ABSTRACT
Objective: To determine the relationship between nutritional status and dietary intake in patients with cystic fibrosis. Methods: Cross-sectional study involving 85 cystic fibrosis patients between 6 and 18 years of age. Dietary intake was evaluated by the 3-day diet record (weighing the food consumed). The outcome measures were the following nutritional status indicators: weight/height (W/H%) percentage, body mass index (BMI) percentiles, Z score for weight/age (W/A), Z score for height/age (H/A) and percentage of dietary intake compared with the Recommended Dietary Allowance (RDA). Results: The prevalence of well-nourished patients was 77.7%, using BMI above the 25th percentile as the cut-off value, and the W/H% was above 90% in 83.5%. The mean dietary intake, evaluated in 82 patients, was 124.5% of the RDA. In the univariate logistic regression analyses, we found a significant association between the independent variable calorie intake and the Z score for W/A. The multivariate analysis, based on the Z score for H/A and adjusted for FEV1, methicillin-resistant Staphylococcus aureus colonization and number of hospitalizations, demonstrated that a 1% increase in the calorie intake decreases the chance of having short stature by 2% (OR: 0.98; 95% CI: 0.96-1.00). Maternal level of education showed a borderline association (p = 0.054). Conclusions: The prevalence of malnutrition was low in this sample of patients. The study model demonstrated an association between dietary intake and nutritional status. Dietary intake was a predictive factor of statural growth in patients with cystic fibrosis.
Keywords:
Cystic fibrosis; Nutritional status; Diet records; Child; Adolescent.
RESUMO
Objetivo: Determinar a relação entre o estado nutricional e a ingestão dietética de pacientes com fibrose cística. Métodos: Estudo transversal com 85 pacientes com fibrose cística entre 6 e 18 anos de idade. A ingestão dietética foi avaliada pelo registro alimentar de 3 dias com a pesagem dos alimentos consumidos. Os desfechos avaliados foram os seguintes indicadores do estado nutricional: percentual da relação peso/estatura (%P/E), percentil do índice de massa corpórea (IMC), escore Z para estatura/idade (E/I) e peso/idade (P/I), e percentual de ingestão dietética comparada a Recommended Dietary Allowances (RDAs). Resultados: A prevalência de pacientes eutróficos foi de 77,7%, considerando o IMC acima do percentil 25 como ponto de corte, e 83,5% estavam acima de 90% do %P/E. A média de ingestão, avaliada em 82 pacientes, foi de 124,5% da RDA. Nas análises de regressão logística univariada, encontrou-se uma associação significativa entre a variável independente ingestão calórica e o desfecho escore Z E/I. O modelo de análise multivariado, elaborado a partir do desfecho escore Z E/I e ajustado para idade, VEF1, colonização por Staphylococcus aureus resistente à meticilina e número de internações hospitalares, demonstrou que um aumento de 1% da ingestão calórica em relação à RDA diminui em 2% a chance de ter déficit de estatura (OR = 0,98; IC95%: 0,96-1,00). A escolaridade materna demonstrou uma associação limítrofe (p = 0,054). Conclusões: Houve baixa prevalência de desnutrição nesta amostra. O modelo de estudo demonstrou evidências da associação entre a ingestão dietética e o estado nutricional, sendo esta ingestão um fator preditor de crescimento nesses pacientes.
Palavras-chave:
Fibrose cística; Estado nutricional; Registros de dieta; Criança; Adolescente.
IntroduçãoA desnutrição é uma importante causa de mortalidade em crianças, jovens e adultos com fibrose cística (FC), estando relacionada à progressão dessa doença. Os fatores que contribuem para a perpetuação do agravamento nutricional podem estar relacionados ao aumento da necessidade nutricional, à redução da ingestão e ao aumento das perdas.(1)
O aumento da necessidade energética, a diminuição da ingestão e o aumento das perdas estão relacionados com a deterioração da função pulmonar, anorexia, vômitos, insuficiência pancreática, atividade inflamatória crônica e complicações biliares e intestinais, levando à consequente perda de massa magra e depleção da função imunológica.(2)
A recomendação de ingestão diária de energia baseia-se na elevação do gasto energético apresentado por esses pacientes. Admite-se que os pacientes portadores de FC necessitam de, pelo menos, 120-150% da energia estabelecida pelas Recommended Dietary Allowances (RDAs) de 1989.(3) Nada indica precisamente qual a porcentagem dessa maior necessidade, pois ela é dependente da má absorção intestinal e da aceleração do metabolismo.(2)
Apesar dos avanços do tratamento clínico e nutricional, a Cystic Fibrosis Foundation, que compila os dados dos pacientes americanos com FC, relatou que 15,7% e 16,3% desses pacientes apresentavam valores abaixo do percentil 5 para peso e estatura, respectivamente, em 2004.(4) Em 1993, o Registro Latino Americano de Fibrose Cística demonstrou que mais de 50% dos pacientes se encontravam abaixo do percentil 3 de peso e que 46,7% dos pacientes estavam abaixo do mesmo percentil na relação estatura para idade.(5)
O padrão de ingestão dietética em pacientes com FC parece ter uma relação direta com o crescimento e o estado nutricional dos mesmos; por outro lado, a estatura também pode estar relacionada à sobrevida nesses pacientes.(6) Este estudo objetivou determinar a relação entre o estado nutricional e a ingestão dietética de pacientes com FC de 6-18 anos de idade atendidos em um centro de referência no Brasil.
MétodosTrata-se de um estudo transversal cujos dados foram coletados entre julho de 2004 e dezembro de 2005, durante o acompanhamento ambulatorial de rotina dos pacientes com FC. Foram incluídos, consecutivamente, todos os pacientes (n = 88) com FC, com idades entre 6 e 18 anos, não colonizados por Burkholderia cepacia e em acompanhamento pela equipe de Pneumologia Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), RS. Para sua inclusão no estudo, os pacientes deveriam ter história clínica de FC e dosagem de sódio e cloreto elevados no suor ou a identificação de duas mutações. Foram excluídos 2 pacientes com doença terminal e 1 paciente devido à impossibilidade de se obter o termo de consentimento livre e esclarecido.
Foi utilizado como instrumento para a coleta de dados uma ficha onde constavam os seguintes campos: data de nascimento, gênero, idade, escolaridade da mãe do paciente, suplementação enzimática e vitamínica, colonização bacteriana, VEF1 e número de internações hospitalares desde o diagnóstico. A insuficiência pancreática foi determinada pela avaliação do uso de enzimas pancreáticas. A colonização bacteriana foi baseada nas amostras de escarro dos últimos doze meses.
A espirometria foi realizada para a aferição de VEF1, parâmetro mais comumente empregado para quantificar o defeito ventilatório obstrutivo, característico na FC. Foram realizadas curvas fluxo-volume através de um espirômetro Master Screen (Jaeger, Würzburg, Alemanha), utilizando-se a tabela de Zapletal et al. para os valores previstos.(7) A espirometria foi realizada sempre pelo mesmo avaliador, e sua qualidade foi avaliada pelo médico assistente mediante a análise das curvas.
A ingestão dietética foi avaliada pelo registro alimentar de três dias, não consecutivos, com pesagem dos alimentos consumidos. Para a pesagem dos alimentos foi fornecida uma balança com capacidade máxima de 2 kg e com divisão mínima de 25 g; para medir os líquidos, foi fornecido um copo medidor de plástico tipo béquer com capacidade para 600 mL e com divisões mínimas de 10 mL. O paciente e/ou os pais (ou responsáveis) foram treinados para preencher corretamente esse registro alimentar de três dias.(8) Esse inquérito foi realizado referente a dois dias da semana não consecutivos e um dia de fim de semana, sendo que todas as preparações caseiras deveriam ser anotadas, com os devidos ingredientes utilizados, além da quantidade de óleo utilizada por mês pela família. O cálculo do registro alimentar foi realizado através do programa Sistema de Apoio à Decisão em Nutrição da Escola Paulista de Medicina(9) e comparado com as RDAs.(3)
A avaliação antropométrica ocorreu durante a consulta, após a obtenção do termo de consentimento livre e esclarecido pelos responsáveis. O peso e a estatura foram mensurados sempre pelo mesmo avaliador através de técnicas padronizadas. O peso foi obtido, com o paciente vestindo apenas um avental padronizado, em uma balança eletrônica (Filizola, São Paulo, Brasil) com carga máxima de 150 kg e variação de 50 g. A estatura foi mensurada em um estadiômetro fixo na parede da marca Sanny (American Medical do Brasil, São Bernardo do Campo, Brasil) com o paciente sem calçados ou adereços no cabelo, com os calcanhares unidos, de costas para o antropômetro, os braços relaxados ao longo do corpo e a cabeça na posição vertical, com os olhos fixos à frente.
Enquanto o avaliado inspirava, o cursor horizontal era abaixado até o ponto mais alto da cabeça. A medida da circunferência do braço (CB) foi obtida no ponto médio do braço não dominante com uma fita métrica flexível e inextensível. A dobra cutânea tricipital (DCT) foi medida no ponto médio do braço não dominante com um compasso de dobras cutâneas (Harpenden; British Indicators, Burguess Hill, Reino Unido). A circunferência muscular do braço (CMB) foi calculada pela seguinte equação: CMB (cm) = CB − DCT (mm) × 0,314. Todos os valores foram comparados com os critérios estabelecidos por Frisancho.(10)
Os parâmetros nutricionais utilizados foram o escore Z para os índices peso/idade (P/I) e estatura/idade (E/I), conforme padrões do National Center for Health Statistics, percentil de índice de massa corpórea (PIMC) e a relação peso/estatura em porcentagem (%P/E), calculada através da divisão entre o peso atual e o peso do percentil correspondente à estatura × 100. Esses dois últimos parâmetros foram utilizados por serem os indicadores nutricionais recomendados em dois consensos,(11,12) nos quais foram estabelecidos, como pontos de corte para determinar falha nutricional, risco nutricional e desnutrição, respectivamente, valores abaixo de 90% de %P/E, PIMC entre os percentis 10 e 25, e PIMC abaixo do percentil 10.
Para a análise dos dados, foram calculadas frequências, médias e medianas das variáveis dependentes e independentes. Foi utilizada também a regressão logística univariada entre os fatores em estudo com os desfechos que representavam o estado nutricional (%P/E, escore Z E/I, escore Z P/I e PIMC). Foram incluídas no modelo multivariado as variáveis que tiveram p ≤ 0,25. O nível de significância adotado foi de 0,05, e as análises foram realizadas através do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 12.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).
O estudo foi aprovado pela Comissão de Pesquisa e Ética em Saúde do Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do HCPA (Projeto 03-389). Os recursos necessários para a compra de balanças e copos medidores foram solicitados ao Fundo de Incentivo a Pesquisa.
ResultadosA amostra consistiu de 85 pacientes, sendo 55,3% do sexo masculino, com média de idade de 11,2 ± 3,2 anos. A idade variou entre 6,0 e 17,5 anos. Desses pacientes, 39 (45,9%) eram procedentes de Porto Alegre e de sua região metropolitana, 17 (20,0%) eram da região nordeste do estado, e os restantes pertenciam às demais regiões do estado. A insuficiência pancreática estava presente em 87,1% dos pacientes. A suplementação vitamínica era utilizada regularmente por 97,6% dos pacientes. Os suplementos nutricionais regularmente utilizados por esses pacientes eram polímeros de glicose e dieta líquida hipercalórica com 1,5 kcal/mL; 65,9% dos pacientes utilizavam um ou mais suplementos v.o., e 9,4% faziam suplementação noturna por gastrostomia.
A média de anos de escolaridade materna foi de 9,0 ± 3,8 anos, e 34% delas apresentavam o ensino fundamental incompleto. Quanto à presença de colonização bacteriana no último ano, 74,1% dos pacientes apresentaram Staphylococcus aureus, 18,8% apresentaram S. aureus resistente à meticilina (MRSA, do inglês methicillin-resistant S. aureus), 52,9% apresentaram Pseudomonas aeruginosa, e 24,7% apresentavam P. aeruginosa mucoide. A média de VEF1 foi de 84,1 ± 24,4%. A mediana do número de internações foi igual a 5, com intervalo interquartil entre 2 e 11.
De acordo com os quatro indicadores do estado nutricional avaliados neste estudo, todas as médias ficaram dentro dos pontos de corte para eutrofia, demonstrando o adequado estado nutricional encontrado nesta amostra (Tabela 1). Neste estudo, 16,5% dos pacientes apresentavam %P/E igual ou abaixo de 90%, 14,1% tinham PIMC entre os percentis 10 e 25, e 8,2% tinham PIMC abaixo do percentil 10.
Em relação à composição corporal, foi encontrada uma depleção de reserva de gordura, pela medição da DCT, em 10,6% dos pacientes. Houve depleção de massa muscular, estimada pela CMB, em 16,5% dos pacientes (Tabela 1).
A média percentual de ingestão calórica, avaliada em 82 pacientes, foi de 124,6% da RDA. A prevalência de pacientes que apresentaram ingestão energética acima de 120% da RDA foi de 51,7% (Tabela 1).
Na Figura 1, demonstra-se que os pacientes que ingeriam calorias acima de 120% da RDA tinham mediana de PIMC com valor de 56; já os que ingeriam calorias abaixo dessas recomendações, mantinham uma mediana de PIMC igual a 34,9.
A Tabela 2 apresenta a associação entre a ingestão calórica e o estado nutricional, avaliado pelas variáveis dependentes %P/E, PIMC, escore Z E/I e escore Z P/I mediante análises de regressão logística univariadas. Os indicadores do estado nutricional avaliados foram dicotomizados, utilizando-se os pontos de corte para desnutrição conforme consensos de FC(11,12) e da Organização Mundial da Saúde.(13) Na análise bruta, houve uma associação significativa entre a variável independente ingestão calórica e o desfecho escore Z E/I.
O modelo de análise multivariado foi elaborado a partir do desfecho escore Z E/I, já que a associação desse desfecho com a ingestão calórica foi verificada na análise bruta. Baseando-se na hipótese de que a ingestão calórica está associada ao crescimento, foram incluídas no modelo multivariado as variáveis independentes que tiveram, na análise bruta com o escore Z E/I, um valor p de até 0,25. Assim, utilizando-se o escore Z E/I, dicotomizado em eutrofia e não-eutrofia (acima de −1,28), foram incluídas no modelo as seguintes variáveis: ingestão calórica ajustada à RDA, escolaridade da mãe, colonização por MRSA, VEF1, idade e número de internações hospitalares. Esse modelo de regressão logística, conforme o teste estatístico de Hosmer e Lemeshow, mostrou-se ajustado (qui-quadrado = 5,57; p = 0,7).
O aumento de um percentual, em relação à RDA, de ingestão calórica, diminui em 2% a chance de haver déficit de estatura (OR = 0,98; IC95%: 0,96-1,00), ajustando-se para idade, VEF1, colonização por MRSA e número de internações hospitalares (Tabela 3). A escolaridade materna parece influenciar o indicador nutricional relacionado com o crescimento, ou seja, parece haver um efeito protetor da maior escolaridade da mãe sobre o indicador nutricional relacionado ao crescimento. Entretanto, na análise multivariada, essa associação permaneceu limítrofe para a significância estatística (p = 0,054).
DiscussãoOs parâmetros nutricionais desta amostra podem ser comparados com os de pacientes atendidos nos centros de FC de países desenvolvidos(4) devido à baixa prevalência de desnutrição, mesmo se avaliados através dos critérios rigorosos estabelecidos pelos consensos de FC e considerando-se as condições socioeconômicas de um país em desenvolvimento. Supõe-se que tais achados possam estar relacionados ao manejo interdisciplinar de um centro de referência, como observado em um estudo.(14) Um estudo norte-americano com 22.714 pacientes com FC demonstrou uma tendência à melhora do estado nutricional por idade nesses pacientes na última década.(4)
Dados do United Kingdom Cystic Fibrosis Registry revelaram que a média do escore Z do peso de meninos de até 10 anos de idade foi de −0,25 à −0,5; após essa idade, houve declínio no IMC. As meninas apresentavam um escore Z de −0,5; tendo uma queda no IMC após 5 anos de seguimento.(15) No presente estudo, dados semelhantes foram encontrados como, por exemplo, o escore Z P/I e o escore Z E/I tiveram médias iguais a −0,27 ± 1,16 e −0,24 ± 1,07, respectivamente.
No presente estudo, a depleção de reserva de gordura e a e depleção de massa muscular foram encontradas em 10,6% e 16,5% dos pacientes, respectivamente. Em um estudo na cidade de Florianópolis com 13 pacientes com idades entre 2 e 20 anos, 46,1% dos pacientes apresentaram depleção muscular.(16) A análise da composição corporal em pacientes com FC é justificada devido ao estado crônico de estresse catabólico ou de desnutrição ligados a exacerbações pulmonares que afetam adversamente o balanço energético e o metabolismo proteico, comprometendo principalmente a reserva corporal proteica.
A boa aderência ao tratamento nutricional nesta amostra também pode ser observada pela ingestão energética. A média de ingestão, comparada com a RDA, dos 82 pacientes avaliados foi de 124,56% da RDA, sendo a distribuição média de nutrientes da seguinte forma: 14,6% de proteínas, 29,9% de lipídios e 55,2% de carboidratos. Um estudo conduzido com adolescentes revelou que meninos e meninas com crescimento normal consumiam em média 110% da RDA.(17) Outro estudo demonstrou que a ingestão de nutrientes em pacientes com FC era semelhante à recomendação para idade e sexo.(18) Alguns autores encontraram uma média de ingestão energética de 117% da RDA e percentuais de nutrientes de 35,7% de lipídios, 47,9% de carboidratos e 15,2% de proteínas, sendo que somente 40% dos pacientes atingiram a recomendação de 120% da RDA.(19) Os percentuais de macronutrientes encontrados no presente estudo estão dentro do padrão recomendado para a população em geral, evidenciando um equilíbrio na distribuição da dieta. No entanto, a contribuição dos alimentos ricos em gordura poderia ser um pouco maior em detrimento dos carboidratos.
O presente estudo, por tratar-se de uma análise transversal, aponta apenas para as associações, sem, contudo, ser possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre a ingestão alimentar e o comprometimento do estado nutricional.
A ingestão calórica foi associada somente ao indicador nutricional escore Z E/I nas análises brutas. O déficit de estatura para a idade pode representar a presença de desnutrição intrauterina ou a presença crônica de desnutrição.(20) Há evidências de que redução de altura é mais importante para determinar a sobrevida que a redução de peso para estatura na FC.(6,21) O efeito da baixa estatura na sobrevida pode ser influenciado por falha de crescimento em um período da vida de importante crescimento e desenvolvimento pulmonar.(6)
Na análise multivariada, ajustando-se para colonização bacteriana por MRSA, idade, número de internações e VEF1, a baixa escolaridade materna apresentou uma associação limítrofe para o déficit estatural. Em um estudo sobre a relação da capacidade materna de cuidar e a desnutrição, observou-se que a baixa escolaridade materna duplicou o risco de desnutrição.(22) Alguns autores verificaram que pacientes com FC mais pobres apresentavam valores de função pulmonar e estado nutricional mais deteriorados, além de um risco de morrer 3,65 vezes maior.(23) Outro estudo recente demonstrou que pacientes com melhor nível socioeconômico apresentam risco 40% menor em relação à mortalidade quando comparados com pacientes de nível socioeconômico inferior.(24)
Por outro lado, a ingestão calórica no modelo multivariado foi um fator preditor de estatura em pacientes com FC, ou seja, quanto maior a ingestão calórica, menor o risco de desnutrição por déficit estatural, ajustando-se para idade, colonização por MRSA, VEF1, número de internações hospitalares e anos de escolaridade da mãe. Um estudo demonstrou um aumento significativo no escore Z E/I após uma intervenção nutricional, através da qual os pacientes com FC atingiram uma ingestão calórica de 132% da RDA.(25)
A importância do estado nutricional em pacientes com FC é bem conhecida e tem sido largamente documentada. O presente trabalho demonstra evidências da associação da ingestão calórica com o estado nutricional, relacionando o perfil dietético como um fator preditor de estatura nesses pacientes.
AgradecimentosAos pacientes que se dispuseram a colaborar com o estudo. Ao HCPA - Serviço de Pneumologia, Seção de Pneumologia Pediátrica e Serviço de Nutrição e Dietética, agradecemos o apoio.
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Trabalho realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Míriam Isabel Souza dos Santos Simon. Av. Ramiro Barcelos, 2350, CEP 90035-903, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 2101-8410. E-mail: misantos@hcpa.ufrgs.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE) e do Grupo de Pós-Graduação e Pesquisa (GPPG) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Recebido para publicação em 3/9/2008. Aprovado, após revisão, em 1/6/2009.
Sobre os autoresMíriam Isabel Souza dos Santos Simon
Chefe do Serviço de Nutrição e Dietética. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Michele Drehmer
Doutorando em Epidemiologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Sérgio Saldanha Menna-Barreto
Professor Titular. Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.