A gripe é uma doença infecciosa aguda causada pelo vírus Influenza, de distribuição universal, e que há séculos cursa com epidemias entre os seres humanos.(1,2) Embora na maioria das vezes tenha evolução benigna, em idosos, crianças pequenas e portadores de doenças crônicas, essa infecção pode levar a um expressivo número de óbitos. Em países de clima temperado, com inverno bem definido, a mortalidade por gripe pode chegar a 10% dos indivíduos acometidos.
O Influenza é um RNA vírus que, em função do seu material genético, é classificado em tipos A, B e C. Enquanto os tipos B e C são exclusivamente humanos, variedades do tipo A também causam infecção em aves, porcos, cavalos, baleias, etc. O vírus tipo A também é classificado em subtipos, em função da presença de antígenos glicoproteicos em sua superfície, hemaglutininas e neuraminidases.
Epidemias de gripe são, via de regra, causadas por vírus do tipo A ou B. Isso ocorre porque tais vírus frequentemente sofrem mutações em sua composição antigênica.
Mudanças acentuadas da composição antigênica do vírus Influenza A podem resultar em novos subtipos, como um novo H1N1, com alto potencial patogênico para organismos sem imunidade prévia. As formas com variação antigênica podem surgir pelo contato de seres humanos com aves domésticas ou suínos, levando a coinfecções virais que facilitam a troca e a incorporação de material genético entre microorganismos primariamente humanos e animais. Ao que tudo indica, fenômenos dessa natureza estão na base do desencadeamento das grandes pandemias de gripe ocorridas no século XX: a gripe espanhola (1918-1919), a gripe asiática (1957-1958) e a gripe de Hong Kong (1968-1969).
Em meados de março de 2009 surgiram, no México, casos de gripe associados a um novo subtipo de Influenza A, H1N1. A infecção se espalhou rapidamente, em pouco tempo, caracterizando uma epidemia no país, a qual ameaçava estender-se a outros países. Os relatos iniciais, divulgados pelos meios de comunicação, apontavam para uma taxa de mortalidade excessiva associada com essa nova infecção.
Decorridos dois meses, casos da inicialmente chamada "gripe suína" eram descritos em dezenas de países, inclusive o Brasil.
Dentro desse cenário, é interessante constatarmos o papel que os meios de comunicação, leigos e científicos, vêm desempenhando neste episódio. O pronto noticiário dos fatos relacionados com a epidemia de gripe no México foi muito importante para a população tomar conhecimento da ameaça, assim como para a divulgação das recomendações a serem adotadas para detê-la. O uso da mídia eletrônica, por autoridades médicas e sanitárias, foi um instrumento fundamental para a transmissão de informações responsáveis, embasadas e confiáveis. Ainda que possa ter ocorrido, eventualmente, um pequeno grau de sensacionalismo, a televisão, o rádio e a Internet contribuíram substancialmente para a adequada divulgação da natureza do problema e das medidas preventivas necessárias junto à população geral.
É importante salientar que a rede mundial de computadores é, nos dias de hoje, fonte inesgotável de informação e saber. Em curtíssimo tempo, surgiram em sítios oficiais de órgãos de saúde governamentais e de sociedades médicas documentos com informações preciosas, tanto para especialistas como para leigos. Acredito não ser exagero afirmar que os meios de comunicação em massa, incluindo a Internet, são um instrumento fundamental para a contenção da transmissão da agora denominada epidemia de Influenza A (H1N1).
E o que dizer do papel atribuível aos periódicos científicos tradicionais? A responsabilidade desses jornais numa situação dessas é gigantesca.
Inicialmente, compete-lhes a divulgação de sólidas recomendações de natureza médica e epidemiológica, escritas por especialistas e formadores de opinião dentro da área. Além disso, novas informações científicas relacionadas à epidemia de gripe, geradas por pesquisadores de ponta atuando constantemente em redes de vigilância epidemiológica, deverão ser rapidamente traduzidas em artigos científicos confiáveis e disponibilizadas prontamente para seus leitores. Certamente que tais tarefas não são fáceis, pois envolvem, inclusive, a colaboração de revisores dispostos a avaliar artigos numa questão de poucas horas.
Com satisfação, podemos constatar que o desafio imposto pela realidade da gripe epidêmica aos periódicos científicos tradicionais vem recebendo uma resposta a altura. Uma pesquisa no sistema de busca PubMed, efetuada em 10 de maio de 2009, mostra a ocorrência de pelo menos 20 artigos relacionados com a epidemia, publicados nos últimos dois meses. Tais textos foram disponibilizados em revistas de renome, tais como New England Journal of Medicine, Science, Nature, British Medical Journal e Morbidity and Mortality Weekly Report (MMWR).
A primeira referência à presente epidemia por Influenza A ocorreu em um artigo publicado na MMWR, em 24 de abril.(3) No momento, já está disponível on line o sequenciamento genético do vírus em questão, tendo sido constatado que na sua composição genética há elementos suínos, aviários e humanos.(4) De fato, variedades de vírus Influenza A com tais características já haviam sido detectados em casos esporádicos de gripe nos Estados Unidos desde 1998.(5) As características clínicas de 642 casos confirmados da doença também já estão disponíveis em um artigo publicado "ahead of print".(6) Naturalmente, a agilidade da divulgação desses dados só é possível por causa da existência de versões eletrônicas das publicações científicas. Certamente que esse é o futuro da editoração científica, devido a sua maior agilidade e velocidade de divulgação, menores custos, e correção ambiental.
Dentro do esforço mundial de contenção da atual epidemia de gripe Influenza A (H1N1), o Jornal Brasileiro de Pneumologia publica, neste fascículo, um artigo especial, que procura sumarizar o conhecimento atualmente disponível sobre o problema.(7) Ainda que o número de casos descritos no Brasil, até o momento, seja exíguo, o texto procura dar substrato teórico e recomendações práticas para a atuação do pneumologista clínico. Esse manuscrito foi escrito a convite, em tempo recorde, pela Profa. Dra. Alcyone Artioli Machado da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, a quem tornamos público nossos efusivos agradecimentos. Além disso, neste fascículo também contamos com um artigo de revisão escrito por Andrade et al.,(8) no qual aspectos adicionais, relacionados com outra variedade do vírus Influenza A, o H5N1, são discutidos. Esse último subtipo de vírus, responsável pela "gripe aviária", guarda o potencial de causar doença grave em humanos, como observado em epidemias localizadas ocorridas em anos recentes.
Estima-se que o número de óbitos provocados pela gripe espanhola, entre 1918 e 1919, possa ter excedido 50 milhões. Naquela época, o transporte intercontinental era feito essencialmente por navios, e a duração dos deslocamentos das pessoas podia durar semanas ou mesmo meses. Nos dias atuais, viagens intercontinentais duram apenas horas. Na era do jato, há enorme facilidade para a disseminação de vírus letais. Uma das armas para combater tais riscos está na velocidade das comunicações. A pronta divulgação da existência dos riscos e das medidas profiláticas recomendadas guarda o potencial de restringir os surtos infecciosos. O desenvolvimento de publicações científicas eletrônicas ágeis e sintonizadas com as necessidades da saúde coletiva é certamente de importância fundamental para o sucesso desses esforços.
José Antônio Baddini Martinez
Editor-Chefe do Jornal Brasileiro de Pneumologia
Referências
1 .Lynch JP 3rd, Walsh EE, Influenza: evolving strategies in treatment and prevention. Semin Respir Crit Care Med. 2007;28(2):144-58.
2. Glezen WP. Clinical practice: Preventive and treatment of seasonal influenza. N Engl J Med. 2008;359(24):2579-85.
3. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Swine influenza A (H1N1) infection in two children--Southern California, March-April 2009. MMWR Morb Mortal Wkly Rep.2009;58(15):400-2.
4. NCBI Influenza Virus Resource [homepage on the Internet].Bethseda: National Center for Biotechnology Information; c2009 [updated 2009 Apr 29; cited 2009 May 12 2009]. Gen Bank sequences from 2009 H1N1 influenza outbreak;.[about 11 screens] Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/genomes/FLU/SwineFlu.html.
5. NCBI Influenza Virus Resource [homepage on the Internet].Bethseda: National Center for Biotechnology Information; c2009 [updated 2009 Apr 29; cited 2009 May 12]. Gen Bank sequences from 2009 H1N1 influenza outbreak; [about 11 screens] Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/genomes/FLU/SwineFlu.html.
6. Novel Swine-Origin Influenza A (H1N1) Virus Investigation Team. Emergence of a Novel Swine-Origin Influenza A (H1N1) Virus in Humans. N Engl J Med. 2009 May 7 [Epub ahead of print].
7. Machado AA. How to prevent, recognize and diagnose infection with the swine-origin Influenza A (H1N1) virus in humans. J Bras Pneumol. 2009;35(5):489-94.
8. Andrade CR, Ibiapina CC, Champs NS, Toledo Jr ACC, Picinin IFM. Avian influenza: the threat of 21st century. J Bras Pneumol. 2009;35(5):464-73.