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Artigo Original

Deve-se extrapolar o tratamento de bronquiectasias em pacientes com fibrose cística para aqueles com bronquiectasias de outras etiologias?

Should the bronchiectasis treatment given to cystic fibrosis patients be extrapolated to those with bronchiectasis from other causes?

Rodrigo Abensur Athanazio, Samia Zahi Rached, Ciro Rohde, Regina Carvalho Pinto, Frederico Leon Arrabal Fernandes, Rafael Stelmach

ABSTRACT

Objective: To profile the characteristics of adult patients with bronchiectasis, drawing comparisons between cystic fibrosis (CF) patients and those with bronchiectasis from other causes in order to determine whether it is rational to extrapolate the bronchiectasis treatment given to CF patients to those with bronchiectasis from other causes. Methods: A retrospective analysis of the medical charts of 87 patients diagnosed with bronchiectasis and under follow-up treatment at our outpatient clinic. Patients who had tuberculosis (current or previous) were excluded. We evaluated the clinical, functional, and treatment data of the patients. Results: Of the 87 patients with bronchiectasis, 38 (43.7%) had been diagnosed with CF, through determination of sweat sodium and chloride concentrations or through genetic analysis, whereas the disease was due to another etiology in 49 (56.3%), of whom 34 (39.0%) had been diagnosed with idiopathic bronchiectasis. The mean age at diagnosis was lower in the patients with CF than in those without (14.2 vs. 24.2 years; p < 0.05). The prevalence of symptoms (cough, expectoration, hemoptysis, and wheezing) was similar between the groups. Colonization by Pseudomonas aeruginosa or Staphylococcus aureus was more common in the CF patients (82.4 vs. 29.7% and 64.7 vs. 5.4%, respectively). Conclusions: The causes and clinical manifestations of bronchiectasis are heterogeneous, and it is important to identify the differences. It is crucial that these differences be recognized so that new strategies for the management of patients with bronchiectasis can be developed.

Keywords: Cystic fibrosis; Bronchiectasis/diagnosis; Bronchiectasis/therapy; Respiratory function tests.

RESUMO

Objetivo: Conhecer o perfil de pacientes adultos com bronquiectasias, comparando portadores de fibrose cística (FC) com aqueles com bronquiectasias de outra etiologia, a fim de determinar se é racional extrapolar terapêuticas instituídas em fibrocísticos para aqueles com bronquiectasias de outras etiologias. Métodos: Análise retrospectiva dos prontuários de 87 pacientes adultos com diagnóstico de bronquiectasia em acompanhamento em nosso serviço. Pacientes com doença secundária a infecção por tuberculose corrente ou no passado foram excluídos. Foram avaliados dados clínicos, funcionais e terapêuticos dos pacientes. Resultados: Dos 87 pacientes com bronquiectasias, 38 (43,7%) tinham diagnóstico confirmado de FC através de dosagem de sódio e cloro no suor ou análise genética, enquanto 49 (56,3%) apresentavam a doença por outra etiologia, 34 (39,0%) desses com bronquiectasia idiopática. Os pacientes com FC apresentavam média de idade ao diagnóstico mais baixa (14,2 vs. 24,2 anos; p < 0,05). A prevalência de sintomas (tosse, expectoração, hemoptise e sibilância) foi semelhante entre os grupos. A colonização por Pseudomonas aeruginosa e a por Staphylococcus aureus foram mais comuns nos pacientes com FC (82,4 vs. 29,7% e 64,7 vs. 5,4%, respectivamente). Conclusões: As causas e as manifestações clínicas das bronquiectasias são heterogêneas, sendo importante a identificação dessas diferenças na abordagem do paciente. Reconhecer estas diferenças é crucial para o desenvolvimento de novas estratégias para o manejo de pacientes com bronquiectasias.

Palavras-chave: Fibrose cística; Bronquiectasia/diagnóstico; Bronquiectasia/terapia; Testes de função respiratória.

Introdução

Bronquiectasia é uma doença heterogênea, com múltiplas etiologias e apresentações, e é caracterizada por dilatações anormais e permanentes de um ou mais brônquios. A lesão é parte de um processo contínuo de infecção e inflamação, cuja etiologia pode ser tanto congênita como adquirida.(1) É questionado se não seria mais correto considerá-la uma síndrome, com infecções de repetição, supuração e hemoptise como características principais. Já foi considerada uma doença órfã;(2) porém, com o advento de tomografias de alta resolução, seu diagnóstico tem crescido ao redor do mundo nos últimos anos, inclusive em países desenvolvidos.(3,4)

Os fatores que influenciam sua evolução ainda não estão bem caracterizados, assim como sua condução clínica ainda carece de consenso e evidência experimental. A etiologia mais estudada é a fibrose cística (FC), com extensa literatura explorando sua evolução e suas opções terapêuticas. Ensaios clínicos já demonstraram benefícios terapêuticos com o uso de DNase, macrolídeos e antibioticoterapia inalatória.(5) Para as chamadas bronquiectasias não fibrocísticas, temos à disposição uma literatura ainda incipiente, baseada em estudos pilotos ou de pequena amostragem.(6-8)

Apesar de a prevalência de bronquiectasias no Brasil não ser bem estabelecida, estima-se que deva ser maior que a encontrada em países desenvolvidos. A alta incidência de tuberculose no país e o controle inadequado de infecções respiratórias em crianças seriam responsáveis por essa diferença.(9) Devido à dificuldade de acesso a recursos diagnósticos em muitos centros brasileiros, a ausência de determinação etiológica dos casos de bronquiectasias não sequelares ainda é grande.(10)

Apesar do arsenal terapêutico para o tratamento das diversas causas de bronquiectasias ainda ser escasso, uma avaliação sistemática deve ser realizada em busca da identificação de sua etiologia. Algumas deficiências de imunoglobulinas, micobacterioses atípicas e aspergilose broncopulmonar alérgica são causas de bronquiectasias que podem ter sua evolução alterada com o diagnóstico precoce e o tratamento específico. Entretanto, esses representam menos de 20% dos casos de bronquiectasias.(11) Na prática clínica, a maioria dos pacientes com bronquiectasias é manejada de forma empírica, tendo muito de suas condutas extrapoladas da experiência com pacientes com FC. O objetivo deste estudo é conhecer o perfil de pacientes adultos com bronquiectasias, comparando as bronquiectasias em portadores de FC com aquelas provocadas por outras causas, a fim de avaliar se existe coerência ao extrapolar terapêuticas instituídas em pacientes fibrocísticos para aqueles com bronquiectasias devido a outras causas.

Métodos

Foi realizado um estudo retrospectivo de análise de prontuários de pacientes adultos atualmente acompanhados em nosso ambulatório. Consideraram-se como "acompanhamento atual" os casos de pacientes que tiveram pelo menos uma consulta no ano anterior à coleta de dados (2008).

Foram incluídos pacientes entre 18 e 50 anos com história clínica de tosse e/ou supuração crônica, associada ou não a infecções pulmonares de repetição. Além disso, era fundamental uma confirmação tomográfica que demonstrasse que o diâmetro interno brônquico era superior ao da artéria pulmonar adjacente, a ausência de diminuição gradual do diâmetro brônquico no sentido da periferia dos campos pulmonares ou a presença de brônquios visíveis a menos de 2 cm da superfície pleural. Os critérios de exclusão foram indivíduos com bronquiectasias adquiridas por micobactérias, doenças ocupacionais ou outras infecções ocorridas na fase adulta. Considerou-se que pacientes com descrição no prontuário de tratamento para tuberculose por pelo menos 6 meses ou com confirmação bacteriológica em exames antigos apresentavam sequela adquirida por infecção por micobactéria.

A análise de prontuários foi realizada de maneira sistemática através da coleta das informações avaliadas neste estudo. Quando necessário, os prontuários da fase pediátrica do paciente também foram analisados. Foram coletados dados demográficos (idade e sexo), relacionados ao diagnóstico (idade ao diagnóstico e forma como foi determinado), clínicos (tempo de acompanhamento, sintomas e tratamento na última consulta), microbiológicos (culturas de escarro e lavado broncoalveolar) e funcionais (SpO2 e espirometria no início do acompanhamento da fase adulta e atual).

O acompanhamento de pacientes com bronquiectasias ou FC em nosso serviço é trimestral, e, em todas as consultas, são solicitadas culturas de vigilância de escarro. O exame de escarro é realizado de forma padronizada, envolvendo a cultura do espécime em ágar sangue, ágar chocolate, ágar MacConkey e meio seletivo para Burkholderia, utilizando-se para a análise o sistema VIDAS (bioMérieux, Marcy l'Étoile, França).

Considerou-se como colonização a presença de pelo menos duas amostras de cultura positivas em um ano.

Os pacientes foram divididos em dois grupos com o intuito de comparar as características de pacientes adultos com FC aos demais indivíduos com bronquiectasias por outras etiologias. O diagnóstico de FC foi realizado por dosagem de cloro e sódio no suor superior a 60 mmol/L. Os demais diagnósticos foram determinados através de história clínica e exames laboratoriais. Foram considerados pacientes com bronquiectasias "sem diagnóstico" aqueles que, mesmo após o levantamento de história clínica, dosagem de sódio e cloro no suor, provas reumatológicas, dosagem de imunoglobulinas e análise de escarro, não apresentaram resultados conclusivos.

Como o objetivo do estudo era traçar um painel atual do atendimento realizado aos pacientes com bronquiectasias (FC ou não) em nosso serviço, todos os pacientes foram incluídos na análise, mesmo com intervalos de seguimento pequenos. Entendemos que o acompanhamento funcional de pacientes com intervalos menores do que seis meses é insuficiente para uma avaliação adequada da evolução de uma doença. Diante disso, refizemos a análise do banco de dados excluindo 5 pacientes que tinham um acompanhamento menor do que seis meses.

A análise estatística foi realizada através do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 10.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). As variáveis contínuas foram apresentadas sob a forma de média ± dp quando apresentavam distribuição normal ou sob a forma de mediana e amplitude interquartil quando apresentavam distribuição não normal. As variáveis categóricas foram descritas como frequência relativa. O teste do qui-quadrado foi usado para a comparação de variáveis categóricas. A comparação entre médias foi realizada através do teste t de Student para as variáveis contínuas com distribuição normal e, para aquelas com distribuição não normal, utilizou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney. Todos os testes foram bicaudais e valores de p < 0,05 foram considerados significativos.

O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa em seres humanos de nossa instituição.

Resultados

Foram analisados 87 pacientes, sendo 38 (43,7%) portadores de FC. Dentre os indiví­duos não portadores de FC, 34 apresentaram bronquiectasias por causa idiopática (39%), 4 (4,6%) por sequela por infecção viral na infância e 3 (3,4%) por síndrome de Kartagener. A
Tabela 1 mostra a relação de todos os diagnósticos dos pacientes incluídos no estudo.



As características clínico-demográficas dos pacientes são apresentadas na Tabela 2. Os pacientes com FC eram em sua maioria do sexo masculino, apresentando a idade média de 25,2 anos. O tempo de seguimento desses pacientes variou entre 2 e 120 meses (média = 33,8 meses), e a idade ao diagnóstico variou entre 1 e 46 anos (média = 14,2 anos). O sintoma mais comumente encontrado foi tosse, presente em 81,5% dos casos e expectoração, em 65,7%. A obstrução nasal esteve presente em 26,3%, sibilância em 23,6% e hemoptise nos últimos seis meses em apenas 10,5%. Em relação ao tratamento, 60,5%, 50,0% e 18,4% utilizavam, respectivamente, antibióticos inalatórios, broncodilatadores de ação prolongada e oxigenoterapia domiciliar contínua.

O grupo formado por pacientes com bronquiectasias não FC era em sua maioria do sexo feminino, com média de idade mais elevada (37,5 anos). O tempo de seguimento desses pacientes variou entre 2 e 154 meses (média = 51,3 meses), e a idade ao diagnóstico variou entre 3 e 45 anos (média = 24,2 anos). Mais uma vez, a tosse foi o sintoma mais prevalente, ocorrendo em 55,1% dos pacientes analisados.

Expectoração, sibilância, obstrução nasal e hemoptise nos últimos seis meses foram encontradas em, respectivamente, 46,9%, 34,6%, 20,4% e 6,1%. Nenhum paciente estava em uso de antibiótico inalatório. Apenas 6,1% eram usuários de oxigenoterapia domiciliar, e broncodilatadores de longa duração eram usados por 69,3% dos indivíduos.





O tratamento cirúrgico foi instituído em 2 pacientes (5,2%) fibrocísticos (pneumectomia em 1 e transplante de pulmão bilateral em 1). Por outro lado, 14 (28,5%) dos indivíduos com outras causas de bronquiectasias foram submetidos a um maior número de procedimentos cirúrgicos - lobectomia em 9 (65%), pneumectomia em 3 (21%) e transplante de pulmão bilateral em 2 (14%). Essa diferença entre os dois grupos foi significativa (p = 0,01).

Os dados funcionais são apresentados na Tabela 3. Os pacientes com FC apresentaram SpO2 significativamente inferior, tanto no início como no final do seguimento. Além disso, os pacientes com mucoviscidose mostraram uma redução da função pulmonar (VEF1 e CVF) durante o seguimento, ao passo que os indivíduos com outras causas de bronquiectasias tiveram uma discreta melhora. A reanálise do banco de dados com a exclusão dos 5 pacientes que tinham um tempo de acompanhamento inferior a 6 meses não evidenciou alterações significantes nos resultados encontrados.



Em relação ao perfil microbiológico, os pacientes portadores de FC apresentaram uma frequência maior de colonização por Pseudomonas aeruginosa em relação aos do outro grupo (82,4% vs. 29,7%; p < 0,05), bem como para Staphylococcus aureus (64,7% vs. 5,4%; p < 0,05) e Burkholderia cepacia (17,6% vs. 0,0%; p < 0,05; Figura 1).



Discussão

Na população estudada, 43,7% dos pacientes apresentaram diagnóstico de bronquiectasias por FC. Dos outros 56,3%, cujo diagnóstico não foi atribuído à FC, a maior parte foi por causa idiopática. Comparando os dois grupos (presença de bronquiectasias com e sem FC) em nossa casuística, pacientes com FC eram mais jovens (inclusive em sua idade ao diagnóstico), apresentavam menor SpO2 e maior taxa de colonização por germes patogênicos. Não encontramos diferenças estatisticamente significativas em relação à sintomatologia e ao perfil funcional, mas houve uma tendência a perda de função pulmonar durante o seguimento entre os fibrocísticos.

As bronquiectasias sem diagnóstico são frequentemente relatadas em outros estudos publicados, mesmo naqueles em grandes centros.(12)

Séries recentes que buscaram determinar a etiologia de bronquiectasias em pacientes com sintomas de tosse, expectoração e alterações tomográficas compatíveis com bronquiectasias demonstraram que a forma idiopática ocorrera em 26-53% dos pacientes.(13,14)

Bronquiectasias após infecções virais na infância, imunodeficiência humoral, aspergilose broncopulmonar alérgica, FC e aspiração foram as enfermidades mais diagnosticadas após a investigação sistemática desses pacientes. A determinação da doença de base requer um grande empenho diagnóstico e, na maioria dos casos, não melhora o prognóstico ou não altera a condução clínica dos pacientes. De acordo com um grupo de autores,(14) apesar de o diagnóstico etiológico ter sido estabelecido em até 74% dos casos encaminhados a um centro terciário de pneumologia, apenas 36% tiveram seu tratamento modificado. Por outro lado, a identificação de aspergilose broncopulmonar alérgica, artrite reumatoide, imunodeficiência comum variada, pneumopatia aspirativa e deficiência de alfa-1 antitripsina permite a instituição de tratamentos específicos e aconselhamentos comportamentais que são capazes de modificar a evolução da doença.(11)

Tosse, expectoração e sibilância foram os sinais mais frequentemente encontrados nos dois subgrupos de pacientes com bronquiectasias, o que corrobora outro estudo no Brasil,(10) apesar de a prevalência de sintomas naquele estudo ter sido ainda maior: 87,8%, 87,2% e 68,3%, respectivamente. A hemoptise esteve presente em 22,8%, em comparação aos 8,0% encontrados em nosso trabalho. Entretanto, a presença de hemoptise foi avaliada somente nos últimos meses de nosso estudo, com o intuito de avaliar os pacientes com maior risco de desenvolvimento de complicações agudas. Nossos pacientes apresentam maior acometimento de função pulmonar, com valores médios de CVF e VEF1 de 64,7% e 49,0%, ao passo que, naquele estudo,(10) esses valores médios foram de 81,8% e 67,4%, respectivamente.

Em nossa coorte, os pacientes com FC apresentaram uma tendência a piora da perda funcional ao longo dos anos e menor SpO2. A maior taxa de colonização por germes patogênicos pode ser uma das justificativas para esses resultados. A colonização por Pseudomonas sp. entre indivíduos com FC está relacionada a uma maior perda funcional.(15) Pacientes com bronquiectasias apresentam melhores taxas de sobrevida do que aqueles com FC. Assim como nos portadores de FC, a colonização por Pseudomonas sp. também é um fator independente de mortalidade nos pacientes com bronquiectasias. O menor percentual de colonização por esse germe nesse grupo pode ser uma das explicações para esse achado.(16) Outro dado na literatura, já bem estabelecido, é que, entre pacientes com bronquiectasias, a colonização por Staphylococcus aureus está relacionada à maior probabilidade de diagnóstico de FC.(17)

A idade média ao diagnóstico dos indivíduos com FC foi 14 anos, diagnóstico considerado tardio. A ausência de tratamento específico até essa idade piora o prognóstico. Diversos trabalhos na literatura apontam que pacientes com FC diagnosticados na fase adulta apresentam pior evolução tanto sistêmica como pulmonar.(18,19) A pior função pulmonar encontrada nos nossos pacientes sugere a possibilidade de diagnóstico tardio de indivíduos sintomáticos desde a infância e que, por falta de assistência médica especializada, não receberam medidas específicas em tempo adequado.

A literatura ainda tem muitas perguntas e poucas evidências quanto ao tratamento dos portadores de bronquiectasias não causadas por FC. O uso de broncodilatadores, a medicação mais prescrita a nossos pacientes, não deriva de nenhum ensaio clínico randomizado que confirme sua eficácia nesses doentes,(20) assim como ocorre com a maioria das outras opções terapêuticas. O uso de broncodilatadores no grupo de pacientes com bronquiectasias sem FC não atingiu diferença estatística, apesar de terem sido mais utilizados. O critério para o uso de broncodilatadores em nosso serviço baseia-se, principalmente, na queixa de dispneia em pacientes com distúrbio respiratório obstrutivo. Além disso, não há estudos com poder de evidência que justifiquem que técnicas de clareamento das vias aéreas - aparelhos de pressão oscilatória e agentes hiperosmolares - devam ser utilizadas na prática clínica. O uso de corticoides inalatórios é outra terapia bastante controversa. Apesar de seu potencial benefício em reduzir a quantidade de secreção produzida por pacientes com bronquiectasias e melhorar a qualidade de vida avaliada por questionários, seu uso não foi capaz de reduzir o número de exacerbações e a queda da função pulmonar.(21,22)

Em nosso serviço, o uso de corticoides inalatórios apresenta indicações mais individualizadas, como em pacientes com boa resposta ao broncodilatador na espirometria e com grande quantidade de secreção pulmonar. O acesso mais fácil a dispositivos combinados (broncodilatadores de longa duração + corticoides inalatórios) em nosso meio, em substituição ao uso de broncodilatadores isoladamente, também é um fator que pode ter contribuído para a maior prevalência do uso de corticoides inalatórios.

A teoria de que a supressão crônica de uma infecção bacteriana com antibioticoterapia prolongada pudesse mudar o prognóstico em indivíduos com bronquiectasias não causadas por FC não foi confirmada. Em uma revisão sistemática, demonstrou-se um benefício discreto na redução da quantidade e da purulência do escarro, mas sem impacto em desfechos clínicos importantes.(23) O tratamento com antibiótico inalatório para Pseudomonas sp. também não revelou benefícios clínicos apesar de melhorar a eficácia microbiológica.(24) O transplante de pulmão bilateral é uma opção terapêutica salvadora para casos avançados com limitação funcional importante. Os pacientes devem ser acompanhados de maneira intensiva para garantir um bom preparo nutricional e o controle de infecções. As taxas de sobrevida desse tipo de transplante em pacientes com FC e outras bronquiectasias estão entre as melhores quando comparadas com aquelas de indivíduos submetidos ao transplante devido a outras causas.(25)

A extrapolação do tratamento da FC para portadores de bronquiectasias não causadas por FC pressupõe que esses pacientes apresentam história clínica, função pulmonar e evolução natural semelhantes. A maior colonização por germes patogênicos e a apresentação clínica mais grave nos fibrocísticos fornecem questionamentos quanto à plausibilidade dessa extrapolação. Apesar das limitações inerentes a um estudo retrospectivo de análise de prontuários, observamos que pacientes com bronquiectasias apresentavam um amplo espectro de patologias de base, com manifestações que podem ser bastante distintas, pelo menos entre os dois principais grupos de pacientes com bronquiectasias. Tais diferenças devem ser consideradas na individualização do tratamento.

Conhecer melhor as diferenças entre os indivíduos desses grupos tão heterogêneos é essencial para que futuros estudos de intervenção terapêutica possam ser desenhados.

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* Trabalho realizado na Divisão de Pneumologia, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Rodrigo Abensur Athanazio. Disciplina de Pneumologia, Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 7º andar, Cerqueira César, CEP 05403-000, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 3069-7201. E-mail: rathanazio@yahoo.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 2/12/2009. Aprovado, após revisão, em 5/4/2010.


Sobre os autores

Rodrigo Abensur Athanazio
Médico Residente de Pneumologia. Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Samia Zahi Rached
Médica Residente de Pneumologia. Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Ciro Rohde
Acadêmico de Medicina. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Regina Carvalho Pinto
Médica Assistente. Divisão de Pneumologia. Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Frederico Leon Arrabal Fernandes
Médico Assistente. Divisão de Pneumologia. Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Rafael Stelmach
Médico Assistente. Divisão de Pneumologia. Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

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