes da área de saúde (17,1%); 3 médicos (8,5%); 2 professores da área de saúde (5,7%); 1 fisioterapeuta (2,9%); 1 dentista (2,9%); 1 psicólogo (2,9%); e 7 de outras categorias (técnicos de laboratório e do serviço de patologia (20,0%).
Dentre os 35 profissionais de saúde pesquisados, foram relatados comorbidades associadas em 8 (22,8%). Desses, 1 (12,5%) era tabagista, 4 (50,0%) foram diagnosticados com AIDS, e 3 (37,5%) foram diagnosticados com outras doenças (linfoma, neoplasia e granulomatose de Wegener). Para os demais indivíduos do grupo PS, essa informação não estava disponível.
Dos 360 participantes do grupo NPS, foi possível analisar comorbidades associadas em 100 (27,8%): AIDS em 38; diabetes em 12; tabagismo em 9; uso concomitante de corticosteroides em 8; etilismo em 7; e outras doenças em 17 (neoplasias, lúpus eritematoso sistêmico, espondilite anquilosante, artrite reumatoide, etc.). Pudemos ainda constatar que, dentre esses indivíduos, 6 tinham duas comorbidades associadas (diabetes e tabagismo, etilismo e AIDS, etilismo e diabetes, etilismo e tabagismo e AIDS e tabagismo), e 3 tinham pelo menos três comorbidades associadas (AIDS, etilismo e tabagismo; Tabela 2).
Ao analisarmos a PT, verificou-se que a maioria dos 395 analisados foram reatores fortes. Entre os do grupo PS, todos eram reatores fortes (100%), e 99,2% também eram reatores fortes no grupo NPS. Quanto à presença de contatos de pacientes com TB, dentre os 395 participantes, 15 (42,9%) no grupo PS e 169 (46,9%) no grupo NPS foram classificados como contatos. Quanto ao resultado positivo para a presença de HIV, foram analisados somente 17 casos entre o grupo PS e 200 no grupo NPS, devido à falta dessa informação em alguns prontuários. No grupo PS, 9/17 indivíduos (52,9%) foram HIV positivos, enquanto 157/200 (78,5%) foram classificados como portadores do HIV no grupo NPS (Tabela 3).
Ao avaliar o desfecho da QP nos grupos estudados, verificou-se que, quanto ao critério de encerramento da QP, 281/360 indivíduos (78,1%) do Grupo NPS tiveram alta, enquanto apenas 22/35 (62.9%) tiveram alta do grupo PS. Em relação ao abandono, respectivamente, 13 e 79 indivíduos dos grupos PS e NPS abandonaram a QP (37,1% vs. 21,9%). Essa diferença, apesar de apresentar um nível de significância menor que 5%, apresentou um intervalo de confiança limítrofe (Tabela 3).
Na Tabela 4, está representado o ajuste dos dados através de análise da regressão logística entre o abandono do tratamento relacionado a outros fatores selecionados. A variável "ser contato de paciente com TB" foi incluída no modelo, apesar de apresentar p > 0,20, por ser uma variável importante na relação do uso de QP. Foi constatado que ser profissional de saúde aumenta a chance de abandonar o tratamento em 8,6 vezes em relação àqueles que não são profissionais de saúde. Observou-se também que os contatos de paciente com TB possuem maior chance para o abandono da QP. A idade é um fator de proteção ao abandono da QP. Outro dado que merece a atenção é que pacientes infectados por HIV têm uma chance 4,5 maior de abandonar a QP.
DiscussãoA QP da TB é uma estratégia eficaz para a prevenção de novos casos da doença entre os indivíduos com infecção latente.(10) O risco de infecção e doença por M. tuberculosis em profissionais de saúde tem recebido atenção desde a década de 1990, quando a morbidade e a mortalidade associadas à doença aumentaram na comunidade em geral.(11)
A importância da exposição desses indivíduos ao M. tuberculosis depende principalmente da prevalência da doença entre os usuários dos serviços de saúde, o que reflete em aumento no número de casos de doença entre os profissionais de saúde, especialmente na equipe de enfermagem, como vem sendo relatado por alguns autores.(12,13)
Em nosso estudo, na análise quanto ao sexo no grupo PS, houve uma maior prevalência de casos entre o sexo feminino. Esse achado pode ser explicado pelo fato de que a equipe de enfermagem é formada, na sua maioria, por mulheres,(14) enquanto, no grupo NPS, houve um equilíbrio entre os sexos.
Em relação à idade, alguns autores analisaram casos de TB entre profissionais de saúde e verificaram que a faixa etária com maior proporção de casos foi entre 35 e 54 anos.(15) Em nosso estudo, apesar de observarmos apenas a ocorrência de infecção, o grupo PS apresentou uma população com mediana de 33 anos, dado que não difere da incidência de TB observada na população geral.(2)
A partir de 1965, a isoniazida foi eleita como a droga de escolha para a profilaxia da TB; entretanto, devido à ocorrência de hepatotoxicidade grave associada ao seu uso, passou a ser utilizada somente com o monitoramento periódico da função hepática, e seu uso deve ser descontinuado quando os níveis de aminotransferase forem de três a cinco vezes acima dos valores normais. Porém, outros estudos demonstraram que somente uma pequena parcela da população desenvolvia efeitos colaterais com o seu uso.(10)
Nos Estados Unidos, em ensaios clínicos conduzidos pelos serviços públicos de saúde, observou-se que, dentre 13.831 pessoas que receberam isoniazida, ocorreu hepatite em apenas 1% dos casos, sendo a incidência maior entre aqueles com idade acima de 50 anos. Dentre os fatores relacionados com o risco de desenvolver hepatite, além da idade, destacou-se o alcoolismo.(16) No presente estudo, apesar da grande falta de informação, constatou-se que somente um profissional de saúde que não relatou alcoolismo, com idade de 44 anos, interrompeu a QP devido à hepatotoxicidade do medicamento.
Vale ressaltar que, no grupo PS, 57% dos participantes não eram contatos domiciliares de pacientes com TB; porém, pode-se presumir que muitos profissionais se infectaram com o bacilo através do exercício de sua profissão, como demonstrado em outros estudos que mostraram um provável adoecimento por primoinfecção.(5,10,13)
O fato de que os profissionais de saúde apresentam um risco de infecção aumentado em relação à população em geral foi demonstrado no Brasil por pesquisas que associaram dados de exposição a pacientes com TB à conversão da PT (aumento de 10 mm em relação à enduração inicial). Os principais fatores de risco foram a exposição nosocomial a paciente com TB pulmonar, ser da categoria profissional de enfermagem e trabalhar em hospital sem medidas de biossegurança implantadas. Apenas 1,5% dos profissionais analisados referiram contato com TB na comunidade, e 33% o referiram no seu local de trabalho.(5,17)
Com a análise deste estudo, percebeu-se que o abandono de QP é maior entre os profissionais de saúde que entre o grupo de não profissionais de saúde, mostrando que, apesar de todo o conhecimento sobre a doença, os riscos associados a essa área de atuação e a eficácia desse tratamento não foram suficientes para uma maior adesão.
Em um estudo realizado entre os contatos domiciliares de pacientes com TB pulmonar, propuseram-se duas novas alternativas para a QP: rifapentina combinada a isoniazida e pirazinamida combinada a rifampicina, ambas em regime de 3 meses.(18) A associação rifapentina e isoniazida obteve boa atividade contra a TB latente e foi significativamente menos tóxica quando comparada ao uso de rifampicina e pirazinamida.(19) O uso desse novo esquema terapêutico poderia levar a uma diminuição do tempo de QP e dos efeitos colaterais dos medicamentos. Também seria uma alternativa para aumentar a adesão, já que o tempo de duração do tratamento tem sido relatado como uma das causas de abandono.(20)
O risco de desenvolver TB em pacientes infectados por HIV tem sido estimado em 1,7-7,9 por 100 pessoas-ano, razão pela qual a identificação da dupla infecção e a administração do tratamento preventivo têm grande relevância.(10) Neste estudo, o grupo NPS apresentou um alto índice de coinfecção com 157/200 casos (78,5%). Entretanto, 160 prontuários não apresentavam essa informação. A ausência de preenchimento nas fichas e prontuários dos pacientes foram frequentes, justificando-se principalmente pela falta de ficha específica para esse tipo de atividade. Sabe-se que a confiabilidade, a completude e a atualização dos dados melhoram a sua qualidade e privilegiam a tomada de decisões.(17) No entanto, quando não se trata de preenchimento obrigatório, como é o caso de indivíduos em uso de QP, observa-se que a coleta de informações se torna ineficaz.
Faz-se necessário, no entanto, apontar que as limitações do nosso estudo se referem principalmente à natureza do uso de dados secundários. Outro ponto a ser destacado é que, para algumas variáveis, houve um número alto de respostas em branco, o que pode ter influenciado a análise final com uma maior probabilidade de incorrer em erro do tipo II. No entanto, mesmo com uma perda de poder do teste devido à incompletude, nossos achados apontam para a necessidade de um intervenção com melhor estrutura nos programas em relação à adesão à QP, principalmente para os profissionais de saúde e os pacientes soropositivos para HIV.
Não pudemos identificar, com a análise adotada neste estudo, a razão pela qual indivíduos mais jovens têm menor chance de abandonar a QP.
Uma das possíveis explicações é que, com o aumento da idade, é possível que outras comorbidades estejam associadas, levando os participantes a tomar outros medicamentos concomitantes á QP, o que poderia influenciar a adesão. Outro ponto que merece destaque foi o achado de que contatos de pacientes com TB abandonaram a QP aproximadamente três vezes mais do que aqueles que não reportaram contatos conhecidos. Uma possível explicação seria que há uma mobilização da rede familiar em torno do paciente em detrimento daqueles indivíduos que fazem apenas profilaxia, além de outros fatores envolvidos no modelo causal da TB não mensurados neste estudo.
Diante do exposto, o programa de controle da TB tem em seus pilares a descoberta e o tratamento dos casos, mas pouca ênfase tem sido dada nos consensos sobre a prevenção de doenças através da instituição da QP.(21) Essas medidas têm sido recomendadas, mas não são prioritárias nos programas, haja vista que não há, até o momento, uma ficha específica para a avaliação e o acompanhamento dos casos de infectados por M. tuberculosis.
Além disso, a QP, ao contrário do tratamento, não possui uma meta estabelecida para a adesão. A eficácia da profilaxia por si só justificaria uma estratégia mais organizada para minimizar as taxas de abandono. Para que isso seja atingido, é necessário capacitar profissionais que atuam em programas de TB, além da criação de indicadores específicos de QP para sua utilização como ferramenta de gestão. O monitoramento e a avaliação desses indicadores permitirão que a QP seja mais um instrumento utilizado no controle da TB, e, portanto, com importância semelhante ao tratamento, o que não tem sido observado na rotina dos serviços.
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Trabalho realizado no Núcleo de Doenças Infecciosas. Universidade Federal do Espírito Santo - UFES - Vitória (ES) Brasil.
Endereço para correspondência: Ethel Leonor Noia Maciel. Centro de Ciências da Saúde, Núcleo de Doenças Infecciosas, Av. Marechal Campos, 1468, Maruípe, CEP 29040-090, Vitória, ES, Brasil.
Tel 55 27 2122-7210. E-mail: emaciel@ndi.ufes.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro através do Edital MCT/CNPq/MS-DAB/SAS nº 49/2005 - Pesquisas Avaliativas em Atenção Básica à Saúde e Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose (Rede-TB).
Recebido para publicação em 1/12/2008. Aprovado, após revisão, em 27/4/2009.
Sobre os autoresEthel Leonor Noia Maciel
Professora Adjunta de Epidemiologia. Universidade Federal do Espírito Santo - UFES - Vitória (ES) Brasil.
Ana Paula Brioschi
Acadêmica de Enfermagem. Universidade Federal do Espírito Santo - UFES - Vitória (ES) Brasil.
Letícia Molino Guidoni
Acadêmica de Enfermagem. Universidade Federal do Espírito Santo - UFES - Vitória (ES) Brasil.
Anne Caroline Barbosa Cerqueira
Mestranda. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Espírito Santo - UFES - Vitória (ES) Brasil.
Thiago Nascimento do Prado
Mestrando. Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas, Universidade Federal do Espírito Santo - UFES - Vitória (ES) Brasil.
Geisa Fregona
Pesquisadora. Núcleo de Doenças Infecciosas, Universidade Federal do Espírito Santo - UFES - Vitória (ES) Brasil.
Reynaldo Dietze
Coordenador. Núcleo de Doenças Infecciosas, Universidade Federal do Espírito Santo - UFES - Vitória (ES) Brasil.