ABSTRACT
The synchronous presentation of pulmonary and hepatic nodules in a patient with previously resected bronchogenic carcinoma raises suspicion of recurrence and mandates restaging. We present the case of a 71-year-old male with a history of lobectomy with pericardial resection and mediastinal lymphadenectomy (T3N0M0). At five years after the operation, he presented with a new pulmonary lesion. Restaging detected a synchronous nodule in the liver. Despite the strong suspicion of tumor recurrence, further investigation with a percutaneous liver biopsy revealed hepatocellular carcinoma. In order to investigate the etiology of the pulmonary lesion (hypotheses of recurrent bronchial cancer and of metastatic hepatocellular carcinoma), an open lung biopsy was performed, which revealed chronic inflammatory tissue with foci of anthracosis and dystrophic calcification. The patient was submitted to a non-anatomic resection of the liver lesion. The postoperative course was uneventful, and the patient was discharged on postoperative day 10. This report highlights the relevance of the histopathological diagnosis in patients with a history of bronchogenic carcinoma and suspicion of tumor recurrence. Differential diagnoses and the treatment administered are discussed.
Keywords:
Carcinoma, bronchogenic; Neoplasm metastasis; Carcinoma, hepatocellular.
RESUMO
A apresentação de lesão sincrônica pulmonar e hepática em um paciente com antecedente de carcinoma broncogênico
operado gera a suspeita de recidiva tumoral e indica a necessidade de re-estadiamento. Apresentamos o caso de um paciente de 71 anos submetido à lobectomia pulmonar com ressecção de pericárdio e linfadenectomia mediastinal (T3N0M0). Cinco anos após a cirurgia, detectou-se a presença de uma nova lesão pulmonar. No re-estadiamento, foi diagnosticada uma lesão sincrônica no fígado. Apesar da forte suspeita de recidiva tumoral, prosseguiu-se a investigação e uma punção hepática revelou carcinoma hepatocelular. Para esclarecer a etiologia da lesão pulmonar (hipóteses de recidiva de carcinoma brônquico ou de metástase de carcinoma hepatocelular), foi realizada uma biópsia a céu aberto, compatível com reação inflamatória crônica com focos de antracose e de calcificação distrófica. O paciente foi então submetido à ressecção hepática não-regrada com intuito curativo. Teve boa evolução, com alta no 10º dia de pós-operatório. O presente relato destaca a importância do diagnóstico histopatológico em pacientes com antecedente de carcinoma broncogênico e suspeita de recidiva. Hipóteses diagnósticas
e condutas terapêuticas são discutidas.
Palavras-chave:
Carcinoma broncogênico; Metástase neoplásica; Carcinoma hepatocelular.
IntroduçãoO achado de nódulos sincrônicos no pulmão e no fígado corresponde a uma situação frequente em pacientes com neoplasia em estágio avançado, principalmente quando o tumor primário está localizado em topografia colorretal.(1) Fora desse cenário, esse achado é infrequente na prática clínica e pode representar um dilema diagnóstico.
Relato de casoPaciente masculino de 71 anos de idade, com antecedente de lobectomia superior esquerda com ressecção do pericárdio por invasão local e linfadenectomia mediastinal há cinco anos (Figura 1). Estadiamento patológico IIB (T3N0M0). No seguimento com exame de imagem, achado de lesão pulmonar contralateral-0,8 cm no segmento superior do lobo inferior direito-não presente nos controles anteriores (Figura 2).
Assintomático, sem comorbidades, sem história de hepatopatia. O paciente era ex-tabagista de 30 anos-maço, abstêmio há 20 anos e negava etilismo. Exame físico de admissão sem particularidades, exceto cicatriz de toracotomia póstero-lateral esquerda. Exames laboratoriais normais, sorologias para hepatites virais negativas e alfa-fetoproteína de 3 ng/mL. No re-estadiamento, detectou-se uma lesão hepática sincrônica-2,5 cm no segmento VI (Figura 3). Tendo-se como principal hipótese a recidiva tumoral, optou-se por investigar inicialmente o fígado. Realizada biópsia percutânea, que revelou tratar-se de um carcinoma hepatocelular.
Com a necessidade de esclarecimento diagnóstico da lesão pulmonar, tendo-se como principais hipóteses a recidiva do carcinoma brônquico e a metástase do carcinoma hepático, realizou-se uma biópsia pulmonar a céu aberto. Diagnóstico histológico de reação inflamatória crônica com antracose e focos de calcificação distrófica. O paciente foi então submetido à ressecção hepática não-regrada do segmento VI. Evolução pós-operatória sem intercorrências, recebendo alta no décimo dia de pós-operatório. Análise histológica da peça compatível com carcinoma hepatocelular de 2,3 × 2,3 × 1,8 cm, grau II de Edmondson-Steiner, e margens cirúrgicas livres.
DiscussãoMuitas vezes na prática clínica existe o impulso de se assumir novas lesões, em pacientes com antecedente de neoplasia, como sendo recidiva tumoral, negando-lhe opções curativas e encaminhando-o para terapia com intuito paliativo. No caso de pacientes com neoplasia extrapulmonar prévia e achado de nódulo pulmonar incidental ou em exame de seguimento, a intervenção cirúrgica confirmou a presença de metástases em apenas 41,3% dos casos.(2) Em 33% dos casos, a histologia foi compatível com neoplasia primária de pulmão. A maioria dos nódulos foi abordada por videotoracoscopia. Em nosso caso, a localização do nódulo e, principalmente, seu tamanho (menor do que 1 cm) não se mostravam favoráveis para essa via.
Em pacientes com antecedente de carcinoma broncogênico, o achado de uma lesão pulmonar nova levanta a preocupação de um segundo tumor primário ou de recidiva. Na avaliação dessa população específica, alguns autores obtiveram 80% de pacientes com um segundo tumor primário e 2% com recidiva tumoral.(3) Ou seja, a probabilidade de neoplasia é grande e merece investigação.
No presente caso, as duas principais hipóteses diagnósticas eram de lesão pulmonar com metástase hepática ou, após o resultado da punção hepática, de um carcinoma hepatocelular com metástase pulmonar.
Analisando a primeira conjectura, existem relatos esparsos de ressecção hepática por metástase de câncer de pulmão, com resultados animadores, chegando a apresentar sobrevida livre de recidiva superior a 5 anos.(4,5) Na maioria dos casos, a lesão do fígado é metacrônica, mas, em um caso com sobrevida de 1 ano, o achado foi sincrônico, e ambas as lesões foram abordadas cirurgicamente.(6) Ressalta-se que, em todos os casos, se realizou uma extensiva investigação para confirmar que o fígado era o único sítio de depósito secundário.
No caso da lesão pulmonar tratar-se de metástase de carcinoma hepatocelular, a literatura é um pouco mais vasta, chegando a haver algumas séries. Na maior delas, avaliaram-se 25 pacientes com metástases pulmonares sem evidência de disseminação para outro órgão e com sítio hepático controlado.(7) Obtiveram-se sobrevidas de 80%, 61% e 36% em 1, 3 e 5 anos, respectivamente. Na análise dos fatores prognósticos, destacou-se o impacto negativo de níveis de alfa-fetoproteína > 500 ng/mL e do intervalo livre de recidiva < 12 meses. Ainda, mostrou-se que o número de lesões, inclusive a sua bilateralidade, não tinha significância prognóstica, desde que houvesse a possibilidade de ressecção de todas as metástases. Outras séries mostram que há a indicação de ressecção pulmonar em pacientes bem selecionados com metástase de carcinoma hepatocelular, inclusive em pacientes submetidos a transplante hepático.(8,9)
Em nosso paciente, a sobrevida estimada, de acordo com o estadiamento da União Internacional Contra o Câncer para carcinoma hepatocelular, era superior a 60% em 5 anos (estágio I).(10) Além disso, ele não apresentava sinais de mau prognóstico, como tamanho da lesão > 5 cm, invasão vascular ou lesões satélites. Ou seja, havia uma boa possibilidade de cura para um paciente que inicialmente se supunha possuir uma recidiva de carcinoma brônquico manifesta como doença metastática. Dessa forma, destacamos a importância da confirmação histológica e do estabelecimento de uma sequência diagnóstica em pacientes com lesão sincrônica de fígado e pulmão e antecedente de carcinoma broncogênico. As principais hipóteses diagnósticas e o seu correto manejo também devem ser discutidos.
Referências 1. Miller G, Biernacki P, Kemeny NE, Gonen M, Downey R, Jarnagin WR, et al. Outcomes after resection of synchronous or metachronous hepatic and pulmonary colorectal metastases. J Am Coll Surg. 2007;205(2):231-8.
2. Sortini A, Carcoforo P, Ascanelli S, Sortini D, Pozza E. Significance of a single pulmonary nodule in patients with previous history of malignancy. Eur J Cardiothorac Surg. 2001;20(6):1101-5.
3. Mery CM, Pappas AN, Bueno R, Mentzer SJ, Lukanich JM, Sugarbaker DJ, et al. Relationship between a history of antecedent cancer and the probability of malignancy for a solitary pulmonary nodule. Chest. 2004;125(6):2175-81.
4. Di Carlo I, Grasso G, Patane' D, Russello D, Latteri F. Liver metastases from lung cancer: is surgical resection justified? Ann Thorac Surg. 2003;76(1):291-3.
5. Nagashima A, Abe Y, Yamada S, Nakagawa M, Yoshimatsu T. Long-term survival after surgical resection of liver metastasis from lung cancer. Jpn J Thorac Cardiovasc Surg. 2004;52(6):311-3.
6. Ercolani G, Ravaioli M, Grazi GL, Cescon M, Varotti G, Gaudio MD, et al. The role of liver resections for metastases from lung carcinoma. HPB (Oxford). 2006;8(2):114-5.
7. Nakagawa T, Kamiyama T, Nakanishi K, Yokoo H, Kamachi H, Matsushita M, et al. Pulmonary resection for metastases from hepatocellular carcinoma: factors influencing prognosis. J Thorac Cardiovasc Surg. 2006;131(6):1248-54.
8. Tomimaru Y, Sasaki Y, Yamada T, Eguchi H, Takami K, Ohigashi H, et al. The significance of surgical resection for pulmonary metastasis from hepatocellular carcinoma. Am J Surg. 2006;192(1):46-51.
9. Bates MJ, Farkas E, Taylor D, McFadden PM. Pulmonary resection of metastatic hepatocellular carcinoma after liver transplantation. Ann Thorac Surg. 2008;85(2):412-5.
10. Cho CS, Gonen M, Shia J, Kattan MW, Klimstra DS, Jarnagin WR, et al. A novel prognostic nomogram is more accurate than conventional staging systems for predicting survival after resection of hepatocellular carcinoma. J Am Coll Surg. 2008;206(2):281-91.
Sobre os autoresJosé de Jesus Peixoto Camargo
Chefe do Serviço de Cirurgia Torácica. Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
Tiago Noguchi Machuca
Médico Residente em Cirurgia Torácica. Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
Spencer Marcantonio Camargo
Médico Cirurgião do Serviço de Cirurgia Torácica. Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
Sadi Marcelo Schio
Coordenador Clínico do Grupo de Transplante Pulmonar. Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
Rodrigo Moreira Bello
Médico Radiologista. Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
Trabalho realizado na Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Tiago Noguchi Machuca. Av. Independência, 354, apto. 304, CEP 90035-070, Porto Alegre, RS, Brasil.
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Recebido para publicação em 5/8/2008. Aprovado, após revisão, em 6/10/2008.