ABSTRACT
This retrospective molecular study involving restriction fragment length polymorphism, using insertion sequence 6110 as a marker, was conducted in order to provide an initial insight into the genetic diversity of Mycobacterium tuberculosis strains isolated in the slums of the Complexo de Manguinhos, located in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Of the 67 strains evaluated, 23 (34.3%) were found to belong to clusters (total clusters, 10). Household and social chains of transmission were associated with clustering, in 20% and 60%, respectively. Living in the Conjunto Habitacional Programado 2 slum was associated with clustering. Although not significant, it is relevant that 26% of the clustered strains presented primary resistance. These findings, although possibly underestimating the prevalence due to the failure to analyze all strains, could help improve the local tuberculosis control program.
Keywords:
Tuberculosis; Epidemiology, molecular; Mycobacterium tuberculosis/transmission; Polymorphism, Restriction Fragment Length.
RESUMO
Este estudo retrospectivo envolvendo polimorfismo de fragmento de restrição e utilizando como marcador a seqüência de inserção 6110, foi realizado para fornecer informações iniciais quanto à diversidade genética das cepas de Mycobacterium tuberculosis isoladas em favelas do Complexo de Manguinhos, na cidade do Rio de Janeiro. Das 67 cepas isoladas, 23 (34,3%) apresentaram clusters (total de clusters, 10). A transmissão entre comunicantes domiciliares e extra-domicialiares estave associada a 20% e 60% dos clusters, respectivamente. Ser morador do Conjunto Habitacional Programado 2 foi associado à presença de clusters. Embora não significativo, é relevante o fato de que 26% das cepas em cluster apresentaram resistência primária. Estes achados, embora possivelmente subestimados devido à impossibilidade de analisar todas as cepas, fornecem subsídios para a melhoria do programa local de controle da tuberculose.
Palavras-chave:
Tuberculose; Epidemiologia molecular; Mycobacterium tuberculosis/transmissão; Polimorfismo de Fragmento de Restrição.
A tuberculose (TB) ainda é uma doença associada com superpopulação, má nutrição e más condições de moradia, ocorrendo primariamente em países em desenvolvimento. Entretanto, enquanto houver indivíduos com TB ativa, a Mycobacterium tuberculosis continuará no mundo, já que, devido a sua natureza aerógena, a transmissão de TB encontra poucas barreiras que inibem sua ampla disseminação dentro da comunidade.
O Brasil ocupa a 22ª posição entre as taxas globais de incidência da TB. A maioria (39.836) dos novos casos de tuberculose no Brasil foram registrados na região sudeste, e o estado do Rio de Janeiro é o segundo maior contribuinte na região, com uma taxa de 99/100.000 habitantes.(1,2) Entretanto, em algumas comunidades de baixa renda do Rio de Janeiro, como o Complexo de Manguinos (CM), uma área urbana composta por 12 favelas, a taxa excede os 150/100.000. De acordo com estudos anteriores,(3,4) os casos de TB nesta área se concentravam em duas favelas, o Conjunto Habitacional Programado 2 (CHP2), e o Parque Carlos Chagas, as duas comunidades mais pobres da área, de 1986 a 1994, enquanto de 2000 to 2002, a incidência naquelas favelas, apesar de ainda alta, decaiu, e índices similares ou mais altos surgiram em outras favelas, sugerindo que a TB continua sendo endêmica nesta área, tornando-a um alvo interessante para estudos epidemiológicos.
Localizada na Zona de Saúde 3.1,(2) que está situada na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, o CM tem 42.100 habitantes distribuídos em aproximadamente 8.000 casa com aproximadamente 5 pessoas por casa. O Programa de Controle da Tuberculose (PCT) nesta área é operado pelo Centro Saúde Escola Germano Silval Faria/Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz (CSEGSF/ENSP/Fiocruz). O CSEGSF serve prioritariamente a população do CM e é integrado ao Programa de Saúde da Família. O PTC promove a vacinação pelo bacilo de Calmette-Guérin e a busca passiva de casos. No presente estudo, a tipagem molecular retrospectiva de 67 isolados de M. tuberculosis, baseada no polimorfismo do comprimento de fragmentos de restrição (RFLP, restriction fragment length polymorphism), foi aplicada a fim de fornecer uma imagem inicial da transmissão nesta área.(5,6) As amostras foram obtidas em um estudo anterior(7) e representam 31% de todos os casos diagnosticados entre outubro de 2000 e dezembro de 2002.
O uso de DNA fingerprinting resultou em dez clusters, totalizando 23 (34,3%) das 67 cepas. Dentre estas 23, o padrão de RFLP apresentou 100% e 95% de similaridade em, respectivamente, 16 e 7 cepas, A maioria dos clusters mostrou um número de cópia da seqüência 6110 (S6110) variando entre 8 e 16 (média, 11), e apenas um cluster exibiu 2 cópias da IS6110. As idades dos pacientes variaram de 18 a 77 anos (média, 36 ± 14 anos), e 65,7% eram homens. Todos os pacientes foram testados para o HIV, e 6% eram soropositivos.
As características clínicas e demográficas dos pacientes analisadas pelo fator de risco (Tabela1), de acordo com os padrões do RFLP e dos isolados de M. tuberculosis, mostraram que morar em comunidades faveladas como o CHP2, a Mandela de Pedra, o Parque Oswaldo Cruz, a Vila Turismo e Nelson Mandela aumentou em 4 vezes a probabilidade de presença de cluster em comparação a outras comunidades (OR = 4,2; IC95%: 0,9-20,9; p = 0,048), apesar da maior parte dos pacientes com cluster (11/23, 47,8%) terem sido identificados no CHP2. Ser do sexo feminino teve forte correlação com a presença de cluster (OR = 6,0; IC95%: 1,7-21,7; p = 0,002). Apesar de não ter havido associação significativa entre a presença de cluster e resistência a drogas (OR = 3,4; IC95%: 0,9-12,8; p = 0,069), deve-se ter em mente que 40% dos clusters incluíam cepas com resistência primária, totalizando 26% (6/23) dos pacientes com presença de cluster (Tabela 2).
A proporção dos casos com clusters foi de 34,3% ou 31,3%, dependendo se cepas com apenas 2 cópias foram incluídas ou não na análise. Cepas com um padrão genotípico de baixo bandeamento de RFLP são melhores discriminados usando-se um método de tipagem como o spoligotyping ou tipagem micobacteriana de unidades repetitivas intercaladas,(8) nenhum dos quais foi aplicado no presente estudo, já que apenas dois pacientes abrigavam cepas com menos de 6 cópias da S6110 e não tinham ligação epidemiológica (Tabela 2). O número de cepas pode ter sido subestimado devido ao pequeno tamanho da amostra e ao período de estudo relativamente curto. Entretanto, nossos achados estão de acordo com as proporções recentemente descritas para transmissão em países em desenvolvimento (20% a 38%), apesar de informações ligando pacientes com presença de cluster não serem normalmente disponíveis.(9-12) A presença de poucas cepas com presença de baixo número de cópias foi descrita em estudos anteriores realizados no Brasil bem como em outros países. Entretanto, um estudo feito na Índia mostrou números maiores.(10,13)
A tuberculose clinicamente ativa predominou em homens jovens no CM. Entretanto, houve um número significativo de casos de mulheres com presença de cluster na presente investigação, o que provavelmente reflete o confinamento da mulher na comunidade, levando a maior exposição e transmissão. A presença de cluster tem sido associada à idade, tratamento prévio e esfregaços bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR) positivos, apesar de relações epidemiológicas dificilmente estabelecidas.(10,13,14) Em nosso estudo, estar infectado com uma cepa resistente e ter um esfregaço BAAR positivo não se relacionaram significantemente com a presença de cluster. Entretanto, os isolados de M. tuberculosis não estavam disponíveis para todos os pacientes diagnosticados no período.
Portanto, pode haver uma tendência de se subestimar a proporção de cepas resistentes em um dado cluster. Apesar do fator estar infectado com uma cepa resistente não se correlacionar significantemente com a presença de cluster, vale observar que 40% dos clusters estavam envolvidos na transmissão de resistência primária, incluindo cepas multirresistentes (MRs-Tabela 1). A transmissão de cepas resistentes leva a problemas relacionados ao abandono do tratamento, refletindo o fracasso por parte do PCT local.(7) Um resultado similar sobre a genotipagem de cepas MRs foi descrito em um estudo anterior realizado no Brasil.(15) Entretanto, os autores daquele estudo descobriram que a ocorrência de MRs estava significativamente associada com tratamento prévio de TB, bem como com o fracasso deste.
Um estudo epidemiológico demonstrou que a transmissão doméstica estava associada com 20% dos clusters, e que 60% destes estavam envolvidos na cadeia social de transmissão, a maioria com uma ligação epidemiológica potencial, como demonstrado na Tabela 1. Outros estudos relataram que as ligações podia claramente ser confirmadas com apenas um pequeno número de casos de clusters, já que o contato casual é difícil de ser avaliado através da entrevista convencional aplicada em nossa investigação.(16) Em nosso estudo, este pode ter sido o caso dos clusters III e V, que compreendiam pacientes que moravam geograficamente próximos e, portanto, possivelmente faziam parte de uma cadeia de transmissão recente, apesar do caso-índice não ter sido identificado.
A recente transmissão de cepas exibindo o mesmo padrão genético, com exceção de uma a quatro bandas, tem sido descrita, apesar da mudança de uma única banda ser a mais comum.(17,18) Os clusters I, VI e XI apresentaram transmissão com cepas com padrões um pouco diferentes, apesar da ligação para pacientes no cluster VI ter sido definida como possível. No cluster XI, a lligação foi o domicílio para 2 pacientes (confirmados para mãe e filha) em possivelmente extra-domiciliar para o terceiro. Apesar da ligação com o paciente presidiário no cluster I não ser claro, já que o paciente estava encarcerado geograficamente longe dos outros, os pacientes pertencem a um grupo de risco comum, e as cepas infectantes eram primariamente resistentes. Entretanto, existe a possibilidade de que a cepa (SMR) tenha sido importada da prisão para a comunidade. Infelizmente, não existem outros estudos sobre genotipagem pelo método RFLP envolvendo isolados de presidiários no Rio de Janeiro, e é, portanto, impossível comparar padrões. A outra possibilidade é que o paciente estava infectado em latência antes do período de carceragem, e, devido ao estresse da prisão, a doença tornou-se ativa, ainda estando em desenvolvimento quando o preso foi libertado, resultando na cepa SMR Nossos dados, como os de outros estudos, sugerem que a análise do cluster baseada apenas em cepas idênticas pode subestimar a extensão da transmissão.(19,20) Entretanto, também é possível que as cepas com uma diferença de apenas uma banda pertençam a uma família genotípica com uma pequena variedade de padrões. Uma vez que não recuperamos cepas de todos os casos de TB, os padrões obtidos representam a situação em um grupo limitado; outros pacientes que abrigam estes padrões de bandeamento podem ter passado despercebidos, levando a uma subestimação da proporção de cluster em CM.
A favela maior (CHP2), com estrutura sanitária parcial (água tratada e sistema de esgoto), teve a maior proporção de pacientes com presença de clusters. Isto não surpreende, considerando-se que as pessoas nesta comunidade populosa passam a maior parte do tempo fora de casa, o que envolve um contato intenso com a multidão, facilitando a transmissão. Outra área no Rio de Janeiro com características similares (Zona de Saúde 1), bem como áreas similares em outros países, tem sido associada à presença de cluster. Entretanto, diferentemente do CHP2, a Zona de Saúde 1 é responsável pelos mais altos índices de infecção por HIV entre os casos de TB registrados.(10,14) Na favela menor, Conjunto Agrícola de Higienópolis (195 habitantes), não houve registro de casos de TB durante todo o período avaliado.(4,7) O fato do Conjunto Agrícola de Higienópolis ser isolado das outras favelas pode ter impedido a transmissão.
No presente estudo, além da clássica transmissão entre parentes, o contato fora de casa pode ter tido um papel importante na transmissão em uma área superlotada. Isto tem respaldo em nossos achados relacionados aos clusters VI, X e XI, nos quais ao menos um dos pacientes teve contato domiciliar anterior com a TB. No entanto, as cepas naqueles casos, com exceção daqueles no cluster XI, não estavam disponíveis para tipagem. Os outros pacientes incluídos naqueles clusters tiveram contato com a infecção, seja intenso ou casual, fora de casa.
A maioria dos clusters era composta de apenas dois pacientes, talvez devido à impossibilidade de recuperar cepas de todos os pacientes, o que resultou na perda de ligações com outros pacientes na cadeia de transmissão do CM. Outros estudos envolvendo todas as culturas positivas de M. tuberculosis obtidas em um período maior são necessários para monitorar a evolução da transmissão da TB na área. Entretanto, um dos principais problemas em trabalhar em comunidades de baixa renda é a violência urbana que freqüentemente interfere na comunicação com o serviço de saúde oficial.(3,7) O presente estudo oferece um delineamento inicial da diversidade das cepas de M. tuberculosis no CM. Apesar de a prevalência ter sido subestimada, já que nem todas as cepas dos pacientes puderam ser isoladas, estes achados podem ajudar a melhorar as estratégias do PCT local.
AgradecimentosAgradecemos a Selma do Rosário Lima, Chefe do Laboratório do CSEGSF, e Dr Luiz Augusto de Araújo Baptista, bem como aos agentes de saúde do Serviço de Estatística, Documentação e Informação em Saúde (SEDIS) Eliana dos Santos Silva: Alessandra Rosa, Ary do Carmo, Luciane de Almeida, Riany da Silva Silveira, Simone Marques, Viviane Menezes o fornecimento das informações dos dados dos pacientes com os quais este estudo foi feito.
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Trabalho realizado na Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
1. Médica Sanitarista. Centro de Pesquisa Leônidas & Maria Deane/Fundação Instituto Oswaldo Cruz - CpLMD/Fiocruz - Manaus (AM) Brasil.
2. Biotecnologista III no Laboratório de Microbiologia Celular. Fundação Instituto Oswaldo Cruz - Fiocruz - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
3. Pesquisadora Titular no Serviço de Bacteriologia. Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas/Fundação Instituto Oswaldo Cruz - IPEC/Fiocruz - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
4. Farmaceutica-bioquimica no Serviço de Bacteriologia. Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas/Fundação Instituto Oswaldo Cruz - IPEC/Fiocruz - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
5. Professora Titular do Laboratório de Micobactérias. Instituto de Microbiologia/Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
6. Pesquisadora Titular III no Laboratório de Microbiologia Celular. Fundação Instituto Oswaldo Cruz - Fiocruz - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: Maria Helena Féres Saad. Laboratório de Microbiologia Celular, Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz, Av. Brasil, 4365, CEP 21045-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Tel 55 21 2598-4346 E-mail: saad@ioc.fiocruz.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Rede Brasileira de Pesquisas em Tuberculose (Rede TB) e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), Rio de Janeiro, Brasil.
Recebido para publicação em 7/2/2008. Aprovado, após revisão, em 24/4/2008.