ABSTRACT
Objective: To estimate the prevalence of smoking, as well as to determine the association between smoking and the use of other drugs, among middle and high school students in the Federal District of Brasília, Brazil. Methods: Epidemiological study involving a reference population of students in the District. Our sample comprised 2,661 students from 9 to 19 years of age, in all middle and high school grades. All participating students completed a standard questionnaire. Results were analyzed by gender and type of school (public or private). Results: The prevalence of smoking among students in the District was 10.5%. Smoking was found to be associated with the use of alcohol and other drugs. Conclusions: Smoking is a gateway to the use of other drugs.
Keywords:
Smoking; Tobacco; Adolescent; Students; Alcohol drinking; Dependency (Psychology).
RESUMO
Objetivo: Estimar a prevalência do tabagismo e sua associação com o uso de outras drogas entre escolares, do ensino fundamental e médio, do Distrito Federal (DF). Métodos: Estudo epidemiológico, tendo como população de referência escolares do DF. Nossa amostra consistiu de 2.661 alunos com idades entre 9 e 19 anos de todas as séries do ensino fundamental II e do ensino médio que responderam a um questionário padrão. Os resultados foram analisados por gênero e tipo de rede escolar. Resultados: A prevalência do tabagismo entre escolares do DF foi de 10,5%, sendo observada uma associação entre o uso do cigarro e o uso de álcool e outras drogas. Conclusões: O tabagismo é uma porta de entrada para o uso de outras drogas.
Palavras-chave:
Tabagismo; Tabaco; Adolescente; Estudantes; Consumo de bebidas alcoólicas; Dependência (Psicologia).
IntroduçãoA nicotina é uma droga com propriedades psicoestimulantes(1,2) e, por isso, pode causar dependência. Ela é amplamente utilizada em todo o mundo, e seu uso é considerado como a porta de entrada para a utilização de outras drogas.(3,4)
Em um estudo realizado com adolescentes norte-americanos, demonstrou-se que 33-50% dos jovens que experimentaram cigarros tornaram-se dependentes dos mesmos ao longo da vida.(5)
Por outro lado, sabe-se que mais de 80% dos adultos fumantes iniciaram esse hábito antes dos 18 anos de idade,(5,6) e que a média da idade do início do consumo está entre 12 e 14 anos.(7)
A adolescência é uma etapa do desenvolvimento de transição biopsicossocial, ou seja, durante esse período, a pessoa desenvolve sua maturidade sexual e estabelece sua identidade como um indivíduo na sociedade; portanto, essa é uma época de exposição e vulnerabilidade à experimentação e ao uso de drogas(8,9) tanto lícitas (álcool e tabaco), quanto ilícitas. Por isso, o uso de drogas psicoestimulantes na adolescência, particularmente entre escolares, tem despertado o interesse de vários pesquisadores.
Portanto, entendemos que uma especial atenção deve ser dada a essa fase da vida, com enfoque em medidas preventivas.
Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi estudar a prevalência do tabagismo e sua associação com o uso de outras drogas entre adolescentes escolares do Distrito Federal (DF), Brasil.
MétodosTrata-se de um estudo epidemiológico, de delineamento transversal, tendo como população de referência escolares do DF. Foi realizado no segundo semestre de 2004, com alunos do ensino fundamental (de 5ª a 8ª séries) e do ensino médio (de 1ª a 3ª séries) em escolas públicas e particulares, selecionadas aleatoriamente.
Para o cálculo do tamanho da amostra, foi considerado um erro amostral de 5%, nível de confiança de 95% e prevalência estimada do uso do cigarro na vida de 24,3%. Esse dado teve como base o estudo do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), que determinou que, no ano de 1997, o uso de tabaco na vida de estudantes das mesmas séries do presente estudo na cidade de Brasília (DF) foi de 24,3%.(10)
Em seguida, de acordo com os dados da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, foi feita uma distribuição proporcional dos alunos por rede particular e pública e por série.
Após essas informações, realizamos o sorteio das escolas, e a aplicação dos questionários foi feita em sala de aula, por acadêmicos de medicina da Universidade de Brasília previamente treinados. Os estudantes entrevistados foram informados quanto à finalidade do estudo, que o questionário era anônimo e que poderiam ou não aderir ao mesmo.
A pesquisa foi realizada por meio da aplicação de um questionário da Organização Mundial da Saúde sobre o uso de tabaco, previamente validado e de autopreenchimento.
Foram aplicados 2.682 questionários, seguindo a distribuição proporcional dos alunos por ano escolar e por tipo de rede (pública ou particular). Contudo, 21 alunos foram excluídos do estudo, por estarem fora da faixa etária programada ou por terem entregado os questionários sem nenhuma resposta. A amostra final consistiu em 2.661 alunos.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Brasília.
Os resultados foram analisados por gênero e por tipo de rede. Para a análise estatística, foram feitas medidas descritivas: média, desvio-padrão, razão de prevalência e testes do qui-quadrado. O nível de significância pré-determinado foi de p < 0,05, e a variabilidade amostral das razões de prevalência foi avaliada utilizando-se IC95%. Para esses cálculos, foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 10.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).
ResultadosA análise dos dados foi realizada apenas com alunos na faixa etária entre 9 e 19 anos de idade, cuja média foi de 14,5 ± 2,3 anos.
Quanto à prevalência do tabagismo nos escolares do DF, esta foi de 10,5%, sendo 9,9% no gênero masculino e 11,0% no feminino (p > 0,05). Ao separarmos por tipo de rede, 11,5% dos escolares da rede particular e 10,3% da rede pública fumavam (p > 0,05). Porém, ao estratificarmos por gênero e tipo de rede (Tabela 1), encontramos uma prevalência de tabagismo para o gênero masculino de 9,5% na rede particular e de 10,5% na rede pública; para o gênero feminino, essa foi de 13,4% na rede particular e de 10,5% na rede pública. Embora o gênero feminino tivesse uma tendência a fumar mais, sobretudo na rede particular (OR = 1,32; IC95%: 0,87-1,99), não se observou uma diferença estatisticamente significante entre eles (p > 0,05).
Quando avaliamos a associação do tabagismo dos escolares com o uso de álcool, observamos que 76,5% dos que fumavam também ingeriam bebidas alcoólicas. A chance dos escolares que fumavam de também ingerir bebidas alcoólicas foi aproximadamente 12 vezes maior se comparada à dos que não fumavam (OR = 12,4; IC95%: 9,2-16,7).
Por outro lado, ao estratificarmos por gênero, 80,2% dos alunos do gênero masculino e 73,8% do gênero feminino que fumavam também ingeriam bebidas alcoólicas. A chance dos escolares que fumavam de ingerir álcool foi aproximadamente 14 vezes maior no gênero masculino e 12 vezes maior no gênero feminino, se comparados, respectivamente quanto ao gênero, à chance dos que não fumavam (Tabela 2).
Em contrapartida, ao separarmos por rede, 73,6% dos escolares da rede particular que fumavam também ingeriam álcool; na rede pública, esse número foi 77,2%, ou seja, a chance dos alunos da rede particular de fumar e ingerir bebidas alcoólicas foi aproximadamente 8 vezes maior quando comparada à dos alunos que não fumavam; na rede pública, essa chance foi 14 vezes maior (Tabela 3).
Também observamos neste estudo a associação do tabagismo com o uso de drogas ilícitas. A prevalência do uso de drogas ilícitas entre os escolares que fumavam foi de 24,2%, sendo maior entre os meninos (32,5%) do que entre as meninas (16,3%). Essa diferença foi estatisticamente significante (p < 0,03).
Em outras palavras, a chance dos escolares que fumavam de também usar drogas ilícitas foi aproximadamente 17 vezes maior (OR = 16,96; IC95%: 11,12-25,87) àquela dos que não fumavam. Ao separarmos por gênero (Tabela 4), a chance dos alunos dos gêneros masculino e feminino que fumavam de usar drogas ilícitas foi, respectivamente, cerca de 20 vezes e 14 vezes maior àquela dos alunos que não fumavam.
Quando estratificamos os alunos por rede particular e pública (Tabela 5), observamos que os escolares da rede particular que fumavam apresentavam uma chance aproximadamente 8 vezes maior de também usar drogas ilícitas em relação aos que não fumavam; na rede pública, essa chance foi aproximadamente 21 vezes maior.
Assim, pudemos também observar que a associação entre tabagismo e o uso de álcool e de outras drogas em adolescentes escolares é maior na rede pública do que na privada.
DiscussãoNeste estudo, a prevalência do tabagismo em escolares do DF foi de 10,5%, e 16,5% dos alunos entrevistados informaram ter experimentado cigarros pelo menos uma vez na vida. A média de idade de experimentação foi de 12,3 ± 2,5 anos, sem diferença estatisticamente significante entre os gêneros (p > 0.05).
O tabaco, por ser uma droga lícita e socialmente aceita, é considerado a pedra angular, costumando produzir um efeito multiplicador para o uso de outras drogas psicoestimulantes.(11,12)
Estudos já demonstraram a base fisiológica da associação do tabaco com a compulsão para o uso de outras drogas, principalmente o álcool.(13) Essa associação pode ser explicada porque ambas as substâncias (etanol e nicotina) estimulam os mesmos receptores dopaminérgicos no cérebro, o que pode gerar desejo e compulsão de uma droga pela outra.(14)
Por outro lado, o tabagismo é um problema de saúde pública e a principal causa evitável de morte e de agravos à saúde; a prevenção de seu uso deve ser prioritária em qualquer estratégia de intervenção.
Estudos epidemiológicos nos norteiam no acompanhamento e na evolução da prevalência de tabagismo entre adolescentes ao longo do tempo, podendo ser de grande ajuda para nos direcionar em relação à eficácia das estratégias utilizadas.
Entretanto, a comparação desses resultados nem sempre é possível devido a diferenças no delineamento metodológico, além do uso de diferentes questionários em cada pesquisa.
No Brasil, vale ressaltar a importância dos levantamentos realizados desde o ano de 1987 pelo CEBRID, sendo o último em 2004. Esse último estudo(15) demonstrou que 23,7% dos estudantes do ensino fundamental e médio das escolas públicas do país já experimentaram alguma droga psicotrópica (exceto tabaco e álcool). Quanto ao uso de tabaco e álcool na vida, as respectivas prevalências foram 24,9% e 65,2%.
Nesse mesmo estudo, 3,6% dos alunos de Brasília (DF) informaram ter feito uso frequente (6 ou mais vezes no mês) ou pesado (20 ou mais vezes no mês) de alguma droga psicotrópica (exceto tabaco ou álcool), e 17,1% já haviam experimentado cigarro.
Em outros estudos realizados no Brasil, observa-se que a prevalência do tabagismo entre escolares pode ser semelhante ou diferente da encontrada neste estudo. Em um estudo com estudantes do ensino médio de escolas públicas e particulares na cidade de Belém (PA), a prevalência do tabagismo foi de 11%.(16) Em Gravataí (RS), pesquisadores encontraram uma prevalência de 16,9% e de 2,4% para o uso do tabaco e de outras drogas, respectivamente, em alunos da 7ª série das escolas públicas.(17) Por outro lado, em Santa Maria (RS), a prevalência de tabagismo entre estudantes de escolas estaduais do ensino médio foi de 18,5%.(18)
No México, alguns autores,(19) desde o ano de 1988, têm realizado estudos sobre o tabagismo em adolescentes entre 12 e 17 anos; o último estudo (2002) demonstrou uma prevalência na área urbana de 10,1%, com diferença entre os gêneros, sendo de 15,4% no gênero masculino e de 4,8% no feminino. Foi observado que o tabagismo no adolescente está associado com o uso de álcool e de drogas ilícitas.
Concluindo, podemos dizer que a prevalência do tabagismo entre escolares do DF está diminuindo, embora ainda se encontre em níveis elevados. Observamos também uma forte associação entre o tabagismo e o uso de álcool e de outras drogas, especialmente entre escolares da rede pública. Esses dados confirmam que o tabagismo é uma porta de entrada para o uso de outras drogas, e seu combate deve orientar políticas de prevenção da experimentação e do uso de drogas, principalmente entre escolares.
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Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia, Hospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasília - UnB - Brasília (DF) Brasil.
Endereço para correspondência: Márcia Cardoso Rodrigues. Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde, Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS), SMHN Quadra 3, Conjunto A, Bloco 1, Asa Norte, CEP 70710-100, Brasília, DF, Brasil.
Tel/Fax 55 61 3369-0946. E-mail: dramarciacardoso@terra.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 10/2/2009. Aprovado, após revisão, em 28/5/2009.
Sobre os autoresMárcia Cardoso Rodrigues
Doutoranda. Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas, Universidade de Brasília - UnB - Brasília (DF) Brasil.
Carlos Alberto de Assis Viegas
Professor Associado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas, Universidade de Brasília - UnB - Brasília (DF) Brasil.
Emannuel Lucas Gomes
Médico Residente. Hospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasília - UnB - Brasília (DF) Brasil.
João Paulo Majella de Godoy Morais
Médico Residente. Hospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasília - UnB - Brasília (DF) Brasil.
Juliano Coelho de Oliveira Zakir
Médico Residente. Hospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasília - UnB - Brasília (DF) Brasil.