ABSTRACT
Foreign body aspiration (FBA) into the tracheobronchial tree is a common problem in children, especially in those under three years of age. Preliminary radiological evaluation reveals normal chest X-rays in nearly 30% of such patients. Tomography-generated virtual bronchoscopy (VB) can facilitate the early diagnosis and rapid management of these cases. The definitive treatment is the removal of the foreign body by means of rigid bronchoscopy under general anesthesia. The objective of this study was to describe the use of VB in two patients with suspicion of FBA, as well as to review the literature regarding this topic. The two patients presented with sudden onset of respiratory symptoms and history of cough or choking with foods before these symptoms. Both patients were submitted to VB. In both cases, we detected an endobronchial foreign body, which was then removed by conventional rigid bronchoscopy in one of the cases. Only recently developed, VB is a noninvasive imaging method that has potential for use in detecting foreign bodies in the airways of children. In select cases, VB can indicate the exact location of the foreign body and even preclude the need to submit patients to rigid bronchoscopy in the absence of a foreign body.
Keywords:
Bronchoscopy; Pediatrics; Respiratory aspiration.
RESUMO
A aspiração de corpo estranho (ACE) para o trato respiratório é um problema comum em pacientes pediátricos, em especial abaixo dos três anos de idade. Na avaliação radiológica inicial, cerca de 30% dos pacientes apresentam radiograma de tórax normal. A tomografia com broncoscopia virtual (BV) pode auxiliar no diagnóstico precoce desse quadro e seu pronto manejo. O tratamento definitivo se dá com a retirada do corpo estranho através de broncoscopia rígida e mediante anestesia geral. O objetivo deste trabalho foi descrever o uso da BV na abordagem de dois pacientes com suspeita de ACE e realizar uma revisão da literatura sobre este tópico. Os dois pacientes tiveram início súbito de sintomas respiratórios e relato de tosse ou engasgo com alimentos antecedendo o quadro. Os pacientes foram submetidos à BV, e foi detectada a presença de corpo estranho endobrônquico em ambos os casos, com remoção posterior por broncoscopia rígida convencional em um caso. A BV é um método não-invasivo recente e com potencial para detectar a presença de corpo estranho na via respiratória em crianças. Em casos selecionados, BV pode auxiliar na localização correta do corpo estranho e até mesmo evitar o procedimento de broncoscopia rígida na ausência de corpo estranho.
Palavras-chave:
Broncoscopia; Pediatria; Aspiração respiratória.
IntroduçãoA aspiração de corpo estranho (ACE) no trato respiratório é uma causa frequente e grave de desconforto respiratório e de consultas em emergências de pediatria, principalmente em pacientes abaixo de 3 anos de idade.(1,2) Cianose, tosse e sibilância de início súbito são os principais sintomas descritos nessa condição.(2) No entanto, em outras situações, existe uma escassez de sinais clínicos, por melhora espontânea do paciente ou por não haver relato do evento de sufocação ou engasgo pelos familiares.
A manifestação radiológica depende do tamanho, da localização e da natureza do corpo estranho (CE) aspirado. O radiograma de tórax pode demonstrar desde um infiltrado inespecífico, atelectasias, áreas de hiperinsuflação unilateral ou bilateral e até mesmo consolidações parenquimatosas e bronquiectasias.(3) A grande maioria dos CE não é radiopaca, e cerca de um terço das crianças admitidas tem exame radiológico de tórax normal.(4,5)
A ACE pode resultar em sequelas respiratórias sérias, tais como infecções pulmonares recorrentes, bronquiectasias e destruição de parênquima pulmonar previamente sadio. Dessa forma, o diagnóstico e a intervenção precoces são fundamentais para um melhor manejo dessa condição.(6) O tratamento definitivo é feito através de broncoscopia, procedimento invasivo que, apesar de simples, não é isento de complicações e riscos. A broncoscopia virtual (BV) é um procedimento relativamente novo, não-invasivo, o qual disponibiliza uma visão tridimensional das paredes internas da árvore traqueobrônquica através da reconstrução de imagens axiais.
O objetivo deste trabalho é descrever o uso da técnica de BV associada à TC multi-detector (TCMD) de baixa dose em dois pacientes pediátricos com suspeita de ACE, assim como realizar uma revisão sistemática sobre o assunto, tomando por fonte de dados os sistemas de busca PubMed e SciELO, além de literatura nacional concernente ao tema.
Relato de casosO aparelho usado para a realização dos exames foi um tomógrafo multi-detector de 64 canais (SOMATOM Sensation 64; Siemens, Erlangen, Alemanha), equipado com Care Dose 4D, um dispositivo que modula a radiação emitida de acordo com a espessura do tecido estudado. A espessura dos cortes foi de 1 mm, com passo de mesa (pitch) de 1,4; o regime radiográfico foi de 120 kVp, com 45 mA e tempo de exposição de 3,53 s. Os pacientes foram sedados com hidrato de cloral a 15%, na dose de 50 mg/kg. O broncoscópio rígido utilizado para a remoção do CE de um dos pacientes (ver Caso 1) tinha 3,5 mm de diâmetro (Karl Storz Instruments, Tuttlingen, Alemanha), e a criança foi sedada com propofol durante o procedimento.
Caso 1Paciente masculino, com idade de 17 meses, foi atendido na emergência pediátrica com quadro de dificuldade respiratória após engasgo durante refeição 30 min antes da consulta. Criança previamente saudável, sem história de asma ou febre.
Ao exame físico, encontrava-se com em bom estado geral, oximetria de pulso em 96% em ar ambiente, tiragem subcostal leve, taquipneico (frequência respiratória = 46 ciclos/min) e ausculta pulmonar com sibilância difusa, inspiratória e expiratória.
O radiograma de tórax evidenciava infiltrado intersticial em região hilar direita. A BV demonstrou traqueia e brônquios fontes normais. No entanto, visualizou-se uma obstrução completa da luz do brônquio médio (Figuras 1 e 2). O parênquima pulmonar subjacente encontrava-se normal. O paciente foi submetido à broncoscopia rígida com a retirada de CE orgânico (grão de arroz) e subsequente higiene brônquica local, sem intercorrências.
Caso 2Paciente feminina, com idade de 14 meses, encaminhada à emergência com relato de sibilância há 2 meses após a ingestão de amendoim oferecido pela mãe. A paciente já havia utilizado corticosteroide oral em três ocasiões, cada vez por sete dias, associado a broncodilatador por nebulização. Ao exame, encontrava-se em bom estado geral, saturação de oxigênio em 97% em ar ambiente, fácies cushingoide, eupneica, ausculta pulmonar com sibilos localizados em hemitórax direito e restante do exame segmentar sem alterações.
O radiograma de tórax evidenciava hiperinsuflação do pulmão direito, sem consolidações ou derrames pleurais. A BV demonstrava traqueia e brônquios fontes normais bilateralmente. No entanto, na topografia de brônquio fonte direito, logo após a carina, evidenciava-se a presença de imagem de bordos definidos e irregulares obliterando a luz brônquica (Figura 3). A paciente não se submeteu à broncoscopia rígida, pois o responsável não autorizou o mesmo, mesmo orientado sobre os riscos futuros de complicações respiratórias.
DiscussãoA ACE é uma importante causa de dificuldade respiratória em crianças principalmente na faixa etária compreendida entre 6 e 24 meses. Frente a um paciente com suspeita dessa condição, após o levantamento da história e a realização de exame clínico minuciosos, a avaliação radiológica é o primeiro passo da investigação. Os achados radiográficos mais comuns são aprisionamento aéreo, atelectasias e sombras por CE radiopacos.(7,8) Entretanto, esses achados são muito inespecíficos e de baixa acurácia.
Alguns autores descreveram sensibilidade de 68% e especificidade de 67% para o radiograma de tórax no diagnóstico de pacientes com suspeita de ACE.(3) Em um estudo com características semelhantes, demonstrou-se sensibilidade de 85% e especificidade de 68%.(2) Em outros estudos, chegou-se à conclusão de que a ausência de alterações radiológicas não exclui o diagnóstico de ACE.(9,10) Para aumentar a acurácia radiológica, podem ser realizadas imagens em inspiração e expiração, decúbito lateral e de fluoroscopia.(8) Entretanto, não se pode evitar a broncoscopia convencional com base exclusivamente nesses achados, principalmente em pacientes com alto índice de suspeita para tal condição.
Nos casos aqui descritos, foi possível identificar a presença de CE na árvore traqueobrônquica dos pacientes através da utilização da BV com TCMD. Tanto as imagens no plano axial como as criadas por formatação foram diagnósticas de ACE. A broncoscopia rígida permanece como o padrão ouro para o diagnóstico e para a retirada de CE no trato respiratório, mas trata-se de um procedimento invasivo, que necessita de anestesia geral e que pode trazer complicações.(11,12)
A modalidade de BV com TCMD é um método de imagem capaz de identificar a presença de CE e de alterações parenquimatosas associadas. As suas maiores vantagens sobre a tomografia convencional são o aumento na velocidade de realização do exame e a possibilidade de cortes mais finos, com melhor resolução espacial para a reconstrução 3D.(13,14) Todavia, a principal desvantagem desse procedimento é a exposição à radiação, a qual pode ser minimizada, evitando-se o uso abusivo de exames tomográficos e reduzindo ao mínimo possível a corrente do tubo (em mA), assim como a necessidade de sedação do paciente. Usualmente, o limite mínimo aceitável para uma imagem de boa qualidade situa-se em 30 mA e 80 kVp.
Alguns autores investigaram o uso de BV em pacientes pediátricos com suspeita de ACE e concluíram que a mesma pode localizar corretamente a posição do CE na árvore respiratória.(8) Ainda nesse estudo, demonstrou-se que quando a BV for normal, sem evidência de obstrução endobrônquica, o uso da broncoscopia convencional não se mostrou superior em trazer informações adicionais relevantes. Em outro estudo, ao serem comparadas as imagens obtidas através da BV e da broncoscopia convencional em pacientes com suspeita de ACE, encontraram-se resultados semelhantes.(2) Em um estudo recente comparando BV e broncoscopia convencional, estimou-se sensibilidade de 96% e especificidade de 58%.(12)
Outros autores publicaram recentemente um estudo comparando a BV com a broncoscopia rígida em pacientes com suspeita de ACE,(15) sugerindo que o uso dessa nova técnica pode abreviar o tempo até a realização da broncoscopia e localizar de forma precisa o CE. Apesar de não remover o CE, a BV pode fornecer a localização precisa do mesmo e ser útil na preparação antes da remoção do CE por aparelho rígido. Uma possível desvantagem com o uso da BV são os exames falso-positivos. A presença de secreção endobrônquica purulenta ou protrusão de alguma massa tumoral em direção à luz brônquica devem ser descartadas.(8)
Em uma revisão recente, ressaltou-se a importância do desenvolvimento de centros de endoscopia respiratória de urgência para otimizar o tratamento de pacientes com suspeita dessa condição.(16)
Concluindo, a BV pode ser utilizada como método de investigação em crianças com suspeita de ACE. A correta localização do CE, a possibilidade de visualizar o parênquima pulmonar associado e a possibilidade de realizar o exame sem anestesia tornam esse método viável para essa condição. Este trabalho demonstrou a utilização desse novo método em dois casos com diferentes evoluções. Além disso, pode-se evitar a realização da broncoscopia convencional com anestesia geral nos casos em que a BV não evidencia a presença de CE na via aérea.
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Trabalho realizado no Hospital Dona Helena - HDH - Joinville (SC) Brasil.
Endereço para correspondência: Tiago Neves Veras. Rua Três Barras, 539, casa 01, Saguaçu, CEP 89221-430, Joinville, SC, Brasil.
Tel 55 47 3027-1113. E-mail: tnveras@pneumoped.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 22/1/2009. Aprovado, após revisão, em 3/5/2009.
Sobre os autoresTiago Neves Veras
Médico Pneumologista Infantil. Hospital Jeser Amarante Filho - HIJAF - Joinville (SC) Brasil.
Gilberto Hornburg
Médico Radiologista. Hospital Dona Helena - HDH - Joinville (SC) Brasil.
Adrian Maurício Stockler Schner
Médico Cirurgião Torácico. Hospital São José - HSJ - Joinville (SC) Brasil.
Leonardo Araújo Pinto
Professor. Laboratório de Respirologia Pediátrica, Instituto de Pesquisas Biomédicas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS - Porto Alegre (RS) Brasil.