Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
8069
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Fatores associados à experimentação do cigarro em adolescentes

Factors associated with cigarette experimentation among adolescents

Maristela Prado e Silva, Regina Maria Veras Gonçalves da Silva, Clovis Botelho

ABSTRACT

Objective: To assess the prevalence of and factors associated with smoking experimentation among adolescents. Methods: Cross-sectional study, using a specific questionnaire to interview 2,883 students from 7th to 10th grade in schools located in the urban area of the city of Cuiabá, in the state of Mato Grosso, Brazil. Prevalence was estimated, and the principal factors related to cigarette experimentation were analyzed. Subsequently, a hierarchical logistic model was used to describe the chances of cigarette experimentation related to the variables being investigated. Results: The prevalence of cigarette experimentation was 30.2%. In the final model of the analysis, the main variables related to cigarette experimentation were low maternal level of education (OR = 2.44; 95% CI: 1.72-3.47); low socioeconomic level (OR = 1.39; 95% CI: 1.01-1.93); studying in a public school (OR = 1.56; 95% CI: 1.22-2.00); being in 10th grade (OR = 3.45; 95% CI: 2.63-4.54); attending school in the evening (OR = 2.44; 95% CI: 1.85-3.22); having divorced parents (OR = 1.23; 95% CI: 1.02-1.49); having been held back for one school year (OR = 2.17; 95% CI: 1.78-2.70); having friends who smoke (OR = 3.75; 95% CI: 2.99-4.70) having a sibling who smokes (OR = 2.44; 95% CI: 1.82-3.27); and being older (age 17-19 years) (OR = 2.44; 95% CI: 1.39-4.17). Conclusions: A high proportion of adolescents have experimented with smoking. After adjusting for confounding variables, the factors most strongly associated with cigarette experimentation were maternal level of education, age of the adolescent, attending school in the evening, having been held back for one school year and having a sibling who smokes. Preventive measures must be directed at adolescents in schools in order to control smoking.

Keywords: Smoking; Adolescent; Students; Risk factors.

RESUMO

Objetivo: Analisar a prevalência e os fatores associados à experimentação do cigarro em adolescentes. Métodos: Estudo transversal, utilizando-se questionário específico, onde foram entrevistados 2.883 estudantes do ensino fundamental e do 1º ano do ensino médio, de escolas localizadas na zona urbana da cidade de Cuiabá (MT). Estimou-se a prevalência e foram analisados os principais fatores relacionados à experimentação do cigarro. Após isso, obteve-se um modelo logístico hierarquizado descrevendo as chances da experimentação do cigarro relacionada com as variáveis investigadas. Resultados: A prevalência da experimentação do cigarro foi de 30,2%. No modelo final de análise, as principais variáveis relacionadas com a experimentação do cigarro foram menor nível de escolaridade da mãe (OR = 2,44; IC95%: 1,72‑3,47); menor nível socioeconômico (OR = 1,39; IC95%: 1,01-1,93); estudar na escola pública (OR = 1,56; IC95%: 1,22-2,00); estar no 1º ano do ensino médio (OR = 3,45; IC95%: 2,63-4,54); estudar no período noturno (OR = 2,44; 1,85-3,22); ter pais separados (OR = 1,23; IC95%: 1,02-1,49); já ter sido reprovado na escola (OR = 2,17; IC95%: 1,78-2,70); ter amigos fumantes (OR = 3,75; IC95%: 2,99-4,70); ter irmãos fumantes (OR = 2,44; IC95%: 1,82-3,27); e ser mais velho (17-19 anos) (OR = 2,44; IC95%: 1,39-4,17). Conclusões: Foi alta proporção de adolescentes que experimentaram o cigarro. Após ajuste para variáveis de confusão os fatores mais fortemente associados à experimentação do cigarro foram nível de escolaridade da mãe, idade do adolescente, estudar no período noturno, já ter sido reprovado na escola e ter amigos e irmãos fumantes. Medidas preventivas devem ser direcionadas aos adolescentes, dentro das instituições escolares, como forma de controle do tabagismo.

Palavras-chave: Tabagismo; Adolescente; Estudantes; Fatores de risco.

Introdução

O tabaco é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a maior causa isolada de adoecimento e morte evitável no mundo. Aproximadamente 25% de todos os fumantes regulares morrem precocemente devido a doenças associadas ao tabaco, perdendo cerca de 20 anos de vida.(1) O tabagismo responde por 40-45% de todas as mortes por câncer, 90-95% das mortes por câncer de pulmão, 75% das mortes por doença pulmonar obstrutiva crônica, cerca de 20% das mortes por doenças vasculares e 35% das mortes por doenças cardiovasculares.(2,3)

Como o tabaco é a segunda droga mais consumida entre os jovens de todo o mundo, o tabagismo é considerado hoje como uma doença pediátrica,(4) já que a maioria dos jovens começa a fumar ainda na adolescência. Em uma pesquisa realizada entre os anos de 1999 e 2002 pela OMS em 23 países da América Latina e nações americanas de língua inglesa, verificou-se que a faixa etária dos 13 aos 15 anos é a que apresenta maior susceptibilidade para o uso do cigarro.(5)

No Brasil, uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde(4) revelou que o uso inicial de tabaco é bastante precoce na vida dos estudantes de doze capitais brasileiras, sendo que, em cidades como Vitória e Boa Vista, quase 40% dos jovens experimentam o cigarro com até 11 anos.

Em Cuiabá (MT) não existe, até o momento, nenhum estudo sobre a experimentação do cigarro entre adolescentes. Considerando que a experimentação é fator determinante para a prevalência do tabagismo na vida adulta, este estudo tem como objetivo analisar as principais variáveis associadas a este evento, com a finalidade de fornecer subsídios para que futuras diretrizes educativas sejam estimuladas junto aos escolares.

Métodos

Foi realizado um estudo observacional, de delineamento transversal com adolescentes de ambos os gêneros com idade entre 10 e 19 anos, regularmente matriculados no ensino fundamental e médio de escolas localizadas na zona urbana da cidade de Cuiabá (MT).

Embora no Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente(6) classifique como adolescente o indivíduo com idade entre 12 e 18 anos, neste estudo optou-se pela classificação da OMS que considera a faixa etária de 10 a 19 anos.(7)

Para o cálculo do tamanho da amostra, definiu-se um poder de 80%, um erro amostral de 5%, um nível de confiança de 95% e uma prevalência de experimentação do cigarro estimada em 12%. A estimativa da prevalência de experimentação do cigarro teve como base o estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas que mostrou, entre outras drogas, que o uso de cigarro no ano de 2004 entre estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública de Cuiabá (MT) foi de 12,3%,(8) totalizando 2.248 estudantes. Acrescentou-se a esse número uma previsão de perdas ou recusas de 25%.

Participaram da pesquisa 2.883 adolescentes, sendo 56,6% de escolas públicas e 43,4% de escolas privadas, pertencentes às turmas de 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e 1ª série do Ensino Médio. Para diminuir a não-resposta, foram feitos três retornos às escolas, com o intuito de contatar os alunos faltosos nas visitas anteriores. Foram excluídos do estudo os alunos com idade igual ou superior a 20 anos. Além disso, foram descartados todos os questionários que estivessem ilegíveis, mal preenchidos, rasurados e sem data de nascimento.

Para levantamento dos dados foi utilizado um questionário fechado, de autopreenchimento, sem identificação do estudante, padronizado, pré-codificado, desenvolvido pelos autores, tendo como base o questionário do Instituto Nacional do Câncer para aplicação entre escolares.(9) O questionário foi previamente testado entre os adolescentes de uma escola, não incluída neste estudo, com o objetivo de testar sua compreensão pelos estudantes, corrigir as possíveis falhas e padronizar o instrumento para coleta dos dados.

Foram recolhidas informações sobre o nível socioeconômico das famílias, a escolaridade dos pais dos estudantes, o tabagismo dos pais e a relação conjugal dos mesmos, a data de nascimento do adolescente, a idade em que experimentou o cigarro, o gênero, o tipo de escola (pública ou privada), a série e turno em que o adolescente estudava, se o mesmo já havia sido reprovado, se a escola já tinha fornecido orientações sobre os malefícios do cigarro em sala de aula, e se os amigos e irmãos fumavam. Questionou-se ainda sobre a realização de atividade física e se os alunos seguiam alguma religião.

Foram considerados experimentadores aqueles adolescentes que declararam já ter experimentado o cigarro em algum momento da vida.

A escolaridade dos pais dos adolescentes foi classificada em quatro categorias: nível universitário completo ou mais; nível médio completo; nível fundamental completo; e nível fundamental incompleto ou analfabeto.

Para análise do nível socioeconômico das famílias, utilizou-se a classificação preconizada pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa.(10).

A análise dos dados foi realizada com o auxílio dos programas Epi Info 2000 e SPSS versão 9.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Na análise bivariada, a razão de prevalência e seu respectivo intervalo de confiança de 95% foram utilizados como medida de associação entre a variável dependente (experimentação do cigarro) e as demais variáveis estudadas. Nesta etapa, o teste do qui-quadrado foi utilizado para avaliar as diferenças estatísticas entre as proporções. Para verificar a linearidade das associações, utilizou-se o teste do qui-quadrado para tendência linear. Todas as variáveis que se mostraram significantes na análise bivariada foram incluídas na análise multivariada, a qual foi realizada através de regressão logística hierarquizada.(11) As variáveis foram incluídas em blocos, sendo os fatores mais distais, as variáveis sócio-demográficas do adolescente e de sua família, os primeiros a serem incluídos (nível 1), vindo a seguir as variáveis relacionadas às atividades escolares e à relação conjugal dos pais (nível 2) e, finalmente, aquelas relativas ao tabagismo e estilo de vida dos adolescentes (nível 3), consideradas mais próximas do desfecho. As variáveis que não apresentaram significância estatística foram retiradas do modelo.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Mato Grosso (Processo Nº 237, de 18/01/2006), sendo obtida também autorização da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso e dos diretores das escolas para a coleta de dados.

Resultados

Foram estudados 2.883 adolescentes, sendo 1.531 (53,1%) do gênero feminino e 1.352 (46,9%) do gênero masculino, com média de idade de 15,2 e 13,5 anos, respectivamente. Dentre eles, 1.632 (56,6%) eram de escolas públicas e 1.251 (43,4%), de escolas privadas. Quanto à série escolar, 67,6% dos estudantes freqüentavam o Ensino Fundamental (5ª a 8ª série), enquanto que 32,4% se encontravam no 1º ano do Ensino Médio.

Quando questionados sobre a idade em que experimentaram o cigarro pela primeira vez, 13,8% informaram o ter experimentado até os 9 anos, 46,2% entre os 10 e 13 anos e 40,0% com 14 anos ou mais, perfazendo um total de 30,2% de prevalência de experimentação na população estudada.

A Tabela 1 apresenta as variáveis sócio-demográficas dos adolescentes e de suas famílias em relação à experimentação do cigarro. Nota-se que não houve diferença entre os gêneros para a experimentação do cigarro. À medida que o adolescente fica mais velho, maior o risco de experimentar o cigarro.
Verificou-se associação linear e inversa entre a experimentação do cigarro e a escolaridade dos pais e o nível socioeconômico, ou seja, à medida que diminui a escolaridade tanto do pai quanto da mãe e quanto menor o nível socioeconômico da família, maior a probabilidade do adolescente
experimentar o cigarro. Quando o chefe da família é outra pessoa diferente do pai, maior é a probabilidade do adolescente experimentar o cigarro. Além disso, quando os pais dos estudantes são separados, a probabilidade deles experimentarem o cigarro é 35% maior do que quando os pais vivem juntos.



Em relação às atividades escolares e a experimentação do cigarro, verificou-se que os alunos que estudam em escolas públicas têm maior risco de experimentar o cigarro do que aqueles que estudam em escolas privadas. Além disso, a probabilidade de experimentar cigarros aumenta linearmente com o avanço do adolescente para as séries subseqüentes. Da mesma forma, estudar no período noturno, já ter sido reprovado e não ter recebido nenhuma informação sobre cigarro em sala de aula aumentam a probabilidade de o adolescente experimentar o cigarro (Tabela 2).



Dentre as variáveis relacionadas ao tabagismo e estilo de vida dos adolescentes, observou-se que aqueles que possuem pais fumantes têm uma probabilidade 54% maior de experimentar o cigarro do que aqueles cujos pais não fumam. Da mesma forma, aqueles que têm amigos e irmãos fumantes têm mais do que o dobro de probabilidade de experimentar o cigarro do que aqueles que não possuem irmãos nem amigos fumantes. O risco de experimentar o cigarro também aumenta para aqueles que não praticam atividade física, que não têm religião e que trabalham ou recebem algum tipo de remuneração (Tabela 3).




Na Tabela 4 estão os resultados da análise de regressão logística hierarquizada. Filhos cujas mães têm até o nível fundamental completo apresentam maior chance de experimentar o cigarro do que aqueles que as mães têm escolaridade igual ou maior do que o nível médio. Adolescentes pertencentes ao nível socioeconômico D e E (mais baixo) têm uma chance 39% maior de experimentar o cigarro do que aqueles pertencentes a famílias de nível socioeconômico mais elevado. No nível 2 observou-se que alunos da escola pública, com pais separados, estudando no período noturno e nas séries finais do ensino fundamental e no 1º ano do ensino médio têm maior chance de experimentar o cigarro do que aqueles que estudam em escola privada, cujos pais não são separados, que estudam no período diurno e que estão na 5ª e 6ª série do ensino fundamental. No nível 3 foram incluídas as variáveis consideradas mais próximas do desfecho. Nota-se que quando o jovem tem irmão ou amigo que fuma, a chance de experimentar o cigarro é duas vezes maior para os que têm irmãos fumantes, e mais do que o triplo para aqueles que têm amigos fumantes, quando comparados aos que não têm nem amigos nem irmãos que fumam. Da mesma forma, à medida que o adolescente fica mais velho, é maior a chance de experimentar o cigarro.



Discussão

A prevalência de 30,2% para a experimentação do cigarro, encontrada entre os adolescentes deste estudo, pode ser considerada elevada quando se compara com estudos realizados em outras capitais brasileiras.(12) Isto pode ter ocorrido em conseqüência de um aumento da experimentação ao longo dos anos, já que foram estudados adolescentes com idade entre 10 e 19 anos. No entanto, em um estudo(13) com adolescentes escolares na cidade de Belém/PA encontraram-se valores mais elevados de adolescentes que referiram ter experimentado cigarro (44%).

Em relação às variáveis sócio-demográficas, os resultados deste estudo mostraram que o nível socioeconômico e a escolaridade da mãe exerceram efeito independente sobre a experimentação do cigarro. Apesar de se ter incluído no modelo a escolaridade do pai, esta não se mostrou associada ao desfecho. Sabe-se que a escolaridade do pai está mais relacionada com o poder aquisitivo e a renda da família, enquanto que a escolaridade da mãe está mais relacionada com os cuidados maternos da família.(14)

Alguns estudos já mostraram que a educação da mãe é um importante preditor da saúde da família,(14,15) ou seja, à medida que a mãe tem maior acesso às informações, maior é o seu preparo para cuidar da família.
Sabendo que o tabagismo é um hábito danoso à saúde, com certeza evitará
que os filhos se tornem fumantes. Neste estudo, isto pode ser comprovado pela menor prevalência de experimentação de cigarro encontrada entre os adolescentes de mães de escolaridade mais elevada (23,2% vs. 47,9%). Outros estudos também comprovaram que existe uma associação inversa entre escolaridade e prevalência de tabagismo.(16)

Embora alguns autores tenham demonstrado que o tabagismo é mais prevalente no gênero masculino,(17, 18) neste estudo não foi verificada associação significante entre a experimentação do cigarro e o gênero dos adolescentes, após análise multivariada.

A participação das mulheres no número de fumantes vem aumentando, sobretudo nas faixas etárias mais jovens. Até algumas décadas atrás, acreditava-se que os efeitos do uso do tabaco eram mais fortes no gênero masculino. Todavia, à medida que novas gerações de fumantes foram chegando, verificou-se que as mulheres são igualmente ou mais suscetíveis aos malefícios do fumo, devido às peculiaridades próprias do gênero, como a gestação e o uso concomitante da pílula anticoncepcional.(19) Além disso, o fato de as mulheres fumarem como os homens é muito preocupante, tanto do ponto de vista biológico, pelos riscos que traz à sua saúde e a de seus filhos, como também às funções sociais, pois a mulher é um forte modelo de comportamento para seus filhos e para a sociedade.(20)

Embora algumas pesquisas com adolescentes tenham demonstrado que o tabagismo dos pais é fator de risco para a experimentação do cigarro entre seus filhos,(9) neste estudo, após ajustes para fatores de confusão na análise multivariada, não foi verificada associação significante entre o tabagismo dos pais e a experimentação do cigarro entre os adolescentes.

Com relação à vida conjugal dos pais, este estudo mostrou que filhos de pais separados têm chance 23% maior de experimentar o cigarro do que aqueles cujos pais vivem juntos. É possível pensar que este maior risco esteja relacionado aos aspectos sociais e interações emocionais nos quais está inserida a separação, ou seja, o afastamento de um ou ambos os pais, dificuldades econômicas, mudanças de residência, maior distanciamento afetivo, entre outras questões, que podem levar o adolescente a buscar refúgio no uso do cigarro. Resultados similares foram encontrados por autores(21) que verificaram que os adolescentes com pais separados apresentaram maior probabilidade de experimentar o cigarro (16,7%).

Quando se considera o tipo de escola em que o adolescente está matriculado, verifica-se que a chance de experimentar o cigarro é 56% maior para os alunos da escola pública do que para aqueles da escola particular.
Considerando que o tabagismo é mais prevalente entre pessoas de menor poder aquisitivo,(22) é provável que a maior prevalência encontrada entre os alunos da escola pública seja decorrente do menor nível socioeconômico das famílias dos estudantes desta escola.

Observou-se que quanto mais avançada à série escolar dos adolescentes, maior o risco de experimentar o cigarro. Com isso, quem está no 1º ano do 2º grau tem 3,5 vezes mais chance de experimentar o cigarro do que os alunos que estão na 5ª e na 6ª série do ensino fundamental. Ao contrário, outro estudo (23) mostrou que adolescentes com até 4 anos de escolaridade tinham chance 3,5 vezes maior de experimentar o cigarro em comparação com adolescentes com 9 anos ou mais de escolaridade.

Assim como observado em outros estudos,(24,25) houve maior proporção de experimentação do cigarro entre os alunos que estudavam no período noturno, os quais apresentaram mais do que o dobro de chance de experimentar o cigarro que aqueles que estudavam durante o dia (OR = 2,44; IC95%, 1,85-3,22). Talvez isto possa ser explicado pela maior faixa etária desses estudantes e que também exercem atividades remuneradas.

Os alunos que já haviam sido reprovados alguma vez na vida na escola tinham uma chance 2,2 vezes maior de experimentar o cigarro do que aqueles que nunca foram reprovados. Outros estudos também encontraram resultados semelhantes, mostrando associação entre a experimentação de cigarro na adolescência e a reprovação do aluno na escola.(21,26)

Em concordância com outras pesquisas,(27,28) observou-se neste estudo um efeito independente para as variáveis ter amigos e irmãos fumantes. Isto significa que, mesmo após ajustes para variáveis socioeconômicas, potenciais fatores de confusão, ter amigos e irmãos fumantes permaneceram associados à experimentação do cigarro. Os adolescentes que alegaram ter amigos fumantes apresentaram quase quatro vezes mais chance de experimentar o cigarro do que aqueles que não os têm. Da mesma forma, se o adolescente tem irmãos fumantes, a chance de experimentar o tabaco aumenta em quase três vezes. Isto pode ser justificado pela grande influência exercida pelos seus pares, onde a convivência e a aceitação de um ou mais fumantes cria repetidas oportunidades para a oferta e a conseqüente introdução à experimentação.(4) Além disso, os adolescentes tendem para comportamentos e atitudes similares entre eles, facilitando a sua integração nos grupos, o que reforça a importância das relações de proximidade.(29)

Verificou-se neste estudo que os adolescentes mais velhos, com idade entre 17 e 19 anos, tiveram mais do que o dobro de chance de experimentar o cigarro do que os de 10 a 12 anos. Era de se esperar que à medida que o adolescente crescesse e tivesse mais noções sobre os prejuízos causados à saúde provocados pelo tabagismo, não adotasse o tabagismo. Entretanto, não foi isso o que aconteceu com os jovens deste estudo. Resultados semelhantes foram obtidos por outros autores,(9) que verificaram associação positiva e direta entre a experimentação do cigarro e a faixa etária de adolescentes. Ao contrário, em um estudo(30) envolvendo crianças e jovens de 8 a 22 anos de idade, verificou-se que a faixa etária de maior prevalência para a experimentação foi a de 13 a 14 anos.

O delineamento transversal, utilizado neste estudo, tem a vantagem da rapidez e de custos relativamente baixos. Uma limitação, entretanto, está na não-utilização da temporalidade como critério causal, pois fatores de risco e desfecho são vistos em um mesmo momento. Outra limitação a ser discutida é que o desfecho foi medido através de questionário. No entanto, pelo fato de se ter utilizado um questionário sem identificação, procurou-se minimizar a ocorrência de resultados falsos. Porém, não se pode descartar totalmente a possibilidade de que algum adolescente tenha omitido ou negado a informação de que já experimentou o cigarro.

A alta proporção de adolescentes que experimentaram o tabaco, principalmente aqueles de escolas públicas, mostra a necessidade de ações educativas contínuas dentro das instituições escolares como forma de controle à experimentação do cigarro entre os adolescentes.

Referências

1. World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: The World Health Organization. [cited 2007 Nov 26]. The World Health Organization says that tobacco is bad economics all around. 2004. Available from: http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2004/pr36/en/

2. Murray CJL, Lopes AD. Quantifying the burden of disease and injury attributable to the major risk factor. In: Murray CJ, Lopez AD, editors. The global burden of disease: a comprehensive assessment of mortality and disability from diseases, injuries, and risk factors in 1990 and projected to 2020. Global burden of disease and injury series, v. 1. Cambridge: Harvard School of Public Health on behalf of the World Health Organization and the World Bank; 1996.

3. Jha P, Chaloupka FJ. Curbing the epidemic governments and the economics of tobacco control. Washington: World Bank, 1999.

4. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer - INCA. Vigescola - Vigilância de tabagismo em escolares: Dados e fatos de 12 capitais brasileiras. Vol. 1. Rio de Janeiro: INCA; 2004.

5. Global Youth Tobacco Survey Collaborating Group. Differences in worldwide tobacco use by gender: findings from the Global Youth Tobacco Survey. J Sch Health. 2003;73(6):207-15.

6. Presidência da República Federativa do Brasil [homepage on the Internet]. Brasília: The Presidência; c2006-2007 [cited 2006 Mar 10]. Lei nº 8.069, de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente; [about 100 screens]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm

7. Organización Mundial de la Salud. La salud de los jóvenes: um reto y una esperanza. Genebra: OMS; 1995. 120 p.

8. Galduróz JC, Noto AR, Carlini EA. IV Levantamento sobre o uso de drogas entre estudantes de 1º e 2º graus em 10 capitais brasileiras -1997. São Paulo: Centro Brasileiro de Informações Sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas/Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo; 1997.

9. Machado Neto AS, Cruz AA. Tabagismo em amostra de adolescentes escolares de Salvador-Bahia. J Pneumol. 2003;29(5):264-272.

10. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa - ABEP [Homepage on the Internet]. São Paulo: Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. [cited 2005 Jan 12]. CCEB 2003 - Critério de Classificação Econômica Brasil. Available from: http://www.abep.org/codigosguias/ABEP_CCEB.pdf

11. Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol. 1997;26(1):224-7.

12. Andrade AP, Bernardo AC, Viegas CA, Ferreira DB, Gomes TC, Sales MR. Prevalence and characteristics of smoking among youth attending the University of Brasília in Brazil. J Bras Pneumol. 2006;32(1):23-8.

13. Pinto DS, Ribeiro AS. Variables related to smoking initiation among students in public and private high schools in the city of Belém, Brazil. J Bras Pneumol. 2007;33(5):558-64.

14. Gonçalves-Silva RM, Valente JG, Lemos-Santos MG, Sichieri R. Tabagismo no domicílio e doenca respiratória em criancas menores de cinco anos. Cad Saúde Pública. 2006;22(3):579-86.

15. Prietsch SO, Fischer GB, César JA, Fabris AR, Mehanna H, Ferreira TH, et al. Doença aguda das vias aéreas inferiores em menores de cinco anos: influência do ambiente doméstico e do tabagismo materno. J Pediatr. 2002;78(5):415-22.

16. Gonçalves- Silva RM, Valente JG, Lemos-Santos MG, Sichieri R. Tabagismo no domicílio e baixa estatura em menores de cinco anos. Cad Saúde Pública. 2005;21(5):1540-9.

17. Londoño FJ. Factores relacionados con el consumo de cigarrillos en escolares adolescentes de la ciudad de Medellín. Bol Oficina Sanit Panam. 1992;112(2):131-7.

18. Yang G, Fan L, Tan J, Qi G, Zhang Y, Samet JM, et al. Smoking in China: findings of the 1996 National Prevalence Survey. JAMA. 1999;282(13):1247-53.

19. Portal da Saúde [Homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Sáude. [cited 2006 Mar 1]. Saúde lança programa de combate ao tabagismo e pesquisa sobre perfil dos fumantes no Brasil. Available from: http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/noticias_detalhe.cfm?co_seq_noticia=9777

20. Goldfarb LM. Avaliação de um programa piloto de prevenção do tabagismo em quatro escolas do Município do Rio de Janeiro [dissertation]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública; 2000.

21. Horta BL, Calheiros P, Pinheiro RT, Tomasi E, Amaral KC. Tabagismo em adolescentes de área urbana na região Sul do Brasil. Rev Saúde Pública. 2001;35(2):159-64.

22. Ramírez MR, Andrade D. La familia y los factores de riesgo relacionados con el consumo de alcohol y tabaco em los niños y adolescentes (Guayaquil-Ecuador). Rev Latino-am Enfermagem. 2005;13(número especial):813-8.

23. Malcon MC, Menezes AM, Chatkin M. Prevalência e fatores de risco para tabagismo em adolescentes. Rev Saúde Pública. 2003;37(1):1-7.

24. Mauad EC, Bonetti LM, Silva CM, Nogueira JL, Mirra AP. Prevalência do tabagismo e seus determinantes em algumas escolas de Barretos, São Paulo, 1996. Rev Bras Cancerol. 1999; 45(1):41-4.

25. Da Silva MA, Rivera IR, Carvalho AC, Guerra Jr AH, Moreira TC. Prevalência e variáveis associadas ao hábito de fumar em crianças e adolescentes. J Pediatr. 2006;82(5):365-70.

26. Zanini RR, Moraes AB, Trindade AC, Riboldi J, Medeiros LR. Prevalência e fatores associados ao consumo de cigarros entre estudantes de escolas estaduais do ensino médio de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, 2002. Cad Saúde Pública. 2006;22(8):1619-27.

27. Conrad KM, Flay BR, Hill D. Why children start smoking cigarettes: Predictors of onset. Br J Addict. 1992;87(12):1711-24.

28. Segat FM, Santos RP, Guillande S, Pasqualotto AC, Benuegnu LA. Fatores de risco associado ao tabagismo em adolescentes. Adolesc Latinoam. 1998;1(3):163-9.

29. Fraga S, Ramos E, Barros H. Uso de tabaco por estudantes adolescentes portugueses e fatores associados. Rev Saúde Pública. 2006;40(4):620-6.

30. Ivanovic D, Castro CG, Ivanovic R. Factores que inciden en el hábito de fumar de escolares de educación básica y media de Chile. Rev Saúde Pública. 1997;31(1):30-43.




Trabalho realizado no Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso - ISC/UFMT - Cuiabá (MT) Brasil.
1. Mestre em Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT - Cuiabá (MT) Brasil.
2. Professora Adjunta da Faculdade de Nutrição e do Curso de Mestrado em Saúde Coletiva, Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso - ISC/UFMT - Cuiabá (MT) Brasil.
3. Professor Titular da Faculdade de Ciências Médicas e do Curso de Mestrado em Saúde Coletiva, Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso - ISC/UFMT - Cuiabá (MT) Brasil.
Endereço para correspondência: Clovis Botelho. Rua Dr. Jonas Correa da Costa, 210, CEP 78030-510, Cuiabá, MT, Brasil.
Tel 55 65 3637-1471. Fax 55 65 3637-7539. E-mail: fbotelho@terra.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES).
Recebido para publicação em 29/11/2007. Aprovado, após revisão, em 25/2/2008.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia