Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
11124
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Versão em português do Chronic Respiratory Questionnaire: estudo da validade e reprodutibilidade

Portuguese-language version of the Chronic Respiratory Questionnaire: a validity and reproducibility study

Graciane Laender Moreira, Fábio Pitta, Dionei Ramos, Cinthia Sousa Carvalho Nascimento, Danielle Barzon, Demétria Kovelis, Ana Lúcia Colange, Antonio Fernando Brunetto, Ercy Mara Cipulo Ramos

ABSTRACT

Objective: To determine the validity and reproducibility of a Portuguese-language version of the Chronic Respiratory Questionnaire (CRQ) in patients with COPD. Methods: A Portuguese-language version of the CRQ (provided by McMaster University, the holder of the questionnaire copyright) was applied to 50 patients with COPD (70 ± 8 years of age; 32 males; FEV1 = 47 ± 18% of predicted) on two occasions, one week apart. The CRQ has four domains (dyspnea, fatigue, emotional function, and mastery) and was applied as an interviewer-administered instrument. The Saint George's Respiratory Questionnaire (SGRQ), already validated for use in Brazil, was used as the criterion for validation. Spirometry and the six-minute walk test (6MWT) were performed to analyze the correlations with the CRQ scores. Results: There were no significant CRQ test-retest differences (p > 0.05 for all domains). The test-retest intraclass correlation coefficient was 0.98, 0.97, 0.98 and 0.95 for the dyspnea, fatigue, emotional function and mastery domains, respectively. The Cronbach's alpha coefficient was 0.91. The CRQ domains correlated significantly with the SGRQ domains (−0.30 < r < −0.67; p < 0.05). There were no significant correlations between spirometric variables and the CRQ domains or between the CRQ domains and the 6MWT, with the exception of the fatigue domain (r = 0.30; p = 0.04). Conclusions: The Portuguese-language version of the CRQ proved to be reproducible and valid for use in Brazilian patients with COPD.

Keywords: Quality of life; Pulmonary disease, chronic obstructive; Questionnaires.

RESUMO

Objetivo: Verificar a validade e a reprodutibilidade de uma versão em português do Chronic Respiratory ­ Questionnaire (CRQ) em pacientes com DPOC. Métodos: A versão em português do CRQ (fornecida pela Universidade de McMaster, detentora dos direitos do questionário) foi aplicada a 50 pacientes portadores de DPOC (32 homens; 70 ± 8 anos; VEF1 = 47 ± 18% predito) em dois momentos, com intervalo de uma semana. O CRQ tem quatro domínios (dispneia, fadiga, função emocional e autocontrole) e foi aplicado em formato de entrevista. O Saint George's Respiratory Questionnaire (SGRQ), já validado em português, foi utilizado como o critério de validação. A espirometria e o teste da caminhada de seis minutos (TC6) foram realizados para a análise das correlações com os valores do CRQ. Resultados: Não foram observadas diferenças significativas entre a aplicação e a reaplicação do CRQ (p > 0.05 para todos os domínios). O coeficiente de correlação intraclasse entre a aplicação e a reaplicação foi de 0,98; 0,97; 0,98 e 0,95 para os domínios dispneia, fadiga, função emocional e autocontrole, respectivamente. O coeficiente alfa de Cronbach foi 0,91. Os domínios do CRQ se correlacionaram significativamente com os domínios do SGRQ (−0.30 < r < −0.67; p < 0,05). Não houve correlação entre as variáveis espirométricas e os domínios do CRQ e nem entre esses domínios e o TC6, exceto para o domínio fadiga (r = 0,30; p = 0,04). Conclusões: A versão em português do CRQ demonstrou ser reprodutível e válida em pacientes brasileiros portadores de DPOC.

Palavras-chave: Qualidade de vida; Doença pulmonar obstrutiva crônica; Questionários.

Introdução

A DPOC é caracterizada por uma limitação crônica ao fluxo aéreo, geralmente progressiva, e não totalmente reversível. Cursa com alguns efeitos extrapulmonares significantes,(1) que podem contribuir para a redução da capacidade funcional, da interação social e do bem-estar desses pacientes(2) e que podem influenciar negativamente a sua qualidade de vida.(3)

O uso de medidas subjetivas (como questionários) para avaliar a qualidade de vida de pacientes com DPOC em pesquisas científicas tem alcançado ampla aceitação,(4) e a utilização de ferramentas confiáveis e válidas vem contribuindo para um aumento substancial na utilização desses questionários.(5)

Atualmente existem três modelos principais de questionários doença-específicos respiratórios: Saint George's Respiratory Questionnaire (SGRQ),(6) Airways Questionnaire 20 (AQ20),(7) ambos já validados no Brasil,(8-10) e Chronic Respiratory Questionnaire (CRQ).(11)

O CRQ tem sido amplamente utilizado na análise do estado de saúde de pacientes com DPOC. O questionário foi traduzido e validado em algumas línguas, tais como holandês,(12) espanhol(13) e alemão.(14) Provou ser útil em uma variedade de intervenções na DPOC, incluindo intervenção farmacológica(15) e reabilitação.(14,16) Além disso, dentre os instrumentos ­específicos para a avaliação da qualidade de vida de pacientes com DPOC, o CRQ mostrou-se superior ao SGRQ por ser mais responsivo a intervenções, como programas de reabilitação pulmonar.(17,18) Apesar de o CRQ ser amplamente utilizado para avaliar a qualidade de vida em pacientes com DPOC,(19) esse questionário não conta com uma versão validada em língua portuguesa para uso no Brasil.
Para a mensuração do estado de saúde em situações de língua e cultura diferentes das de origem do questionário, é recomendado que se realize o processo de validação do instrumento.(20,21) Logo, é necessário adaptar o questionário ao contexto cultural da população estudada, pois a percepção de tempo, o significado atribuído aos sintomas e o curso das doenças pode variar significativamente de uma cultura para outra.(22)

Juntamente a isso, para que estudos utilizando-se questionários traduzidos para uma nova língua tenham aceitação internacional, é necessária a utilização de instrumentos validados para uso na língua em questão.(23)

Sendo assim, o presente estudo teve como objetivo verificar se o questionário de qualidade de vida doença-específico respiratório CRQ é um instrumento válido e reprodutível para medir a qualidade de vida em pacientes portadores de DPOC no Brasil.

Métodos

Foram incluídos neste estudo 50 indivíduos portadores de DPOC, dos quais 28 foram recrutados do Programa de Reabilitação Pulmonar do Hospital Universitário Regional Norte do Paraná, Universidade Estadual de Londrina (HURNPR/UEL), PR, e 22 foram recrutados do Programa de Reabilitação Pulmonar do Centro de Estudos e Atendimentos em Fisioterapia e Reabilitação da Universidade Estadual Paulista, Campus de Presidente Prudente, SP.

Todos os pacientes tinham o diagnóstico clínico de DPOC, que foi estabelecido de acordo com os critérios determinados pelo Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD).(1) Além disso, os mesmos deveriam estar estáveis clinicamente (sem exacerbações ou infecções nos últimos três meses) para serem incluídos no estudo. Os critérios de exclusão foram: presença de outras doenças pulmonares e não pulmonares consideradas graves e/ou incapacitantes; não comparecimento às visitas programadas; ocorrência de exacerbação aguda durante o período de avaliações e falta de compreensão e/ou de colaboração na realização dos questionários e/ou de outros testes.

O estudo contou com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do HURNPR/UEL (parecer número 064/06). Após a seleção e o esclarecimento dos procedimentos e objetivos deste estudo, e após concordarem com sua participação, todos os pacientes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

Para a avaliação da reprodutibilidade do CRQ, este grupo de pacientes respondeu por duas vezes, com um intervalo de uma semana, à versão em português do questionário, sendo aplicado em formato de entrevista por um mesmo avaliador. A validade de critério concorrente do questionário foi avaliada pela correlação da sua pontuação com a do SGRQ, já validado em português,(9) e com a espirometria e o teste de caminhada de seis minutos (TC6).

O CRQ foi publicado por Guyatt et al.(11) em 1987 e foi o primeiro instrumento desenvolvido para mensurar a qualidade de vida em pacientes com DPOC, sendo amplamente utilizado em estudos internacionais.(19). Esse questionário pode ser aplicado por um entrevistador (versão original)(11) ou autoadministrado.(24) Contém 20 questões, as quais estão divididas em quatro domínios: dispneia (5 questões), fadiga (4 questões), função emocional (7 questões) e autocontrole (4 questões). O domínio dispneia é individualizado, ou seja, cada paciente seleciona, em uma lista de 26 itens, as atividades que provocaram dispneia nas últimas duas semanas, podendo relatar também outras atividades que não se encontram na lista.

Subsequentemente, dentre as atividades relatadas e selecionadas, o indivíduo escolhe cinco atividades que considera mais importantes e, por meio de uma escala de 7 pontos, gradua a sua dispneia para cada uma dessas atividades. Nessa escala, a pontuação vai de 1 (máximo comprometimento) a 7 (nenhum comprometimento). Para os demais domínios (fadiga, função emocional e autocontrole), as questões são padronizadas e o paciente responde a cada questão utilizando a escala de 7 pontos. Quanto maior a pontuação, melhor a qualidade de vida do indivíduo. Os resultados são expressos em média da pontuação de cada domínio. A diferença mínima clinicamente importante, que se refere à quantidade mínima de mudança que é importante para o paciente no seu dia-a-dia, é de 0,5 para a melhora ou para a deterioração da qualidade de vida.

Neste estudo, não houve a necessidade de realizar a tradução retrógrada do questionário, pois a Universidade de McMaster (Hamilton, Ontário, Canadá), detentora dos direitos do questionário original em língua inglesa,(11) concedeu oficialmente aos autores os direitos para a utilização nesse estudo de uma versão já traduzida para o português desenvolvida na própria Universidade de McMaster e nunca antes validada em nossa língua. Após a leitura e a cuidadosa análise dessa versão, a mesma foi aplicada em formato de entrevista a uma pequena amostra de pacientes com DPOC para a investigação de possíveis dúvidas e dificuldades com relação às questões. Como não foram identificadas terminologias e situações não-aplicáveis à realidade brasileira, não foi necessário realizar quaisquer alterações nas questões para equivalência cultural. Isso possibilitou a aplicação direta e imediata do questionário. Interessados em utilizar o CRQ devem solicitar a cópia do questionário diretamente junto à Universidade de McMaster (contato: Ms. Peggy Austin: austinp@mcmaster.ca).

O SGRQ foi desenvolvido por Jones et al.(6) para avaliar a qualidade de vida em pacientes portadores de DPOC, sendo inicialmente validado no Brasil por Sousa et al.(8) Esse questionário aborda aspectos relacionados a três domínios: sintomas (24 itens), atividades (16 itens) e impactos psicossociais que a doença respiratória inflige ao paciente (36 itens). Cada domínio tem uma pontuação máxima possível (sintomas, 662,5 pontos; atividades, 1.209,1 pontos; e impactos, 2.117,8 pontos); os pontos de cada resposta são somados, e o total é referido como um percentual desse máximo (0-100%). Além das pontuações de cada domínio, um escore total também é calculado, baseado nos resultados dos três domínios (0-3.989,4 pontos). Uma pontuação maior significa pior qualidade de vida.

Recentemente, uma nova versão desse questionário foi validada no Brasil por Camelier et al.,(9) visto a dificuldade apresentada pelos pacientes nas sentenças na forma de duplo-negativa da versão inicial. Essa nova versão apresenta como opções de resposta "concordo" e "não concordo" substituindo as opções "sim" e "não", presente na versão original, a fim de facilitar o entendimento das questões pelos pacientes.

Além disso, o tempo de avaliação do questionário foi reduzido de 12 meses para 3 meses. Essa foi a versão utilizada neste estudo, sendo também aplicada pelo mesmo entrevistador.

Adicionalmente à aplicação dos questionários, foi realizada espirometria de acordo com as normas das Diretrizes para Testes de Função Pulmonar.(25) Para a avaliação dos pacientes pertencentes ao Programa de Reabilitação Pulmonar do HURNPR/UEL, o aparelho utilizado foi o Pony Graphics (Cosmed, Roma, Itália) e, na avaliação dos pacientes da Faculdade de Ciências e Tecnologia/Universidade Estadual Paulista, foi utilizado o aparelho Spirobank (MIR, Roma, Itália). Os valores de normalidade adotados foram os de Pereira et al.(26)

O TC6 foi realizado de acordo com padrões internacionais,(27) num corredor de 30 m. Dois testes foram realizados com um intervalo mínimo de 30 min, e o maior valor foi utilizado para a análise. Os valores de normalidade utilizados foram os de Troosters et al.(28)

Para a análise estatística, foi utilizado o programa estatístico GraphPad Prism 3.0 (GraphPad Software Inc., San Diego, CA, EUA). A análise estatística não-paramétrica foi utilizada por tratar-se da análise de dados ordinais. Para a análise da reprodutibilidade na aplicação (dia 1) e na reaplicação (dia 2) do CRQ, o coeficiente de correlação intraclasse (CCI) foi utilizado, assim como o teste de Wilcoxon. A concordância entre o dia 1 e o dia 2 foi também avaliada visualmente por meio da disposição gráfica de Bland & Altman. A consistência interna do questionário foi avaliada por meio do coeficiente alfa de Cronbach. A validade do CRQ em relação ao SGRQ foi avaliada por meio do coeficiente de correlação de Spearman, assim como sua correlação com variáveis da espirometria e com a distância percorrida no TC6. A significância estatística adotada para a análise foi de 5% (p < 0,05).

Resultados

A maioria dos 50 pacientes incluídos no estudo foi classificada nos estágios II e III do GOLD (Tabela 1). A predominância foi do sexo masculino (64%) e de indivíduos alfabetizados (82%). Nenhum paciente utilizava oxigenoterapia domiciliar, e 46 pacientes (92%) utilizavam medicação broncodilatadora regularmente sob prescrição médica. As características clínicas dos pacientes encontram-se na Tabela 1.
Nenhum paciente foi excluído do estudo.



Com relação ao tempo de aplicação e reaplicação do questionário, houve diferença estatisticamente significante (p < 0,0001) entre eles. O tempo médio de aplicação no primeiro e no segundo dia foi de 20 ± 6 min e 17 ± 5 min, respectivamente.

Na comparação entre a aplicação e a reaplicação do CRQ (dias 1 e 2), não houve diferenças significantes em nenhum dos domínios do questionário, como pode ser observado na Figura 1. O CCI dos quatro domínios entre os dias 1 e 2 foi: dispneia, 0,98; fadiga, 0,97; função emocional, 0,98; e autocontrole, 0,95. Pela disposição gráfica de Bland & Altman (Figura 2), pode-se observar uma boa concordância entre a aplicação e a reaplicação do CRQ. O coeficiente alfa de Cronbach total foi de 0,91, e, para os domínios dispneia, fadiga, função emocional e autocontrole, esse coeficiente foi de 0,86; 0,78; 0,81; e 0,70, respectivamente.









Para as correlações feitas entre os domínios do CRQ com os domínios do SGRQ (Tabela 2), houve correlação significativa para todos (−0,30 < r < −0,67; p < 0,05) exceto para o domínio função emocional do CRQ em relação ao domínio sintomas do SGRQ (r = −0,14; p = 0,33). Não houve correlação entre as variáveis espirométricas e os domínios do CRQ e nem desses domínios com o TC6, exceto para o domínio fadiga (r = 0,30; p = 0,04).



Discussão

A maior parte dos questionários de qualidade de vida foi elaborada em países de língua inglesa, o que requer um processo de validação antes de serem usados em outras línguas.(20,21) Logo, para que o questionário seja considerado adequado para uso científico ou clínico, se faz necessária a avaliação da sua reprodutibilidade e de sua correlação com outros instrumentos já validados com o mesmo objetivo ou, em certos casos, com parâmetros clínicos tradicionalmente utilizados.(29) Os resultados do presente estudo mostraram que a versão em língua portuguesa do CRQ para uso no Brasil foi reprodutível e válida para avaliar a qualidade de vida de pacientes brasileiros com DPOC.

A ausência de diferenças estatisticamente significantes entre a aplicação e a reaplicação do questionário, associado aos altos valores de CCI para os diferentes domínios do CRQ, demonstra a reprodutibilidade do instrumento. Para todos os domínios do CRQ, o CCI ficou acima de 0,95; valores maiores que os estudos de validação desse mesmo questionário em outras línguas.(11-13) A reprodutibilidade do questionário também pôde ser verificada visualmente pela disposição gráfica de Bland & Altman (Figura 2), a qual demonstrou boa concordância entre os diferentes dias de aplicação do CRQ.

Com relação ao tempo de aplicação do questionário, houve diferença estatisticamente significante entre o dia 1 e o dia 2, sendo que o último teve um tempo de aplicação menor. Acreditamos que essa diferença não tenha ocorrido somente por uma melhor compreensão dos enunciados, mas possivelmente também pelo fato do número de atividades relatadas pelo paciente no domínio dispneia ter sido diferente nos dois dias de aplicação. No primeiro dia de aplicação, a maioria dos pacientes citou mais atividades que provocaram dispneia do que no segundo dia de aplicação. Como os pacientes tinham mais atividades e, dentre as quais, deveriam escolher apenas as cinco mais importantes, isso requereu um tempo maior. Apesar dessa diferença, o tempo de aplicação do CRQ ficou entre 12 e 26 min, o que condiz com estudos prévios.(11,13,14)

No presente estudo, a validade da versão em português do CRQ para uso no Brasil foi mostrada pela correlação significativa dos seus diversos domínios com os domínios e o escore total do SGRQ, um questionário tradicional e previamente validado.(9) No entanto, não foi observada uma correlação significativa entre o domínio função emocional do CRQ e o domínio sintomas do SGRQ. Isso pode ter ocorrido porque as questões do domínio função emocional do CRQ abordam aspectos que não estão diretamente associados às questões abordadas no domínio sintomas do SGRQ. Das 7 questões do domínio função emocional, apenas 2 estão relacionadas a uma alteração emocional decorrente da tosse e da dispneia apresentadas pelo paciente. Essas 2 questões indagam o paciente com relação à frequência que tem se sentido envergonhado por causa da tosse ou da respiração pesada (questão 9) e a frequência que tem se sentido inquieto, tenso ou nervoso (questão 20) nas duas últimas semanas.

Adicionalmente, não foi observada correlações entre os domínios do CRQ com as variáveis espirométricas. Esse achado é consistente com um estudo prévio,(30) o qual demonstrou que a medida da qualidade de vida em pacientes com DPOC pode não estar relacionada diretamente às medidas fisiológicas tradicionais, por refletir as experiências e perspectivas do paciente, independentemente do grau de sua disfunção respiratória e muscular. No presente estudo, isso é corroborado pela limitada correlação dos domínios do CRQ com o TC6. Outro possível fator de explicação para essa limitada correlação com o TC6 é o fato de que os pacientes da presente amostra (Tabela 1) apresentavam capacidade de exercício relativamente preservada em relação aos de outros em estudos prévios.(11,13,14)

Ao se comparar os escores de cada domínio do CRQ dos pacientes brasileiros com relação a pacientes de outros países no qual o questionário foi validado,(13,14) pôde-se perceber que os escores encontrados neste trabalho para os domínios fadiga, função emocional e autocontrole (4,5 ± 1,2; 4,8 ± 1,0; e 5,1 ± 1,3, respectivamente) foram similares aos encontrados na versão em espanhol (4,47 ± 1,20; 4,80 ± 1,26; e 5,0 ± 1,5, respectivamente) e em alemão (4,2 ± 1,2 e 4,4 ± 1,0, para os dois primeiros domínios), exceto para o domínio autocontrole nessa população (4,4 ± 1,2). No entanto, para o domínio dispneia, o escore na população brasileira foi consideravelmente maior (4,6 ± 1,3) do que o escore dos espanhóis (3,15 ± 1,00) e dos alemães (3,17 ± 0,66), indicando uma melhor qualidade de vida para esse domínio. Embora não tenha sido feita uma análise estatística formal que confirme tais inferências, a diferença menor que 0,5 pontos em cada domínio (valor que corresponde à diferença mínima clinicamente importante para a melhora ou para a deterioração da qualidade de vida)(11) foi considerada como base para a inferência de que os valores dos grupos de pacientes brasileiros, alemães e espanhóis eram similares (com exceção do domínio dispneia do CRQ).

A diferença encontrada entre as populações na pontuação do domínio dispneia pode indicar aspectos culturalmente peculiares com relação à percepção da dispneia. A discrepância nos escores desse domínio também pode estar relacionada à capacidade de exercício relativamente preservada na população brasileira (TC6: 445 ± 64 m) em relação à espanhola (306 ± 56 m) e à alemã (359 ± 111 m), assim como pode estar relacionada a outras possíveis diferenças entre as populações estudadas. Futuros estudos abordando essa questão poderão ajudar a esclarecer tal discrepância.

A ausência de dados referentes à responsividade da versão em português do CRQ a intervenções, como a reabilitação pulmonar, pode ser considerada como uma limitação do presente estudo. No entanto, como já mencionado anteriormente, o CRQ (em sua versão original) foi considerado o instrumento mais responsivo dentre os atualmente disponíveis.(17,18) Portanto, visto que a versão em português mostrou-se igualmente válida e reprodutível em relação à versão original, não há motivos para acreditar que ela não apresentaria similar responsividade, embora isso ainda não tenha sido objetivamente investigado.

Em suma, a versão em português do CRQ demonstrou ser reprodutível e válida para uso em pacientes brasileiros portadores de DPOC. Trata-se de um importante instrumento para ser utilizada por clínicos e pesquisadores, ampliando-se assim as opções disponíveis para a avaliação da qualidade de vida de pacientes portadores de DPOC.

Agradecimentos

Os autores agradecem à fisioterapeuta Nicoli Oldemberg Segretti a contribuição no desenvolvimento deste estudo.

Referências

1. Rabe KF, Hurd S, Anzueto A, Barnes PJ, Buist SA, Calverley P, et al. Global strategy for the diagnosis, management, and prevention of chronic obstructive pulmonary disease: GOLD executive summary. Am J Respir Crit Care Med. 2007;176(6):532-55.

2. Haave E, Hyland ME, Skumlien S. The relation between measures of health status and quality of life in COPD. Chron Respir Dis. 2006;3(4):195-9.

3. McCathie HC, Spence SH, Tate RL. Adjustment to chronic obstructive pulmonary disease: the importance of psychological factors. Eur Respir J. 2002;19(1):47-53.

4. Tsai CL, Hodder RV, Page JH, Cydulka RK, Rowe BH, Camargo CA Jr. The short-form chronic respiratory disease questionnaire was a valid, reliable, and responsive quality-of-life instrument in acute exacerbations of chronic obstructive pulmonary disease. J Clin Epidemiol. 2008;61(5):489-97.

5. Curtis JR, Patrick DL. The assessment of health status among patients with COPD. Eur Respir J Suppl. 2003;41:36s-45s.

6. Jones PW, Quirk FH, Baveystock CM. The St George's Respiratory Questionnaire. Respir Med. 1991;85 Suppl B:25-31; discussion 33-7.

7. Quirk FH, Jones PW. Repeatability of two new short airways questionnaires. Proceedings of the British Thoracic Society; 1994 Jun 29 - Jul 1; Manchester, UK. Thorax. 1994;49(10):1075.

8. Sousa TC, Jardim JR, Jones P. Validação do Questionário do Hospital Saint George na Doença Respiratória (SGRQ) em pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica no Brasil. J Pneumol. 2000;26(3):119-28.

9. Camelier A, Rosa FW, Salmi C, Nascimento AO, Cardoso F, Jardim JR. Using the Saint George's Respiratory Questionnaire to evaluate quality of life in patients with chronic obstructive pulmonary disease: validating a new version for use in Brazil. J Bras Pneumol. 2006;32(2):114-22.

10. Camelier A, Rosa F, Jones P, Jardim JR. Validação do questionário de vias aéreas 20 ("Airways questionnaire" - AQ20) em pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) no Brasil. J Pneumol. 2003;29(1):28-35.

11. Guyatt GH, Berman LB, Townsend M, Pugsley SO, Chambers LW. A measure of quality of life for clinical trials in chronic lung disease. Thorax. 1987;42(10):773-8.

12. Wijkstra PJ, TenVergert EM, Van Altena R, Otten V, Postma DS, Kraan J, et al. Reliability and validity of the chronic respiratory questionnaire (CRQ). Thorax. 1994;49(5):465-7.

13. Güell R, Casan P, Sangenís M, Morante F, Belda J, Guyatt GH. Quality of life in patients with chronic respiratory disease: the Spanish version of the Chronic Respiratory Questionnaire (CRQ). Eur Respir J. 1998;11(1):55-60.

14. Puhan MA, Behnke M, Laschke M, Lichtenschopf A, Brändli O, Guyatt GH, et al. Self-administration and standardisation of the chronic respiratory questionnaire: a randomised trial in three German-speaking countries. Respir Med. 2004;98(4):342-50.

15. Jaeschke R, Guyatt GH, Willan A, Cook D, Harper S, Morris J, et al. Effect of increasing doses of beta agonists on spirometric parameters, exercise capacity, and quality of life in patients with chronic airflow limitation. Thorax. 1994;49(5):479-84.

16. Wijkstra PJ, Van Altena R, Kraan J, Otten V, Postma DS, Koëter GH. Quality of life in patients with chronic obstructive pulmonary disease improves after rehabilitation at home. Eur Respir J. 1994;7(2):269-73.

17. Singh SJ, Sodergren SC, Hyland ME, Williams J, Morgan MD. A comparison of three disease-specific and two generic health-status measures to evaluate the outcome of pulmonary rehabilitation in COPD. Respir Med. 2001;95(1):71-7.

18. Puhan MA, Guyatt GH, Goldstein R, Mador J, McKim D, Stahl E, et al. Relative responsiveness of the Chronic Respiratory Questionnaire, St. Georges Respiratory Questionnaire and four other health-related quality of life instruments for patients with chronic lung disease. Respir Med. 2007;101(2):308-16.

19. Lacasse Y, Wong E, Guyatt GH, King D, Cook DJ, Goldstein RS. Meta-analysis of respiratory rehabilitation in chronic obstructive pulmonary disease. Lancet. 1996;348(9035):1115-9.

20. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32.

21. Guillemin F. Cross-cultural adaptation and validation of health status measures. Scand J Rheumatol. 1995;24(2):61-3.

22. Ramos-Cerqueira AT, Crepaldi AL. Qualidade de vida em doenças pulmonares crônicas: aspectos conceituais e metodológicos. J Pneumol. 2000;26(4):207-13.

23. Ferreira CA, Cukier A. Evaluating COPD from the perspective of the patient. J Bras Pneumol. 2006;32(2):VII-VIII.

24. Williams JE, Singh SJ, Sewell L, Guyatt GH, Morgan MD. Development of a self-reported Chronic Respiratory Questionnaire (CRQ-SR). Thorax. 2001;56(12):954-9.

25. Sociedade Brasileira de Pneumologia. Diretrizes para testes de função pulmonar. J Bras Pneumol. 2002;28(Suppl 3):1-238.

26. Pereira CA, Barreto SP, Simoes JG, Pereira FW, Gerstler JG, Nakatami J. Valores de referência para a espirometria em uma amostra da população brasileira adulta. J Pneumol. 1992;18(1):10-22.

27. Brooks D, Solway S, Gibbons WJ. ATS statement on six-minute walk test. Am J Respir Crit Care Med. 2003;167(9):1287.

28. Troosters T, Gosselink R, Decramer M. Six minute walking distance in healthy elderly subjects. Eur Respir J. 1999;14(2):270-4.

29. Streiner DL, Norman GR. Health measurement scales: a practical guide to their development and use. Oxford: Oxford University Press; 2003

30. Tashkin DP. The role of patient-centered outcomes in the course of chronic obstructive pulmonary disease: how long-term studies contribute to our understanding. Am J Med. 2006;119(10 Suppl 1):63-72.




Sobre os autores

Graciane Laender Moreira
Mestranda em Fisioterapia. Faculdade de Ciências e Tecnologia/Universidade Estadual Paulista - FCT/UNESP- Presidente Prudente (SP) Brasil.

Fábio Pitta
Docente. Departamento de Fisioterapia, Universidade Estadual de Londrina - UEL - Londrina (PR) Brasil.

Dionei Ramos
Docente. Faculdade de Ciências e Tecnologia/Universidade Estadual Paulista - FCT/UNESP- Presidente Prudente (SP) Brasil.

Cinthia Sousa Carvalho Nascimento
Acadêmica de Fisioterapia. Universidade Estadual de Londrina - UEL - Londrina (PR) Brasil.

Danielle Barzon
Acadêmica de Fisioterapia. Universidade Estadual de Londrina - UEL - Londrina (PR) Brasil.

Demétria Kovelis
Fisioterapeuta. Laboratório de Pesquisa em Fisioterapia Pulmonar - LFIP -Departamento de Fisioterapia, Universidade Estadual de Londrina - UEL - Londrina (PR) Brasil.

Ana Lúcia Colange
Acadêmica de Fisioterapia. Universidade Estadual de Londrina - UEL - Londrina (PR) Brasil.

Antonio Fernando Brunetto
Docente. Departamento de Fisioterapia, Universidade Estadual de Londrina - UEL - Londrina (PR) Brasil.

Ercy Mara Cipulo Ramos
Docente. Faculdade de Ciências e Tecnologia/Universidade Estadual Paulista - FCT/UNESP- Presidente Prudente (SP) Brasil.



Trabalho realizado na Faculdade de Ciências e Tecnologia/Universidade Estadual Paulista - FCT/UNESP- Presidente Prudente (SP) e na Universidade Estadual de Londrina - UEL - Londrina (PR) Brasil.
Endereço para correspondência: Fábio Pitta. Departamento de Fisioterapia, CCS, Universidade Estadual de Londrina, Av. Robert Koch, 60, Vila Operária, CEP 86038-350, Londrina, PR, Brasil.
Tel 55 43 3371 2288. E-mail: fabiopitta@uol.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Recebido para publicação em 16/2/2009. Aprovado, após revisão, em 16/4/2009.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia