Ao Editor:O linfoma mucosa-associated lymphoid tissue (MALT, tecido linfoide associado à mucosa) é um linfoma B extranodal que surge em diferentes tecidos epiteliais, tais como em estômago, glândulas salivares, pulmões e intestino delgado.(1) O linfoma MALT pulmonar, também conhecido como linfoma do tecido linfoide associado ao brônquio (do inglês bronchial-associated lymphoid tissue, mais conhecido pelo acrônimo BALT) é uma doença rara, mas apresenta-se como a forma mais comum de linfoma primário de baixo grau dos pulmões.(2) Alguns relatos associam a doença com a síndrome de Sjögren e a outras doenças imunológicas.(3) São raros os casos relatados em pacientes infectados por HIV.(4) Gostaríamos de relatar o caso de um paciente HIV positivo com linfoma MALT pulmonar, que se apresentou com um padrão micronodular difuso nas radiografias e na TC de tórax.
Tratava-se de um paciente de 38 anos, do sexo masculino, negro, solteiro, cozinheiro, natural da cidade do Rio de Janeiro (RJ). Portador do HIV desde 2001, era acompanhado pelo serviço de doenças infectoparasitárias, sem uso de terapia antirretroviral. A última dosagem de CD4, realizada em novembro de 2008, mostrara 565 células/mm3.
As manifestações pulmonares iniciaram-se em dezembro de 2008, com febre, tosse e episódios intermitentes de hemoptise de pequena monta. Recebeu tratamento antibiótico com amoxicilina (500 mg a cada 8 h por 7 dias), apresentando melhora da febre e da hemoptise, mas manteve a tosse seca. Negava outros sintomas, como emagrecimento, sudorese noturna ou piora do estado geral. Foi encaminhado para o setor de pneumologia para investigação. O exame físico não demonstrou alterações significativas. A radiografia de tórax revelou a presença de tênue infiltrado micronodular difuso (Figura 1a), melhor caracterizado pela TCAR de tórax (Figura 1b).
As principais hipóteses aventadas foram tuberculose miliar ou histoplasmose. A prova tuberculínica foi não reatora, a pesquisa de BAAR no escarro induzido foi negativa, e a sorologia para histoplasma foi não reagente. Foi solicitada, então, broncoscopia para a coleta de lavado broncoalveolar e realização de biópsia transbrônquica. A broncoscopia foi normal, e a pesquisa de BAAR, citologia e exame direto para fungos do lavado broncoalveolar foram negativos. A biópsia transbrônquica sugeriu o diagnóstico de doença linfoproliferativa, mas não foi possível definir o diagnóstico. O paciente foi, então, submetido à biópsia pulmonar por toracotomia. O laudo histopatológico revelou a presença de linfoma MALT pulmonar, confirmado a seguir por imuno-histoquímica (Figura 2). Após a confirmação diagnóstica, o paciente foi encaminhado ao serviço de hematologia. A conduta terapêutica adotada foi a observação clínica, pois tratava-se de doença indolente e o paciente estava clinicamente estável.
Um ano após, o paciente encontra-se em acompanhamento ambulatorial, mantendo-se estável clinicamente e sem alterações consideráveis no quadro tomográfico.
O caso apresentado refere-se a uma manifestação rara de uma doença incomum. Mesmo correspondendo a uma minoria das neoplasias pulmonares em geral, os linfomas não Hodgkin B de baixo grau representam, em relatos de patologia, 58-87% dos casos de linfoma pulmonar primário.(5) Cerca de 90% são do tipo linfoma MALT.(6)
Estima-se que o risco de desenvolver um linfoma, especialmente linfoma da zona marginal, seja maior em pacientes com síndrome de Sjögren, quando comparados com a população normal.(7) Um estudo publicado em 2009 demonstrou a presença de doença autoimune em 10 de um total de 63 casos analisados de linfoma MALT pulmonar.(8) A associação da infecção por HIV com o linfoma MALT pulmonar não é clara, havendo poucos casos relatados.(4)
O diagnóstico costuma ser difícil e demorado, pois a maioria dos indivíduos é assintomática, sendo identificados fortuitamente por achados em exames radiológicos do tórax. O intervalo entre as primeiras alterações clínicas ou radiológicas e o diagnóstico pode variar de 5 meses a 8 anos.(2) Quando presentes, as manifestações clínicas costumam ser inespecíficas, tais como dispneia leve, tosse, dor torácica e, ocasionalmente, hemoptise, como no caso em questão.
O aspecto radiológico mais comum é de opacidade alveolar associada a broncograma aéreo.(1) Relatos baseados em estudos tomográficos descrevem a presença de opacidades nodulares, opacidades em vidro fosco e pequenos nódulos com distribuição centrolobular, além do padrão de árvore em brotamento, abrindo um grande leque de possibilidades diagnósticas.(2)
A doença evolui, geralmente, de forma indolente e com bom prognóstico; porém, pode haver disseminação sistêmica e transformação para linfoma B de alto grau. Um estudo recente revelou uma expectativa de vida em 5 e 10 anos de 90% e 72%, respectivamente.(8) A terapia de escolha ainda não está totalmente definida. Diferentes esquemas terapêuticos já foram propostos, como radioterapia, cirurgia, quimioterapia e observação clínica. A quimioterapia com clorambucil parece ser atualmente a melhor opção terapêutica nos casos de doença disseminada.(8) A conduta adotada no caso relatado foi de observação rigorosa, tendo em vista a estabilidade clínica do paciente e a comorbidade representada pela infecção por HIV.
Em conclusão, o linfoma MALT pulmonar é uma doença rara, embora seja a forma mais comum de linfoma primário dos pulmões. Sua progressão é geralmente indolente e pode haver associação com doenças autoimunes. Relatamos um caso atípico de um paciente infectado por HIV apresentando como sintomas clínicos tosse e hemoptise de pequena monta e, como manifestação tomográfica, um infiltrado micronodular difuso, padrão tomográfico comum a muitas outras doenças. O diagnóstico de linfoma MALT pulmonar foi estabelecido após biópsia pulmonar por toracotomia.
João Pedro Steinhauser Motta
Médico Residente,
Serviço de Pneumologia,
Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho - HUCFF - Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil
Leonardo Palermo Bruno
Médico Residente,
Serviço de Pneumologia,
Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho - HUCFF - Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil
Luana de Souza Andrade
Médica Residente,
Serviço de Pneumologia,
Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho - HUCFF - Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil
Monique França
Médica Patologista,
Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho - HUCFF - Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil
Rafael Barcelos Capone
Interno de Medicina,
Universidade Gama Filho e
Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO -
Rio de Janeiro (RJ) Brasil
Edson Marchiori
Professor Titular de Radiologia, Universidade Federal Fluminense, e Coordenador Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Radiologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil
Domenico Capone
Professor Adjunto de Pneumologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - e Médico Radiologista,
Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho - HUCFF - Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) BrasilReferências1. Cadranel J, Wislez M, Antoine M. Primary pulmonary lymphoma. Eur Respir J. 2002;20(3):750-62.
2. Newton R, Ferlay J, Beral V, Devesa SS. The epidemiology of non-Hodgkin's lymphoma: comparison of nodal and extra-nodal sites. Int J Cancer. 1997;72(6):923-30.
3. Bae YA, Lee KS, Han J, Ko YH, Kim BT, Chung MJ, et al. Marginal zone B-cell lymphoma of bronchus-associated lymphoid tissue: imaging findings in 21 patients. Chest. 2008;133(2):433-40.
4. Boulanger E, Meignin V, Baia M, Molinier-Frenkel V, Leroy K, Oksenhendler E, et al. Mucosa-associated lymphoid tissue lymphoma in patients with human