ABSTRACT
The correlation between resistance to pyrazinamide (PZA) and resistance to other first-line antituberculosis drugs was investigated in 395 Mycobacterium tuberculosis strains isolated from clinical specimens, representing 14% of the overall number of M. tuberculosis isolates obtained between 2003 and 2008 at the laboratory of a referral university hospital for tuberculosis. A high correlation was found between resistance to PZA and multidrug resistance, as well as between PZA resistance and resistance to rifampin, isoniazid, and ethambutol (p < 0.01 for all). These results highlight the importance of performing PZA susceptibility testing prior to the prescription of this drug in order to treat drug-resistant and multidrug-resistant tuberculosis.
Keywords:
Tuberculosis/drug therapy; Tuberculosis/microbiology; Antibiotics, antitubercular.
RESUMO
A correlação entre a resistência à pirazinamida (PZA) e a resistência a outros fármacos antituberculose de primeira linha foi investigada em 395 cepas de Mycobacterium tuberculosis provenientes de espécimes clínicos, que representavam 14% do total de isolados de M. tuberculosis no período entre 2003 e 2008 no laboratório de um hospital universitário de referência para tuberculose. Uma alta correlação foi encontrada entre resistência a PZA e multirresistência, assim como entre resistência a PZA e resistência a rifampicina, isoniazida e etambutol (p < 0,01 para todos). Esses resultados enfatizam a importância da realização do teste de sensibilidade a PZA antes de prescrever a droga para o tratamento de tuberculose resistente e multirresistente.
Palavras-chave:
Tuberculose/quimioterapia; Tuberculose/microbiologia; Antibióticos antituberculose.
A pirazinamida (PZA) é um tuberculostático oral de primeira linha amplamente usado na fase intensiva do tratamento da tuberculose, que envolve o uso de isoniazida (INH), rifampicina (RMP), etambutol (EMB) e PZA durante dois meses, seguido do uso de INH e RMP por mais quatro meses. Além disso, esquemas quimioterápicos com PZA têm sido associados com o sucesso da estratégia directly observed treatment, short-course. Diferentemente de antibióticos convencionais que são ativos principalmente contra bactérias em crescimento, a PZA aparentemente mata pelo menos 95% da população semidormente de Mycobacterium tuberculosis que persiste em ambientes com pH ácido no interior de macrófagos.(1) Portanto, testes de sensibilidade a PZA em isolados de M. tuberculosis são altamente recomendados.
Embora a resistência a outros fármacos de primeira linha possa ser facilmente determinada por meio de testes laboratoriais de sensibilidade, a resistência a PZA ainda é difícil de determinar; a PZA é ativa apenas em ambientes ácidos (pH = 5,5, por exemplo), e o teste de sensibilidade não é realizado rotineiramente. Entretanto, é essencial determinar se há resistência a PZA a fim de identificar pacientes com tuberculose multirresistente que tenham sido expostos à droga.
Não obstante os recentes avanços no controle da tuberculose, o Brasil ocupa a 19ª posição entre os países com alta carga da doença, com 87.000 casos por ano e uma taxa de mortalidade de 7,5 por 100.000 habitantes, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde.(2) Em 2009, foram identificados 75.040 casos de tuberculose. Desses, 10.286 foram casos de retratamento. O Rio de Janeiro foi o estado brasileiro com a maior porcentagem de casos de retratamento (15,2%).(3)
O objetivo do presente estudo foi determinar a prevalência de resistência a PZA em isolados de M. tuberculosis e identificar uma possível correlação entre resistência a PZA e resistência a outros tuberculostáticos de primeira linha. As cepas usadas no presente estudo foram isoladas no laboratório de um hospital universitário de referência em tuberculose, no Rio de Janeiro (RJ). Até onde sabemos, este é o primeiro estudo a avaliar a correlação entre resistência a PZA e resistência a outros tuberculostáticos de primeira linha no Brasil.
Os testes de sensibilidade aos fármacos foram realizados por meio do método das proporções em meio de Löwenstein-Jensen. As concentrações críticas para resistência foram as seguintes: estreptomicina = 4 µg/mL; INH = 0,2 µg/mL; RMP = 40 µg/mL e EMB = 2 µg/mL. Realizamos o teste de sensibilidade a PZA em meio de Löwenstein-Jensen (pH = 5,5) contendo 100 µg/mL de PZA. Foram considerados multirresistentes os isolados de M. tuberculosis que se mostraram resistentes a INH e RMP.(4)
As análises estatísticas foram realizadas com o pacote estatístico Epi Info, versão 6.0. O teste do qui-quadrado corrigido e o teste exato de Fisher foram usados a fim de comparar a resistência a PZA com a resistência às demais drogas estudadas. O nível de significância adotado foi de p 0,05. O comitê de ética em pesquisa da instituição aprovou o estudo.
Entre 2003 e 2008, 2.821 isolados clínicos de M. tuberculosis (provenientes de 28.298 amostras clínicas enviadas ao laboratório) foram submetidos ao teste de sensibilidade aos fármacos. Dos 2.821 isolados, 395 foram selecionados de culturas de estoque com base em sua viabilidade. Desses 395 isolados, 285 (72,2%) mostraram-se pansensíveis (isto é, sensíveis a INH, RMP, EMB e estreptomicina) e 110 (27,8%) mostraram-se resistentes a pelo menos um dos quatro fármacos de primeira linha. Dos 285 isolados de M. tuberculosis pansensíveis, 22 (7,7%) apresentaram monorresistência a PZA, e 38 (34,5%) dos 110 isolados que se mostraram resistentes a pelo menos um dos quatro fármacos de primeira linha foram também resistentes a PZA. Houve 53 isolados multirresistentes, 30 (56,6%) dos quais foram também resistentes a PZA. Houve forte correlação entre resistência a PZA e resistência simultânea a outros tuberculostáticos de primeira linha (Tabela 1). A resistência a PZA correlacionou-se mais significativamente com a resistência a INH, EMB e RMP, bem como com multirresistência (p < 0,01 para todos).
A PZA é uma droga fundamental no tratamento da tuberculose; a droga age em bacilos dormentes e desempenha um papel único na destruição de uma subpopulação de bacilos semidormentes que não são facilmente destruídos por outros antibióticos.(1) A resistência simultânea a diferentes tuberculostáticos de primeira linha, inclusive a PZA, não é incomum. Devido às dificuldades em realizar testes de sensibilidade a PZA, informações sobre a resistência a PZA não são rotineiramente obtidas em cenários clínicos. A taxa de resistência a PZA em isolados clínicos pansensíveis no presente estudo (7,7%) foi semelhante às relatadas em dois estudos (variação: 6-8%).(5)
Encontramos elevada correlação entre resistência a PZA e resistência a INH, RMP e EMB (p < 0.01); entretanto, a correlação entre resistência a PZA e resistência a estreptomicina foi menor (p = 0,04). Isso se explica pelo fato de que a estreptomicina não faz mais parte do tratamento-padrão para pacientes virgens de tratamento no Brasil.
Estudos recentes com cepas multirresistentes de M. tuberculosis na África do Sul, na Tailândia e em Taiwan(5-7) encontraram uma taxa de resistência a PZA de aproximadamente 50%, achado semelhante ao nosso (isto é, 56,6%). O fato de que estudos conduzidos em diferentes regiões do mundo (África, Ásia e América do Sul) encontraram em cepas multirresistentes taxas de resistência a PZA semelhantes não obstante o uso de métodos diferentes, tais como o método das proporções e o método BACTEC Mycobacteria Growth Indicator Tube, sugere que se trata de um fenômeno geral e deve ser levado em consideração quando se elaboram esquemas terapêuticos.
Em 2008, a Organização Mundial da Saúde publicou uma atualização de emergência das diretrizes para o tratamento da tuberculose resistente.(8) As diretrizes atualizadas recomendam que o tratamento da tuberculose multirresistente/extensivamente resistente deve incluir pelo menos quatro drogas cuja eficácia seja certa ou quase certa.(8) Os esquemas terapêuticos podem ser individualizados ou padronizados caso os padrões de resistência em determinado país sejam conhecidos.(8) Finalmente, a PZA não pode ser contada como uma das quatro drogas eficazes.(8) Nossos dados apoiam e reforçam essa recomendação, dadas as fortes evidências da associação entre altos níveis de resistência a PZA e tuberculose multirresistente. Supondo que aproximadamente metade das cepas multirresistentes seja resistente a PZA, quase metade delas é sensível a PZA; portanto, é importante identificar os isolados de tuberculose multirresistente que são sensíveis a PZA para que a droga possa ser adicionada à combinação de drogas antituberculose para pacientes com tuberculose multirresistente. Concluímos que testes de sensibilidade a PZA devem ser realizados antes de iniciar ou ajustar esquemas terapêuticos para pacientes com tuberculose multirresistente.
Nossos resultados indicam que a resistência a PZA é muito mais comum do que se acredita. Portanto, a inclusão da PZA no tratamento da tuberculose multirresistente deve ser baseada em resultados de testes de sensibilidade a fim de evitar que a doença evolua para tuberculose extensivamente resistente. São necessários mais estudos de vigilância a fim de estimar a prevalência de resistência a PZA em cepas de M. tuberculosis no Brasil.
AgradecimentosAgradecemos ao Dr. Joseph Marr sua valiosa ajuda com o manuscrito.
Referências1. Zhang Y, Mitchison D. The curious characteristics of pyrazinamide: a review. Int J Tuberc Lung Dis. 2003;7(1):6 21. PMid:12701830.
2. World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: World Health Organization. [cited 2011 Dec 8]. Global tuberculosis control: a short update to the 2009 report. Available from: http://www.who.int/tb/publications/global_report/2009/update/en/index.html
3. Portal da Saúde [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde. [cited 2011 Dec 8]. Available from: http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/
4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual nacional de vigilância laboratorial da tuberculose e outras micobactérias. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.
5. Jonmalung J, Prammananan T, Leechawengwongs M, Chaiprasert A. Surveillance of pyrazinamide susceptibility among multidrug-resistant Mycobacterium tuberculosis isolates from Siriraj Hospital, Thailand. BMC Microbiol. 2010;10:223. Erratum in: BMC Microbiol. 2010;10:278. http://dx.doi.org/10.1186/1471-2180-10-223
6. Mphahlele M, Syre H, Valvatne H, Stavrum R, Mannsåker T, Muthivhi T, et al. Pyrazinamide resistance among South African multidrug-resistant Mycobacterium tuberculosis isolates. J Clin Microbiol. 2008;46(10):3459-64. PMid:18753350. http://dx.doi.org/10.1128/JCM.00973-08
7. Chiu YC, Huang SF, Yu KW, Lee YC, Feng JY, Su WJ. Characteristics of pncA mutations in multidrug-resistant tuberculosis in Taiwan. BMC Infect Dis. 2011;11:240. http://dx.doi.org/10.1186/1471-2334-11-240
8. World Health Organization. Guidelines for the programmatic management of drug-resistant tuberculosis, Emergency update 2008. Geneva: World Health Organization; 2008.
Trabalho realizado no Laboratório de Micobactérias do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do Rio de Janeiro - HUCFF/IDT-UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: Leila de Souza Fonseca. Laboratório de Micobactérias do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rua Professor Rodolpho Paulo Rocco, 255, 6º andar, CEP 21941-913, Rio de Janeiro, Brasil.
Tel. 55 21 2562-6746. E-mail: lsfonseca@micro.ufrj.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro de International Clinical, Operational and Health Services Research and Training Award, Edital ICOHRTA AIDS/TB 5 U2R TW006883-02), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
Recebido para publicação em 26/3/2012. Aprovado, após revisão, em 14/6/2012.
Sobre os autoresLeila de Souza Fonseca
Professora Titular. Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Anna Grazia Marsico
Farmacêutica. Laboratório de Micobactérias do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do Rio de Janeiro - HUCFF/IDT-UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Gisele Betzler de Oliveira Vieira
Farmacêutica. Laboratório de Micobactérias do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do Rio de Janeiro - HUCFF/IDT-UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Rafael da Silva Duarte
Professor Associado. Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Maria Helena Féres Saad
Pesquisadora Sênior. Laboratório de Microbiologia Celular, Fundação Instituto Oswaldo Cruz - Fiocruz - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Fernanda de Carvalho Queiroz Mello
Professora Associada. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.