Ao Editor:
Ao reler o artigo de Dalcin et al. publicado no Jornal Brasileiro de Pneumologia em 2007, gostaria de contribuir com minha experiência nesse mesmo centro.
Formado havia quatro anos, em 1997, fui convidado para atender pacientes com fibrose cística no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Na época, não tinha conhecimento sobre a doença, e foi um desafio atender esses pacientes pois, com esse diagnóstico, estavam fadados a morrer precocemente.
Logo nos primeiros dias de trabalho, ao adentrar a enfermaria do décimo sul do HCPA, observei uma verdadeira harmonia de sons oriunda de uma manobra torácica chamada tapotagem, realizada na maioria das vezes pela mãe. A tosse com expectoração era, na maioria das vezes, desencadeada por essa manobra. Esse ruído sinalizava os quartos onde estavam internados os pacientes com essa doença genética, irreversível, cuja evolução não permitia, há alguns anos atrás, que os pacientes sobrevivessem até a adolescência. Graças a melhores regimes terapêuticos, a sobrevida desses pacientes vem aumentando até os 35 anos.(1)
O tratamento baseia-se em fisioterapia respiratória de duas a três vezes ao dia, exercícios físicos regulares, antibioticoterapia, suporte nutricional, apoio psicológico e cuidados de enfermagem.
Convém lembrar que um dos objetivos da fisioterapia respiratória é manter as vias aéreas desobstruídas, permitindo uma adequada troca gasosa.
Na época, realizava-se a chamada fisioterapia torácica convencional, que incluía também a vibração, a drenagem postural e a tosse.
Aos poucos e baseados na literatura internacional, fomos construindo um modelo de atendimento que suprisse as necessidades individuais de cada paciente; instituímos a máscara de pressão positiva, a drenagem autógena, o ciclo ativo da respiração, entre outras técnicas, todos muito bem fundamentados fisiologicamente.
Esses avanços proporcionaram aos pacientes maior autonomia; no entanto, esperávamos que essa nova proposta aumentasse a aderência dos pacientes ao tratamento, mas, de acordo com vários estudos publicados, a adesão à fisioterapia respiratória está aquém do esperado. Esse fato tem sido alvo de muitos estudos. Em um deles, ela ficou entre 40% e 53%.(2) Em outro, após a análise, através de questionário, de 91 pacientes com idade entre 14 e 40 anos, 41% dos pacientes relataram boa adesão quanto à realização de fisioterapia respiratória.(3) No estudo de Dalcin et al., a adesão autorrelatada para fisioterapia respiratória foi de 84%; entretanto, estas são medidas subjetivas e que muitas vezes superestimam a adesão.(1)
De acordo com Kaplan, não existe uma associação clara entre aderência e sexo, estado civil, raça, religião, situação socioeconômica, inteligência ou nível educacional; esse achado não é específico para pacientes com fibrose cística.(4)
É importante relatar os achados de alguns autores, que observaram que os pacientes mais jovens eram mais aderentes, motivo pela qual tinham menos doença.(5)
Muito provavelmente, isso se deva à presença da mãe, tanto que, em um estudo, mostrou-se que sem ajuda da mãe, por qualquer motivo, o tratamento parecia não ir adiante.(6)
Enfim, espero que nos tempos vindouros façamos todos os esforços para identificar as causas da má aderência, bem como tenhamos estratégias eficazes de tratamento, pois de nada adianta proporcionarmos a independência no autocuidado se não houver consciência de quanto ela é importante e fundamental para a manutenção da qualidade de vida e, sobretudo, da sobrevida desses pacientes.
Jefferson Veronezi
Professor do Centro Universitário Metodista Instituto Porto Alegre,
Porto Alegre, Rio Grande do Sul
Daiane Scortegagna
Fisioterapeuta da Associação de
Apoio a Portadores de Mucoviscidose do Rio Grande do Sul - AMUCORS -
Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul
Referências
1. Dalcin PT, Rampon G, Pasin LR, Ramon GM, Abrahão CL, Oliveira VZ. Adherence to treatment in patients with cystic fibrosis. J Bras Pneumol. 2007;33(6):663-70.
2. Abbott J, Dodd M, Gee L, Webb K. Ways of coping with cystic fibrosis: implications for treatment adherence. Disabil Rehabil. 2001;23(8):315-24.
3. Conway SP, Pond MN, Hamnett T, Watson A. Compliance with treatment in adult patients with cystic fibrosis. Thorax. 1996;51(1):29-33.
4. Sadock BJ, Sadock VA, Dornelles CO, editors. Compêndio de Psiquiatria - Ciência do Comportamento e Psiquiatria Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2007. p. 1-14.
5. Arias Llorente RP, Bousoño García C, Díaz Martín JJ. Treatment compliance in children and adults with cystic fibrosis. J Cyst Fibros. 2008;7(5):359-67.
6. Oliveira VZ, Gomes WB. Comunicação médico - paciente e adesão ao tratamento em adolescentes portadores de doenças orgânicas crônicas. Estud Psicol (Natal). 2004;9(3):459-69.