A hiperidrose axilar constitui uma condição clínica que produz sérios constrangimentos ao seu portador, dificultando as atividades do dia a dia e interferindo no trabalho, no lazer e nas atividades sociais. Quando a hiperidrose chega a esse nível, existe um consenso de que essa transpiração excessiva afeta profundamente a qualidade de vida desses pacientes, sendo considerada uma condição capaz de incapacitá-los tanto nos planos social e profissional, como também no plano psicológico. Apesar de não haver estudos epidemiológicos sobre essa condição em nosso país, a hiperidrose axilar parece ser muito mais comum do que se imaginava; em um estudo populacional realizado nos
Estados Unidos, sua prevalência foi de 1,4%, ou seja, aproximadamente 4 milhões de pessoas.(1) Diferentemente da hiperidrose palmoplantar, que costuma ocorrer já na infância, a hiperidrose axilar manifesta-se geralmente na adolescência, fase da vida em que há maturação hormonal e sexual. A grande instabilidade psíquica própria desse período transicional constitui um fator adicional e agravante dessa condição.
Embora o estímulo emocional seja necessário para desencadear a hiperidrose, não podemos caracterizá-la como uma doença psicológica, mas, sim, como a maioria dos autores a define, como uma desordem fisiológica.(2) Esses pacientes apresentam o centro hipotalâmico controlador do suor mais sensível aos estímulos emocionais oriundos das áreas corticais do cérebro do que a população geral.
A hiperidrose axilar incide igualmente em ambos os sexos; porém, pelo fato de as mulheres, por seu próprio temperamento, serem mais suscetíveis aos estímulos psíquicos adversos e, consequentemente, procurarem tratamento com maior frequência, fica a impressão de que essa predomine no sexo feminino.(3) No presente número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Boscardim et al.(4) analisaram 118 pacientes com hiperidrose axilar tratados por simpatectomia torácica videoassistida, sendo quase 80% deles do sexo feminino. Muitos desses pacientes padeciam com essa condição por muitos anos, tendo sido submetidos à intervenção cirúrgica já na fase adulta, alguns inclusive com idade avançada, seguramente por desconhecerem a existência de um tratamento simples, efetivo e de melhor aceitação como a simpatectomia torácica vídeoassistida. Essa técnica minimamente invasiva foi desenvolvida no final da década de 1980 e vem sendo empregada e divulgada mais amplamente, a partir da década de 1990, tanto em trabalhos científicos como na imprensa leiga. Alternativamente ao tratamento cirúrgico, estudos preliminares realizados no Ambulatório de Hiperidrose do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), em São Paulo (SP), têm mostrado resultados animadores com doses baixas de drogas anticolinérgicas no tratamento primário dos pacientes com hiperidrose, assim como a fim de amenizar a hiperidrose compensatória pós-cirúrgica, sem efeitos colaterais significativos.
Boscardim et al. contraindicaram a operação em pacientes com índice de massa corpórea (IMC) > 30 kg/m2, somente recomendando tal procedimento àqueles com IMC entre 25 e 30 kg/m2 que perdessem peso antes da intervenção cirúrgica.(4) Nossa conduta tem sido de contraindicar a operação sempre que o paciente tenha IMC > 25 kg/m2, desde que não seja decorrente de massa muscular exuberante, com base em um estudo realizado no Ambulatório de Hiperidrose do HC-FMUSP,(5) pelo qual se demonstrou que pacientes com sobrepeso apresentavam hiperidrose compensatória mais acentuada no pós-operatório, observação essa também feita no estudo de Boscardim et al.(4)
Inicialmente, no Ambulatório de Hiperidrose do HC-FMUSP, realizávamos a ressecção do 2º ao 4º gânglio da cadeia simpática torácica para o tratamento da hiperidrose axilar.(6) Posteriormente, passamos a poupar o 2° gânglio e a realizar termoablação somente do 3° e do 4° gânglio, com base em observações realizadas em nosso ambulatório.(7) Mais recentemente, reduzimos ainda mais a extensão da termoablação, limitando-a ao 4° gânglio da cadeia simpática torácica, pois, dessa forma, obtivemos resultados igualmente efetivos no tratamento da hiperidrose axilar com menor incidência e intensidade de hiperidrose compensatória.(8,9) A técnica cirúrgica (simpatectomia) empregada por Boscardim et al.(4) é semelhante àquela por nós utilizada, isto é, simpaticotomia da cadeia sobre o 4° e 5° arcos costais e posterior termoablação do segmento entre eles, onde se encontra habitualmente o 4° gânglio. Essa conduta, diferentemente da simples simpaticotomia, evita que haja regeneração da cadeia pela destruição de um segmento maior do tronco simpático.(7)
O grau de satisfação dos pacientes com a operação foi total no final de um ano de seguimento, não havendo nenhum paciente insatisfeito quando a intervenção interessou somente o 4° gânglio da cadeia simpática no trabalho de Munia et al.,(9) diferentemente do que ocorreu na série de Boscardim et al.,(4) na qual o percentual de pacientes descontentes com a operação atingiu 7,7% no mesmo período de seguimento. Talvez a seleção mais rigorosa dos pacientes e a maior experiência cirúrgica dos autores no tratamento de portadores de hiperidrose sejam os fatores determinantes desses resultados discrepantes.
A sudorese compensatória ou o efeito compensatório, como denominam os autores,(4) constitui o efeito colateral mais importante e muito frequente após a simpatectomia torácica bilateral nos portadores de hiperidrose. Quanto mais baixa for a intervenção sobre a cadeia simpática torácica, menos intensa é a hiperidrose compensatória.(9,10)
Concordamos integralmente com as conclusões de Boscardim et al., mormente quando ressaltam a importância de que todos os pacientes sejam informados do efeito colateral mais temido da simpatectomia torácica antes de se submeterem a ela.
Paulo Kauffman
Professor de Cirurgia Vascular,
Disciplina de Cirurgia Vascular,
Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo,
São Paulo (SP) Brasil
José Ribas Milanez de Campos
Professor de Cirurgia Torácica,
Disciplina de Cirurgia Torácica,
Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo,
São Paulo (SP) Brasil
Referências
1. Strutton DR, Kowalski JW, Glaser DA, Stang PE. US prevalence of hyperhidrosis and impact on individuals with axillary hyperhidrosis: Results from a national survey. J Am Acad Dermatol. 2004;51(2):241-8.
2. De Campos JR, Kauffman P, Werebe EC, Andrade Filho LA, Kuzniek S, Wolosker N, et al. Questionário de qualidade de vida em pacientes com hiperidrose primária. J Pneumol. 2003;29(4):178-81.
3. Kauffman P, Cinelli Jr M, Wolosker M, Puech Leão LE. Tratamento da hiperidrose palmar pela simpatectomia cérvico-torácica. Rev Ass Med Bras. 1978;24:29-30.
4. Boscardim PC, Oliveira RA, Oliveira AA, Souza JM, Carvalho RG. Thoracic sympathectomy at the level of the fourth and fifth ribs for the treatment of axillary hyperhidrosis. J Bras Pneumol. 2011;37(1):4-5.
5. De Campos JR, Wolosker N, Takeda FR, Kauffman P, Kuzniec S, Jatene FB, et al. The body mass index and level of resection: predictive factors for compensatory sweating after sympathectomy. Clin Auton Res. 2005;15(2):116-20.
6. Kauffman P, Milanez JR, Jatene FB, Puech Leão P. Simpatectomia cervicotorácica por videotoracoscopia: experiência inicial. Rev Col Bras Cir. 1998;25:235-39.
7. Kauffman P, de Campos JR, Wolosker N, Kuzniec S, Jatene FB, Puech-Leão P. Thoracoscopic cervicothoracic sympathectomy: an eight-year experience. J Vasc Bras. 2003;2(2)98-104.
8. Munia MA, Wolosker N, Kauffman P, de Campos JRM, Puech-Leão P. A randomized trial of T3-T4 versus T4 sympathectomy for isolated axillary hyperhidrosis. J Vasc Surg. 2007;45(1):130-3.
9. Munia MA, Wolosker N, Kauffman P, de Campos JR, Puech-Leão P. Sustained benefit lasting one year from T4 instead of T3-T4 sympathectomy for isolated axillary hyperhidrosis. Clinics (Sao Paulo). 2008;63(6):771-4.
10. Yazbek G, Wolosker N, Kauffman P, Campos JR, Puech-Leão P, Jatene FB. Twenty months of evolution following sympathectomy on patients with palmar hyperhidrosis: sympathectomy at the T3 level is better than at the T2 level. Clinics (Sao Paulo). 2009;64(8):743-9.