ABSTRACT
Objective: To evaluate structural alterations of the lung in rats with diabetes mellitus (DM), by quantifying oxidative stress and DNA damage, as well as to determine the effects that exogenous superoxide dismutase (SOD) has on such alterations. Methods: A controlled experimental study involving 40 male Wistar rats, divided into four groups (10 animals each): control; SOD-only (without DM but treated with SOD); IDM-only (with streptozotocin-induced DM but untreated); and IDM+SOD (with streptozotocin-induced DM, treated with SOD). The animals were evaluated over a 60-day period, day 0 being defined as the day on which the streptozotocin-injected animals presented glycemia > 250 mg/dL. The SOD was administered for the last 7 days of that period. At the end of the study period, samples of lung tissue were collected for histopathological analysis, evaluation of tissue oxidative stress, and assessment of DNA damage. Results: There were no significant differences among the groups regarding DNA damage. In the IDM-only group, there was a significant increase in the extracellular matrix and significantly greater hyperplasia of the capillary endothelium than in the SOD-only and control groups. In addition, there were significant changes in type II pneumocytes and macrophages, suggesting an inflammatory process, in the IDM-only group. However, in the IDM+SOD group, there was a reduction in the extracellular matrix, as well as normalization of the capillary endothelium and of the type II pneumocytes. Conclusions: Exogenous SOD can reverse changes in the lungs of animals with induced DM.
Keywords:
Diabetes mellitus, experimental; Oxidative stress; Lung; DNA damage.
RESUMO
Objetivo: Avaliar as alterações estruturais no pulmão de ratos com diabetes mellitus (DM) através da quantificação do estresse oxidativo e do dano ao DNA, assim como determinar os efeitos de superóxido dismutase (SOD) exógena nessas alterações. Métodos: Estudo experimental controlado com 40 ratos Wistar, divididos em quatro grupos (10 animais cada): grupo controle, grupo SOD (sem DM e tratados com SOD), grupo DM (com DM induzido por estreptozotocina), e grupo DM+SOD (com DM induzido por estreptozotocina e tratados com SOD). Os animais foram avaliados por um período de 60 dias, iniciado a partir do dia em que os animais com diabetes induzido por estreptozotocina apresentaram glicemia > 250 mg/dL. Nos últimos 7 dias do período, os animais nos grupos tratados receberam SOD. Ao final do tempo de estudo, amostras de tecido pulmonar foram coletadas para análise histopatológica e avaliação do estresse oxidativo e do dano ao DNA. Resultados: Não houve diferenças significativas entre os grupos em relação ao dano ao DNA. Houve um aumento significativo na matriz extracelular e hiperplasia do endotélio capilar no grupo DM quando comparado com os grupos controle e SOD. Também houve mudanças significativas em pneumócitos tipo II e macrófagos intravasculares, sugerindo um processo inflamatório no grupo DM. Entretanto, uma redução na matriz extracelular, endotélio capilar normal e pneumócitos tipo II normais foram encontrados no grupo com DM+SOD. Conclusões: A administração exógena de SOD pode reverter alterações nos pulmões de animais com DM induzido.
Palavras-chave:
Diabetes mellitus experimental; Estresse oxidativo; Pulmão; Dano ao DNA.
IntroduçãoO diabetes mellitus (DM) é uma doença endócrina e metabólica que afeta vários órgãos, incluindo os pulmões. A principal manifestação clínica é a hiperglicemia, a qual desencadeia o estresse oxidativo por meio do aumento da produção de ânion superóxido mitocondrial e do aumento da glicosilação não-enzimática de proteínas, assim como por meio da ativação de vários fatores de transcrição celular.(1)
O impacto do DM no aparelho respiratório se caracteriza por anormalidades na função pulmonar, tais como redução da retração elástica pulmonar e dos volumes pulmonares e diminuição da capacidade de difusão.(2,3) Estudos experimentais demonstraram que a resistência venosa pulmonar se eleva duas semanas após o início da doença e que a hiperglicemia induz o estresse oxidativo no tecido pulmonar. A análise do tecido pulmonar de animais com diabetes induzido por estreptozotocina mostrou um aumento da espessura da membrana basal dos pulmões. Além disso, modelos animais mostraram que indivíduos diabéticos apresentam um déficit na expressão de proteínas, incluindo a proteína surfactante A e as proteínas surfactantes hidrófobas B e C.(4)
Estudos que avaliaram o uso da terapia antioxidante para a redução do estresse oxidativo pulmonar em modelos animais de diabetes mostraram os potenciais efeitos de vários antioxidantes, tais como aminoguanidina, sinvastatina e N-acetilcisteína, em ratos e camundongos.(5-7) A orgoteína, uma superóxido dismutase (SOD) descrita pela primeira vez em 1969 por McCord & Fridovich, atua sobre o processo inflamatório e a lesão tecidual.(8) A administração exógena desse antioxidante elimina os ânions de radicais superóxido extracelulares e mantém a integridade celular. Isso reduz o número de eventos inflamatórios agudos e influencia efeitos tardios.(9) A orgoteína também tem outros efeitos que ainda não foram bem descritos na literatura, tais como o seu papel no processo de envelhecimento celular, apoptose e replicação viral e seus efeitos analgésicos.(10)
O objetivo do presente estudo foi avaliar as alterações induzidas pelo DM na estrutura pulmonar, por meio da análise do estresse oxidativo e do dano ao DNA, assim como determinar os efeitos de SOD exógena nessas alterações.
MétodosTrata-se de um estudo controlado envolvendo um modelo experimental de DM induzido por estreptozotocina em ratos e a administração exógena de SOD.
O estudo incluiu 40 ratos Wistar (peso médio, 250 g) provenientes do biotério da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.
Os ratos foram alojados em caixas de propileno, 5 animais por caixa, em um ambiente com temperatura controlada (temperatura média, 24°C), e mantidos em um ciclo claro/escuro de 12/12 h com livre acesso a água e ração. Todos os animais foram tratados segundo as diretrizes do Ethical Code for Animal Experimentation da Organização Mundial da Saúde.
Os animais foram aleatoriamente designados para quatro grupos (10 por grupo): grupo controle; grupo SOD (sem DM e tratados com SOD); grupo DM (com DM induzido por estreptozotocina e não tratados); e DM+SOD (com DM induzido por estreptozotocina e tratados com SOD).
A DM foi induzida com uma única injeção intraperitoneal de estreptozotocina (70 mg/kg; Sigma Chemical, St. Louis, MO, EUA) dissolvida em uma solução de citrato de sódio 10 mmol/L (pH = 4,5).(11) Cinco dias após a injeção, a glicemia foi medida. Considerou-se que os animais que apresentaram hiperglicemia (glicemia de jejum > 250 mg/dL) haviam desenvolvido DM.(12) A glicemia foi determinada utilizando-se um ensaio enzimático colorimétrico (Enzi-Color kit; Bio Diagnóstica, Pinhais, Brasil), no qual o reagente é misturado a 20 mL da amostra de plasma, e o produto foi lido posteriormente em espectrofotômetro em comprimento de onda de 500 nm (CARY 3E; Varian, Palo Alto, CA, EUA).
O dia no qual os animais injetados com estreptozotocina apresentaram glicemia > 250 mg/dL foi considerado o dia 0 do período de estudo de 60 dias. Nos últimos 7 dias do experimento, SOD (Ontosein®; Tedec Meiji Farma, Alcalá de Henares, Espanha) foi administrada subcutaneamente na dose de 13 mg/kg de peso corporal.(13) No 60º dia, os animais foram anestesiados com cetamina (100 mg/kg) e xilazina (50 mg/kg) i.p. e, em seguida, sacrificados. Amostras de tecido pulmonar foram coletadas para análise histopatológica e avaliação do estresse oxidativo tecidual. O material remanescente foi coletado, imediatamente congelado em nitrogênio líquido e armazenado a −80°C para posterior ensaio bioquímico.
Amostras de sangue foram obtidas do plexo retro-orbital,(14) através do seio orbital, e colocadas em um tubo de ensaio com heparina (Liquemine®; Roche,. Neuilly-sur-Seine, França) para evitar a coagulação. O material foi então centrifugado a 4.000 rpm por 15 min. O precipitado foi descartado, e o plasma foi retirado com uma pipeta (Labsystems 4500, 200/100 mL; Labsystems, Helsinki, Finlândia) e congelado a −80°C para posterior determinação dos níveis de glicose.
Os pulmões foram dissecados e armazenados a −80°C para posterior quantificação de thiobarbituric acid reactive substances (TBARS, substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico) e avaliação da atividade antioxidante (SOD e catalase).
Fragmentos de pulmão foram imersos em solução salina a 2°C. Cada fragmento foi então colocado em um tubo de homogeneização com PBS (KCl, 140 mmol/L; fosfato, 20 mmol/L; pH = 7,4; 9 mL por grama de tecido) e homogeneizado em Ultra-Turrax (IKA Labortechnik, Staufen, Alemanha) a 2°C por 30 s. O homogenato foi centrifugado a 3.000 rpm por 10 min (Sorvall RC-5B refrigerated superspeed centrifuge; DuPont, Wilmington, DE, EUA).(14) O sobrenadante foi transferido para tubos Eppendorf, e o precipitado foi descartado.
Uma solução de albumina bovina (Sigma Chemical) foi utilizada na concentração de 1 mg/mL, de acordo com o método de Lowry et al.(15) As amostras foram lidas em espectrofotômetro em comprimento de onda de 625 nm, e os resultados são expressos em mg/mL.
O produto da peroxidação lipídica foi quantificado por meio da determinação dos níveis de TBARS em 3 mg de proteínas por amostra analisada. As amostras foram incubadas a 90°C por 30 min.
Posteriormente, 500 µL de uma solução de ácido tiobarbitúrico 0,37% foram adicionados à solução de ácido tricloroacético 15% e centrifugados a 2.000 rpm a 4°C por 15 min. A absorbância foi determinada por espectrofotometria a 535 nm.(16) A determinação da atividade de SOD foi realizada de acordo com o método de Mirsa & Fridovich, o qual se baseia na inibição de SOD na formação de adrenocromo na auto-oxidação da epinefrina.(17) A atividade da catalase foi determinada por um método que consiste na adição de 955 mL de tampão fostato a 25 mL da amostra de tecido pulmonar.(18) Posteriormente, foram adicionados 20 mL de peróxido de hidrogênio, e a amostra foi lida por espectrofotometria em comprimento de onda de 240 nm. Os resultados são expressos em pmol/g de proteína.
As amostras de tecido pulmonar foram coletadas e imersas em uma solução de formaldeído 10% por 12 h, sendo em seguida transferidas para uma solução de álcool 70%. As amostras foram então coradas com picrosirius red e H&E. O exame anatomopatológico foi realizado por um patologista do Laboratório de Patologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, cegado em relação aos grupos de animais.
O tecido pulmonar foi imediatamente fixado em glutaraldeído 2%, e as amostras foram pós-fixadas em solução de tetróxido de ósmio 1% tamponada e, em seguida, contrastadas com acetato de uranila 2% em bloco. Posteriormente, o tecido foi desidratado em uma série de alcoóis graduados. O material foi pré-embebido em Epon 812 (Shell Chemical Co., New York, NY, EUA) com acetona pura em proporções decrescentes de 75%, 50% e 25%. As amostras foram então embebidas em Epon 812 puro por 24 h, e, em seguida, o material foi polimerizado em um forno a 60°C por 72 h.
Secções semifinas (800 nm) foram obtidas com um ultramicrótomo (Leica Ultracut UCT; Leica Microsystems Inc., Bannockburn, IL, EUA) e coradas com uma solução aquosa de azul de toluidina 1% e fucsina básica. Secções ultrafinas (70 nm) também foram obtidas. Para o contraste das secções ultrafinas, utilizou-se acetato de uranila 2% e, em seguida, citrato de chumbo. Essas secções foram então examinadas em um microscópio eletrônico (modelo EM208S; Philips, Eindhoven, Holanda) com grande ampliação (10.000×).
A eletroforese alcalina em gel de célula única (gel cometa) foi realizada conforme descrito anteriormente,(19) com pequenas modificações.
(20,21) Cada fragmento pulmonar foi colocado em um tubo com 0,5 mL de PBS gelado e foi finamente moído para se obter uma suspensão celular. As suspensões pulmonares (5 µL) foram emblocadas em 95 µL de uma solução de agarose com baixo ponto de fusão (Gibco-BRL, Rockville, MD, EUA) e espalhadas sobre lâminas pré-revestidas com agarose. Após a solidificação, as lâminas foram colocadas em tampão de lise (2,5 M NaCl, 100 mM EDTA e 10 mM Tris; pH = 10,0), com adição na hora do uso de Triton X-100 1% (Sigma) e DMSO 10%, a 4°C por 48 h.
As lâminas foram posteriormente incubadas a 4°C por 20 min em tampão alcalino (300 mM NaOH e 1 mM EDTA; pH > 13) preparado na hora do uso. Uma corrente elétrica de 300 mA e 25 V (0,90 V/cm) foi aplicada por 15 min para a realização da eletroforese de DNA. As lâminas foram então neutralizadas (0,4 M Tris; pH = 7,5), coradas com prata e analisadas em um microscópio. Imagens de 100 células aleatoriamente selecionadas (50 células de cada uma de duas lâminas replicadas) foram analisadas para cada animal. As células também foram classificadas visualmente, pelo tamanho da cauda, em cinco categorias, indo de sem dano (0 ponto) a com dano máximo (4 pontos),(4) resultando em um único escore de dano ao DNA para cada animal e em um escore médio para cada grupo.
O índice de dano (ID) pode variar de 0 (completamente sem dano; 100 células × 0) a 400 (com dano máximo; 100 células × 4). A frequência de dano (FD; em %) foi calculada com base no número de células com cauda vs. número de células sem cauda.(20)
Os dados sobre o estresse oxidativo foram analisados com o Statistical Package for the Social Sciences, versão 13.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA), utilizando-se ANOVA seguida pelo teste de Student-Newman-Keuls. Os dados sobre o ensaio cometa foram analisados utilizando-se ANOVA seguida pelo teste de Tukey. O nível de significância adotado foi de 5%.
ResultadosOs níveis de TBARS foram significativamente mais altos nas amostras de tecido pulmonar coletadas dos animais do grupo DM do que nas coletadas dos animais dos grupos controle e SOD, enquanto foram significativamente mais baixos nas coletadas dos animais do grupo DM+SOD do que nas coletadas dos animais do grupo DM (Tabela 1).
A análise da peroxidação lipídica das amostras de sangue mostrou que os níveis séricos de TBARS foram significativamente mais altos no grupo DM do que nos grupos controle e SOD, enquanto foram significativamente mais baixos nas amostras de sangue coletadas dos animais do grupo DM+SOD do que nas coletadas dos animais do grupo DM.
Nas amostras de tecido pulmonar, os níveis de SOD foram significativamente mais baixos no grupo DM do que nos grupos controle e SOD. Entretanto, os níveis de SOD nas amostras de tecido pulmonar do grupo DM+SOD foram significativamente mais altos do que os observados nas amostras do grupo DM.
Em termos de atividade da catalase, o grupo DM não se diferenciou significativamente dos grupos controle e SOD. Entretanto, a atividade da catalase foi significativamente mais baixa no grupo DM+SOD do que em qualquer um dos outros três grupos.
A análise das lâminas histológicas revelou macrófagos intravasculares, o que sugere a presença de um processo inflamatório no tecido, no grupo DM, mas não nos grupos controle e SOD. No grupo DM, também houve um aumento da matriz extracelular, evidenciado pela presença de fibrose, assim como um aumento da espessura da membrana alvéolo-capilar.
Entretanto, nos pulmões dos animais do grupo DM+SOD, o endotélio
capilar pulmonar era semelhante ao observado nos animais dos grupos controle e SOD. Além disso, os pulmões dos animais do grupo DM+SOD apresentaram uma redução da matriz extracelular (menos fibrose) e do número de macrófagos intravasculares (Figura 1).
A análise ultraestrutural do tecido pulmonar dos animais do grupo DM mostrou espessamento da membrana basal, fibrose do interstício pulmonar, desorganização dos pneumócitos tipo II e ausência de corpos lamelares, sugerindo que a produção de surfactante foi reduzida nos animais do grupo DM (Figura 2). Essas alterações não foram significativas nos grupos controle e SOD, enquanto houve uma redução da espessura da membrana basal no grupo DM+SOD, o que foi semelhante aos resultados obtidos para os grupos controle e SOD.
Quando os pneumócitos tipo II foram analisados, observou-se que os animais do grupo DM+SOD apresentavam corpos lamelares.
Não houve diferenças significativas em ID ou FD entre o grupo controle e o grupo DM ou entre o grupo SOD e o grupo DM+SOD (Tabela 2).
DiscussãoO presente estudo investigou o efeito de SOD exógena em um modele de DM em ratos. Embora a SOD não tenha diminuído os níveis de glicose plasmática nos ratos com DM induzido por estreptozotocina, ela reduziu a peroxidação lipídica, avaliada por meio da determinação dos níveis de TBARS no tecido pulmonar e no sangue, e também reduziu as alterações na estrutura pulmonar dos ratos com DM induzido por estreptozotocina. Não se observou redução no dano ao DNA do tecido pulmonar, não havendo aumentos significativos em ID ou FD no grupo DM.
A terapia antioxidante aqui utilizada provou ser eficaz na redução do estresse oxidativo pulmonar assim como na ativação dos mecanismos das enzimas oxidantes (SOD e catalase). As mudanças no mecanismo de ação dessas enzimas parecem ser cruciais no desenvolvimento de alterações pulmonares induzidas por DM. A enzima SOD tem um papel crucial na proteção do tecido porque atua como uma varredora do ânion superóxido, impedindo a formação de outros oxidantes mais potentes, tais como o peroxinitrito e o radical hidroxila.(22) Em um estudo anterior, mostrou-se que a terapia antioxidante diminuiu o estresse oxidativo pulmonar em um modelo experimental de síndrome hepatopulmonar em ratos.(23)
No presente estudo, a administração de SOD não afetou os níveis de glicose plasmática, um achado que corrobora os resultados de outro estudo, no qual o uso de SOD mimética foi avaliado em um modelo experimental de diabetes em ratos.(24)
Observamos um aumento do estresse oxidativo pulmonar nos ratos com DM induzido por estreptozotocina. Esse achado provavelmente se deve aos efeitos dos radicais livres nas estruturas da membrana celular do tecido pulmonar, conforme descrito por outro grupo de autores, o qual mostrou um aumento do estresse oxidativo pulmonar em coelhos com diabetes induzido por aloxano.(25) Em nosso estudo, isso foi evidenciado pelos níveis mais altos de TBARS no sangue e no tecido pulmonar, sugerindo que, em ratos com DM, a peroxidação lipídica ocorre nos primeiros 60 dias após o início da doença. Entretanto, após a administração de SOD, a peroxidação lipídica diminuiu, e, consequentemente, o tecido pulmonar dos ratos com DM induzido por estreptozotocina apresentou aumento da atividade de SOD após o tratamento. Esse efeito benéfico do uso do antioxidante exógeno foi descrito em um estudo anterior que avaliou o efeito antioxidante do ácido α-lipóico no estresse oxidativo e na expressão da óxido nítrico sintase induzível em ratos com diabetes induzido por estreptozotocina.(26)
Em nosso estudo, observamos que os ratos com DM induzido por estreptozotocina apresentaram alterações na ultraestrutura do tecido pulmonar, avaliada por microscopia eletrônica, tais como aumento da espessura da membrana basal, aumento da fibrose pulmonar e alterações nos pneumócitos tipo II. Após esses ratos terem sido tratados com SOD, a ultraestrutura do tecido pulmonar retornou a condições quase basais.
Um grupo de autores investigou o efeito do tratamento com sinvastatina na peroxidação lipídica pulmonar e na atividade de enzimas antioxidantes, bem como avaliou a ultraestrutura pulmonar, em ratos com diabetes induzido por estreptozotocina. Eles mostraram que tais ratos desenvolvem alterações na ultraestrutura pulmonar e um desequilíbrio oxidante nos pulmões e também que o tratamento com sinvastatina pode melhorar o status antioxidante e a organização da estrutura pulmonar.(6)
Outro grupo de autores, avaliando o efeito da aminoguanidina na aorta e nos pulmões de ratos com diabetes induzido por estreptozotocina, observou que, após a administração de aminoguanidina, a qual tem um papel vasorregulatório, houve um aumento da liberação de prostaciclina, com um leve efeito na vasodilatação endotélio-dependente, seguido pela regulação da liberação na circulação pulmonar de aminoguanidina.(5)
Entretanto, em um estudo que examinou o papel da endothelial nitric oxide synthase (eNOS, óxido nítrico sintase endotelial) no remodelamento vascular em camundongos com diabetes induzido por estreptozotocina, observou-se que o DM acelera o processo de remodelamento vascular relacionado ao estresse oxidativo e aumenta a expressão da eNOS.(27)
Vários estudos mostraram um aumento do dano oxidativo ao DNA em linfócitos do sangue periférico de pacientes diabéticos ou de ratos com diabetes induzido por estreptozotocina.(28-30) Entretanto, poucos estudos avaliaram o dano ao DNA em outros tecidos alvo associados a complicações do DM.(29) No presente estudo, não houve aumentos do dano ao DNA nos pulmões (Tabela 2) ou no sangue periférico (dados não mostrados) dos ratos com DM induzido por estreptozotocina. Cabe ressaltar que o dano ao DNA foi relacionado à hiperglicemia em pacientes diabéticos.(28,30) No presente estudo, a administração de SOD não diminuiu a glicemia nos ratos. Isso pode explicar o fato de o tratamento com SOD não ter afetado o grau de dano ao DNA nos ratos com DM induzido por estreptozotocina. Além disso, o aumento do estresse oxidativo não foi suficiente para aumentar o grau de dano ao DNA nas amostras de tecido pulmonar avaliadas. Ademais, parte do dano oxidativo ao DNA foi provavelmente induzido pelo DM. Esse dano foi reparado, e não foi observado aumento significativo.
O mecanismo pelo qual níveis elevados de glicose causam lesões vasculares e resultam em alterações estruturais e funcionais em vários tecidos pode ser multifatorial, e os mais importantes desses fatores são o papel do estresse oxidativo, o aumento da síntese/acúmulo de diacilglicerol, a ativação da proteína quinase C, o aumento da ativação da via do sorbitol do metabolismo glicídico, a glicosilação não-enzimática das proteínas e as alterações relativas ou absolutas na produção de substâncias vasoativas, tais como endotelina, prostaglandinas e subprodutos de óxido nítrico.(4)
Em nosso estudo, observamos que o estresse oxidativo pulmonar foi significativamente maior nos ratos com DM induzido por estreptozotocina do que nos animais controle. Os ratos com DM induzido por estreptozotocina apresentaram maior peroxidação lipídica, maiores níveis de glicemia e menos atividade de SOD. Nesses mesmos ratos, observamos alterações na ultraestrutura pulmonar, evidenciadas pelo aumento da espessura da membrana basal, juntamente com fibrose pulmonar e alterações nos pneumócitos tipo II. Acreditamos que essas alterações estejam inter-relacionadas, pois elam foram reduzidas após a administração de SOD. Esses resultados reforçam a hipótese de que o estresse oxidativo observado no DM pode causar alterações na estrutura pulmonar e de que, após a administração de SOD exógena, esses parâmetros retornam às suas condições basais.
Nossos resultados indicam que o tratamento com SOD exógena inibe a peroxidação lipídica em ratos com diabetes induzido por estreptozotocina e minimiza as alterações estruturais no pulmão sem causar maiores danos ao DNA. Isso sugere que o estresse oxidativo é uma das vias que levam a tais alterações e que os antioxidantes exógenos podem ser utilizados com sucesso no tratamento do DM.
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* Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Luiz Alberto Forgiarini Junior. Rua Wenceslau Escobar, 1086, apto. 916, Tristeza, CEP 91900-000, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 3269-0663. E-mail: lafjunior@click21.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE) do Hospital de Clinicas de Porto Alegre.
Recebido para publicação em 22/4/2010. Aprovado, após revisão, em 24/5/2010.
Sobre os autoresLuiz Alberto Forgiarini Junior
Doutorando em Ciências Pneumológicas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.
Nélson Alexandre Kretzmann
Doutorando em Hepatologia, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
Juliana Tieppo
Pesquisadora. Laboratório de Hepatologia Experimental-Fisiologia, Centro de Pesquisas, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.
Jaqueline Nascimento Picada
Professora. Programa de Pós-Graduação em Genética e Toxicologia Aplicada, Universidade Luterana do Brasil, Canoas (RS) Brasil.
Alexandre Simões Dias
Professor. Programa de Pós-Graduação de Reabilitação e Inclusão, Centro Universitário Metodista, Instituto Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
Norma Anair Possa Marroni
Professora. Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, e Programa de Pós-Graduação em Genética e Toxicologia, Universidade Luterana do Brasil, Canoas (RS) Brasil.