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Relato de Caso

Intoxicação grave por paraquat: achados clínicos e radiológicos em um sobrevivente

Severe paraquat poisoning: clinical and radiological findings in a survivor

Fábio Fernandes Neves, Romualdo Barroso Sousa, Antônio Pazin-Filho, Palmira Cupo, Jorge Elias Júnior, Marcello Henrique Nogueira-Barbosa

ABSTRACT

Paraquat is a nonselective contact herbicide of great toxicological importance, being associated with high mortality rates, mainly due to respiratory failure. We report the case of a 22-year-old male admitted to the emergency room with a sore throat, dysphagia, hemoptysis, and retrosternal pain after the ingestion of 50 mL of a paraquat solution, four days prior to admission. Chest CT scans revealed pulmonary opacities, pneumomediastinum, pneumothorax, and subcutaneous emphysema. The patient was submitted to two cycles of immunosuppressive therapy with cyclophosphamide, methylprednisolone, and dexamethasone. The pulmonary gas exchange parameters gradually improved, and the patient was discharged four weeks later. The clinical and tomographic follow-up evaluations performed at four months after discharge showed that there had been further clinical improvement. We also present a brief review of the literature, as well as a discussion of the therapeutic algorithm for severe paraquat poisoning.

Keywords: Paraquat/poisoning; Pulmonary fibrosis; Pneumothorax.

RESUMO

O paraquat é um herbicida não seletivo que possui grande importância toxicológica, sendo associado a altas taxas de letalidade, devidas principalmente à insuficiência respiratória. Este é o relato do caso de um homem de 22 anos admitido no departamento de emergência com queixa de dor de garganta, disfagia, hemoptise e dor retroesternal. Ele relatava a ingestão de cerca de 50 mL de uma solução de paraquat quatro dias antes da admissão hospitalar. A TC de tórax exibia opacidades pulmonares, pneumomediastino, pneumotórax e enfisema subcutâneo. O paciente foi submetido a dois ciclos de terapia imunossupressora com ciclofosfamida, metilprednisolona e dexametasona. Os parâmetros gasométricos progressivamente melhoraram, e o paciente recebeu alta hospitalar após quatro semanas. Decorridos quatro meses da alta, o paciente foi submetido a controles clínico e tomográfico, os quais confirmaram a melhora clínica. Apresentamos também uma revisão sucinta da literatura, bem como uma discussão do processo de decisão terapêutica para intoxicação grave por paraquat.

Palavras-chave: Paraquat/envenenamento; Fibrose pulmonar; Pneumotórax.

Introdução

O paraquat é um herbicida não seletivo e amplamente utilizado que possui grande importância toxicológica, sendo associado a altas taxas de mortalidade.(1) Em humanos que ingeriram uma quantidade significativa de paraquat, a morte geralmente ocorre dentro de duas a três semanas, como resultado de insuficiência renal aguda, hepatite e, principalmente, insuficiência respiratória causada por inflamação pulmonar e fibrose.(2)

Relato de caso

Um homem de 22 anos foi admitido no departamento de emergência com queixa de dor de garganta, disfagia, hemoptise e dor retroesternal. Ele havia tentado se suicidar por meio da ingestão de 50 mL de uma solução de paraquat quatro dias antes da admissão hospitalar e havia sido tratado, em outro serviço, com lavagem gástrica e administração de carvão vegetal ativado. Vale ressaltar que ele havia tentado se suicidar anteriormente, em mais de uma ocasião.

O exame físico revelou bolhas e ulcerações na boca e na língua. O paciente apresentava níveis elevados de creatinina, leucocitose, hiponatremia e acidose metabólica, com função hepática normal e oxigenação normal. Os níveis de creatinina sérica e PaO2 são mostrados na Figura 1. Os achados da radiografia de tórax realizada na admissão eram normais (Figura 2a). Embora o paciente não tenha sido internado até o 4º dia após a ingestão, o resultado do teste de urina com ditionito de sódio (para paraquat) ainda foi positivo na admissão. Ele foi submetido a hemodiálise e terapia imunossupressora com ciclofosfamida, metilprednisolona e dexametasona, de acordo com o protocolo recomendado por Lin et al.(3) Além disso, recebeu N-acetilcisteína.



No segundo dia de internação (6º dia após a ingestão), o paciente apresentou hemoptise. A radiografia de tórax realizada no 8º dia após a ingestão mostrou infiltrado alveolar localizado (Figura 2b). Opacidades pulmonares, pneumomediastino, pneumotórax e enfisema subcutâneo foram detectados na TC de tórax (Figura 3). No sétimo dia de internação, os parâmetros gasométricos pioraram (Figura 1), e o paciente foi submetido a um segundo ciclo da mesma terapia imunossupressora. Posterior­mente, apesar de um episódio de neutropenia febril, ele se recuperou gradualmente e recebeu alta hospitalar, em bom estado, após quatro semanas, sem necessidade de oxigenoterapia domiciliar. Após quatro meses, o paciente estava trabalhando novamente e não tinha queixas, a não ser por dispneia após esforço físico intenso. Na ausculta torácica, ainda se podiam ouvir crepitações nos campos pulmonares inferiores, e havia sibilância universalmente distribuída, juntamente com atrito pleural no hemitórax direito. A TC de tórax realizada quarto meses após a alta também é mostrada na Figura 3.





Discussão

Apresentamos um caso típico de intoxicação moderadamente grave por paraquat. Entretanto, o desfecho foi positivo, o que é raro, e isso provavelmente se deveu à terapia imunossupressora, apesar de o tratamento ter sido iniciado muito tempo depois da ingestão.
A maioria dos casos de intoxicação por paraquat é acidental ou secundária a tentativas de suicídio.(1) Casos de intoxicação moderada a grave são geralmente secundários à ingestão de 20-50 mg/kg de peso corporal. Achados clínicos comuns incluem sintomas gastrointestinais, insuficiência renal aguda, hemorragia pulmonar e fibrose pulmonar tardia. Geralmente, a morte, por insuficiência respiratória, ocorre dentro de três semanas após a ingestão. Em casos de ingestão maciça (> 50 mg/kg de peso corporal), a morte ocorre poucas horas após a ingestão, em razão da falência de múltiplos órgãos.(2)

A toxicidade do paraquat resulta do fato de que ele inibe a redução de NADP a NADPH, resultando em uma superprodução de espécies reativas de oxigênio que destroem os lipídios das membranas celulares.

Consequentemente, há inflamação, com recrutamento de leucócitos e fibrose pulmonar tardia, levando a hipoxemia que não responde ao tratamento. Essa fisiopatologia geralmente é confirmada por achados radiológicos,(4) como as opacidades em vidro fosco difusas demonstradas no presente relato de caso.(4) Além disso, observamos pneumomediastino, pneumotórax e enfisema subcutâneo, que são complicações comumente atribuídas à toxicidade pulmonar do paraquat.(5)

Não há tratamento específico para a intoxicação por paraquat. Medidas terapêuticas gerais são indicadas para evitar a absorção do paraquat através to trato digestivo e aumentar sua excreção. A lavagem gástrica com terra de Fuller ou carvão vegetal ativado geralmente é utilizada para evitar a absorção do paraquat. O aumento da excreção do paraquat por meio de hemoperfusão é frequentemente indicado como o próximo passo adequado. Infelizmente, em razão do grande atraso entre a ingestão e a admissão na emergência, nem todas as medidas foram tomadas neste caso. As taxas de mortalidade são significativamente altas, mesmo se as melhores práticas forem seguidas e houver acesso total a todas as medidas de apoio descritas. Novas abordagens, incluindo a terapia imunossupressora e o tratamento com antioxidantes, estão sendo estudadas em pacientes selecionados que apresentam fatores de mau prognóstico, como ingestão de doses elevadas, envolvimento sistêmico, ingestão atribuída a tentativa de suicídio, pneumomediastino e resultados fortemente positivos em testes qualitativos.(2) No presente caso, apesar do fato de que haviam se passado 96 h desde a ingestão de paraquat, essas novas abordagens terapêuticas foram utilizadas, pois a condição clínica do paciente havia se deteriorado. Tivemos que presumir que a intoxicação era fatal, pois a determinação quantitativa dos níveis plasmáticos de paraquat, níveis altos se associando a maior mortalidade, não estava disponível em nosso departamento.

No presente caso, vários achados indicavam um prognóstico ruim. Portanto, a terapia imunossupressora e o tratamento com antioxidantes foram indicados para interromper o processo inflamatório. Embora sejam necessários mais estudos para se determinar os reais benefícios desse tipo de terapia na intoxicação por paraquat, a melhora progressiva dos parâmetros gasométricos e o desfecho extraordinariamente positivo aqui documentado certamente são bastante animadores e podem levar ao desenvolvimento de novos protocolos para o tratamento dessa condição grave.


Referências

1. Vale JA, Meredith TJ, Buckley BM. Paraquat poisoning: clinical features and immediate general management. Hum Toxicol. 1987;6(1):41-7.

2. Dinis-Oliveira RJ, Duarte JA, Sánchez-Navarro A, Remião F, Bastos ML, Carvalho F. Paraquat poisonings: mechanisms of lung toxicity, clinical features, and treatment. Crit Rev Toxicol. 2008;38(1):13-71.

3. Lin JL, Lin-Tan DT, Chen KH, Huang WH. Repeated pulse of methylprednisolone and cyclophosphamide with continuous dexamethasone therapy for patients with severe paraquat poisoning. Crit Care Med. 2006;34(2):368-73.

4. Lee SH, Lee KS, Ahn JM, Kim SH, Hong SY. Paraquat poisoning of the lung: thin-section CT findings. Radiology. 1995;195(1):271-4.

5. Im JG, Lee KS, Han MC, Kim SJ, Kim IO. Paraquat poisoning: findings on chest radiography and CT in 42 patients. AJR Am J Roentgenol. 1991;157(4):697-701.




* Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Fábio Fernandes Neves. Centro de Estudos de Emergências em Saúde, Rua Bernardino de Campos, 1000, Higienópolis, CEP 14015-130, Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Tel 55 16 3602-1258. E-mail: fabioneves@hcrp.usp.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 11/3/2010. Aprovado, após revisão, em 23/3/2010.




Sobre os autores

Fábio Fernandes Neves
Médico Assistente. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Romualdo Barroso Sousa
Médico. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Antônio Pazin-Filho
Professor. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Palmira Cupo
Professora. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Jorge Elias Júnior
Professor. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Marcello Henrique Nogueira-Barbosa
Professor. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

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