ABSTRACT
The objective of this review was to contribute to the debate on the nosocomial transmission of TB among health professionals in a country where TB is endemic. Prior to 1900, there was no reason to believe that health professionals interacting with TB patients were more susceptible to becoming infected with the bacillus than was the general population. Between 1920 and 1930, various studies showed significant findings regarding the rates of positive tuberculin skin tests among students in the area of health care. However, most clinicians remained skeptical about the susceptibility of health professionals to becoming infected with TB. In the various locales where the treatment of patients with TB has been implemented, health professionals have been described as an especially predisposed population to becoming infected with and developing active TB. It is urgent that the scientific community and health professionals become mobilized, recognizing themselves as a population at risk of developing TB, and that actions be taken in order to minimize the potential risks of acquiring the disease at locales where patients with TB are treated.
Keywords:
Tuberculosis; Cross infection; Health personnel.
RESUMO
Este artigo tem o objetivo de contribuir para o debate sobre a transmissão nosocomial da TB em profissionais de saúde em um país onde esta é endêmica. Verificamos que até 1900 não se aceitava que os profissionais envolvidos no cuidado de pacientes portadores de TB pudessem ser mais susceptíveis à infecção pelo bacilo que a população geral. Vários estudos entre 1920 e 1930 apresentaram achados significativos nas taxas de conversão do teste tuberculínico dos estudantes da área de saúde, mas a maioria dos clínicos continuava se recusando a reconhecer a suscetibilidade dos profissionais de saúde em relação à TB. Nos diferentes locais onde o cuidado ao paciente com TB foi implantado, os profissionais de saúde são descritos como uma população especialmente exposta ao risco de contrair a infecção e adoecer. É urgente que a comunidade científica e os trabalhadores de saúde se organizem, que se reconheçam como uma população sujeita ao risco de adoecimento, e que ações se efetivem no sentido de minimizar os riscos potenciais nos locais onde acontece o cuidado a pacientes com TB.
Palavras-chave:
Tuberculose; Infecção hospitalar; Pessoal de saúde.
IntroduçãoO risco de contaminação dos profissionais envolvidos no cuidado dos pacientes com TB, um problema há muito esquecido ou minimizado, volta à discussão na atualidade. A mesma polêmica do início do século passado traz à tona a seguinte questão: os profissionais de saúde apresentam um risco mais elevado de infecção por Mycobacterium tuberculosis e de adoecimento do que a população geral?
O ressurgimento da epidemia da TB no mundo tem sido atribuído em parte pela dificuldade das instituições governamentais e da própria comunidade científica de conduzir o problema de forma pertinente.(1)
Tornando-se a TB endêmica em alguns países e emergente em outros, novas estratégias tiveram que ser tomadas, principalmente porque, com a diminuição das fronteiras territoriais, a TB se transformou em um problema mundial.(2)
Nos diferentes locais onde o cuidado ao paciente com TB foi implantado, os profissionais de saúde são descritos como populações especialmente expostas ao risco de contrair essa infecção e adoecer quando em presença de indivíduos com a doença.(3-5)
O objetivo desta revisão é contribuir para o debate sobre a transmissão nosocomial em profissionais de saúde em um país onde a TB é endêmica.
Transmissão nosocomial: contexto históricoOs conhecimentos acumulados ao longo dos anos permitem-nos hoje conhecer um pouco mais sobre a transmissão e o controle das infecções hospitalares de modo mais eficiente do que foram propostos por nossos antepassados.
Umas das primeiras idéias descritas na literatura data do século XVII. A Europa se dividia quanto à idéia de contágio. A Itália, defensora da contagiosidade da doença, criou em 1699 a Lei de Lucca com a finalidade de proteger seus cidadãos. Esta consistia em algumas medidas de controle voltadas à saúde pública, por exemplo, o médico deveria reportar a lesão ulcerativa dos pulmões, as autoridades deveriam confiscar e queimar os pertences do paciente após sua morte, e os doentes pobres deveriam ser removidos para um hospital.(6)
Entretanto, apenas no início do século XIX a idéia de contágio se estabeleceu mesmo antes da descoberta do microscópio. Neste debate, os dados da observação empírica eram refutados por argumentos ideológicos. Desconfiava-se da transmissibilidade das doenças epidêmicas, mas as autoridades médicas julgavam pertinente ocultar o risco de contágio pelo temor de que as famílias descartassem os doentes.(7)
Em 1847, Semmelweis propôs a primeira idéia de que os profissionais de saúde eram veículos de transmissão de doença, e esforços foram feitos para minimizar o problema para os pacientes.(8) Mas foi através de Florence Nightingale que medidas de controle das infecções ganharam lugar de destaque. Suas idéias de mudanças na arquitetura hospitalar, como a separação de pacientes por doença e melhoria das condições de higiene, alimentação e circulação do ar nas enfermarias permeiam os princípios das medidas para o controle das infecções hospitalares, utilizados até a atualidade.(9) Em relação à TB, em 1865, Villemin, um cirurgião inglês, conseguiu resultados que comprovaram a contagiosidade do agente através de experimentos com coelhos.(10)
Em 1880, com as novas teorias sobre contágio se difundindo por toda a Europa, ocorreu uma revolução sanitária e social, e uma nova classe de trabalhadores surgiu: as enfermeiras visitadoras e as assistentes sociais, composta por moças da alta burguesia, quase "imunes" ao perigo do contágio.(7) Para reforçar esta idéia, um estudo realizado em Londres em 1882 considerou que a TB não constituía nenhum risco de infecção para os profissionais envolvidos no cuidado de pacientes com TB em um hospital.(11) Deste modo, as medidas de controle só bem mais tarde incluiriam estes trabalhadores em seu foco de atenção.
É importante ressaltar que por toda a Europa o movimento dos sanatórios ganhava espaço, e os profissionais de saúde eram fundamentais neste cenário. A idéia de remoção e isolamento dos doentes ganhou força entre 1800 e 1900, carreado pelo movimento sanitarista do século XIX. Os conceitos amplamente difundidos sobre ar fresco, a importância da dieta e do repouso e o exercício controlado foram as bases daquele movimento.(12)
Duas vertentes puderam ser observadas durante este movimento. Se de um lado os pacientes foram privados do convívio com seus familiares, de outro, o agrupamento de tantos pacientes com a mesma patologia possibilitou o melhor entendimento por parte dos pesquisadores dos elos epidemiológicos que faltavam.(13) A história natural da doença e os mecanismos envolvidos puderam ser mais bem explicitados, e as propostas de tratamento foram mais rápida e eficazmente implementadas.(7)
Neste contexto, os profissionais de saúde receberam o importante papel de cuidar desses pacientes internados que foram sujeitos a muitas pesquisas para explicar e controlar a epidemia. Vários estudos realizados entre 1920 e 1930 mostraram dados significativos em 20 faculdades de enfermagem e 30 de medicina nos Estados Unidos em relação às taxas de conversão ao teste tuberculínico dos estudantes. Contudo, não se aceitava que os profissionais envolvidos no cuidado de pacientes portadores de TB pudessem ser mais suscetíveis à infecção pelo bacilo que a população geral.(10,14-16)
Em 1929, uma pesquisa envolveu 449 graduandos da área médica que se submeteram ao teste tuberculínico. Destes, 35,6% foram reatores na admissão do curso, porém o percentual aumentou para 41% no final do terceiro ano e para 67,8% no final do último ano de graduação. De fato, 50,2% dos não-reatores no início do curso tiveram seus resultados alterados ao longo do curso. Valores mais alarmantes puderam ser notados ao se verificar que, dentre os estudantes graduados em 1933 e em 1936, 57,7% e 77,9%, respectivamente, tornaram-se reagentes durante a graduação.(17)
Entre 1940 e 1960, a concepção de risco laboral foi se desenhando no panorama mundial, e as autoridades competentes se sensibilizaram para o problema. Neste período, a TB foi reconhecida pela corte americana como uma doença do trabalho. Pela primeira vez foi usado o termo TB ocupacional para os profissionais que se infectaram com o bacilo durante o trabalho nos sanatórios.(18)
Vários autores demonstraram a importância da transmissão do M. tuberculosis em estudantes e profissionais de saúde.(19-21) Uma pesquisa publicada em 1968 pontuou três momentos para a taxa de conversão ao teste tuberculínico em estudantes na população por ela estudada: no período de 1948-1951 (na era dos sanatórios, antes do uso da quimioterapia), a taxa de conversão foi de 66%; no segundo momento, de 1952-1958 (a quimioterapia já estava disponível), a conversão foi de 21%; e no terceiro, de 1959-1964, a taxa de conversão foi de 3,5%, coincidindo com a rotina estabelecida por aquele serviço de solicitar radiografia de tórax toda vez que um paciente com suspeita respiratória era internado.(22)
Embora entre o final da década de 20 e o início da década de 50 (período de ascensão do número de casos de TB) ainda não existisse tratamento para a TB, as cepas até então existentes eram sensíveis aos antibióticos descobertos nesta fase e, portanto, o controle da epidemia foi possível com o advento da estreptomicina em 1944, da isoniazida em 1951 e finalmente, nos anos 70, da pirazinamida e da rifampicina.(2)
Com o surgimento de novas drogas, os sanatórios deixaram de configurar-se como espaço necessário para o controle da doença e, em 1972, o Comitê de Tuberculose do American College of Chest Physicians preparou um relatório para ajudar na transição da internação de pacientes dos sanatórios para hospitais gerais. Neste relatório, explicitavam-se a baixa contagiosidade da doença, a utilização da quimioterapia, que permitia a cura de 95% dos casos, e que por isso estes agora poderiam ser tratados como portadores de qualquer outra doença. Deveria se eleger alguns hospitais de referência, e os profissionais nestes locais deveriam ser treinados.(23)
O mundo comemorava a cura da TB nos anos 80 com o advento da terapia de curta duração, este sendo uma associação entre isoniazida, rifampicina e pirazinamida, e o paciente podia ser tratado em casa com a família. Nos anos subsequentes, observou-se uma diminuição gradativa do número de conversão ao teste tuberculínico atribuída a esses profissionais, sendo esta explicada com base na modificação da epidemiologia mundial da TB. Presumia-se, então, que os profissionais de saúde não estavam mais expostos ao risco.(7)
Entretanto, diferente do que era suposto, foi demonstrado um risco de conversão ao teste tuberculínico na ordem de 0,46% em estudantes de enfermagem,(24) assim como uma taxa de conversão anual de 2,2% e 5,6%, respectivamente, nos grupos de profissionais de saúde com menos e mais de 50 anos de idade,(25) sendo todas estas percentagens consideradas altas quando comparadas com a população geral.
Dois importantes estudos observaram a associação entre diferentes setores de um hospital e conversão ao teste tuberculínico. No primeiro,(26) foram encontradas altas taxas de conversão na clínica médica, pediatria e cirurgia; taxas intermediárias em setores de ginecologia e obstetrícia; e baixas taxas de conversão nos profissionais que trabalhavam em radiologia e psiquiatria. No segundo, constatou-se uma taxa de conversão maior nos residentes de pneumologia do que nos de doenças infecciosas e parasitárias (5,65% e 1,19%, respectivamente).(27)
Com o visível declínio das taxas de infecção nos Estados Unidos e Europa, a TB deixou de ser destaque para as agências de fomento à pesquisa, tendo os recursos destinados ao seu controle dramaticamente reduzidos. Em cidades como Nova York, os recursos para o seu controle foram reduzidos de 40 milhões para 4 milhões no início de 1990.(28)
A experiência americana demonstrava claramente a queda no número de casos de TB. Em 1953, foram 84.304 novos casos, e em 1984, foram 22.255. Todavia, a partir de 1984, a curva se modificou, havendo um aumento da ordem de mais de 18% do número de casos. Entre 1986 a 1991, os casos de pacientes com HIV coinfectados com TB reativaram a antiga infecção, trazendo-os novamente para dentro dos muros hospitalares.(1)
O surgimento do HIV deflagrou uma nova epidemia de TB de proporções mundiais, com o aparecimento de cepas resistentes às drogas tradicionalmente usadas no tratamento da TB. Rapidamente, novos artigos foram publicados, proclamando nossa fragilidade frente à epidemia.(29-32)
Neste sentido, em 1990, os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) lançou um guia para prevenção da transmissão de TB em locais de prestação de serviços de saúde, com foco especial em problemas relacionados à internação de pacientes portadores do HIV. Esse documento contém medidas efetivadas e outras tantas ainda em discussão, especialmente em relação ao custo-efetividade, e foi o primeiro documento oficial que realmente reconheceu o problema da transmissão nosocomial, propondo medidas de proteção e objetivando: a) a prevenção da geração de bacilos viáveis através da identificação precoce e do tratamento adequado de pessoas com TB ativa; b) o uso de métodos de engenharia para o controle de circulação de aerossóis contendo M. tuberculosis; c) a utilização de equipamento de proteção individual, como máscaras, para a redução de inalação de aerossóis contendo M. tuberculosis no ar contaminado; d) a vigilância dos serviços de saúde com atenção individual, para evitar a TB e a infecção por M. tuberculosis.(33)
Os estudos a partir de então foram assertivos em relação ao risco de exposição dos estudantes e profissionais de saúde envolvidos no cuidado dos pacientes. Vários trabalhos publicados na década de 90 discutiam o problema da TB na era da AIDS.(33,34) Um deles exibiu taxas de conversão ao teste tuberculínico da ordem de 15% entre profissionais de saúde que eram negativos ao teste e converteram seus resultados para positivo após sua exposição a pacientes com TB/HIV, reconhecendo o alto risco de infecção dessa população.(29) Outro autor alertou que, em surtos epidêmicos, a taxa de conversão tinha variado de 33% a 50%, segundo dados nos EUA.(35) Corroborando esses achados, foi encontrado um aumento significativo de transmissão nosocomial, especialmente entre pacientes portadores de coinfecção TB/HIV e profissionais de saúde, quando as normas preconizadas pelo CDC não são rigorosamente observadas.(5,36)
Em contrapartida, um estudo de meta-análise discorreu sobre o contato com pacientes e a conversão do teste tuberculínico, e relatou-se que além de não existirem muitos estudos na área, os que existiam eram inconclusivos. Dois estudos, segundo o mesmo autor, encontraram diferenças estatisticamente significativas entre os profissionais de saúde que entraram em contato com pacientes com TB, e os outros três estudos não observaram significância estatística.(37)
A problemática no BrasilNo Brasil, a TB preencheu o século XIX com números assustadores, sendo a causadora de um terço das mortes registradas naquele século. Os precários atendimentos eram realizados nas Santas Casas de Misericórdia, onde os tísicos eram hospitalizados nas mesmas enfermarias que os outros doentes. Até a proclamação da república, não havia nenhum programa de combate à TB, e as providências se resumiam a relatórios oficiais, à literatura médica e a noticiários em jornais.(7)
Após a proclamação da república, foram fundadas as "Ligas Contra a Tuberculose". Este movimento foi inspirado no movimento dos sanatórios na Europa e nos Estados Unidos e teve como integrantes vários médicos, muitos dos quais se tornaram tisiologistas por terem sido portadores da doença. O problema da TB foi assumido pelo Estado em 1920, com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, onde foram instituídos os dispensários e as enfermeiras visitadoras, remontando a experiência européia tanto na metodologia quanto no risco de contágio desses profissionais.(38,39)
Entretanto, poucos estudos discorreram sobre a transmissão nosocomial no Brasil, sendo um deles realizado na década de 70 no Instituto de Assistência Médica do Servidor Estadual em São Paulo, no qual os pesquisadores concluíram que os funcionários daquele hospital tinham quatro vezes mais chance de adoecer que a população em geral.(13)
Mesmo após a divulgação das normas pelo CDC em 1990, o Ministério da Saúde, através do Manual de Normas para o Controle da Tuberculose,(40) estabeleceu ações voltadas para busca e tratamento dos casos, assim como a normatização da vacinação com o BCG, mas não se posicionou frente à problemática da saúde do trabalhador.(41)
Em 1997 em Brasília, a Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária do Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, discutiram pontos polêmicos no controle da TB.
Aproximadamente 70 profissionais da área foram ouvidos, surgindo então o I Consenso Brasileiro de Tuberculose. Em relação à transmissão nosocomial, o texto incorpora principalmente as recomendações norte-americanas, no qual as medidas de controle se dividem em três categorias: administrativas, controle ambiental (ou de engenharia) e medidas de proteção respiratória.(40-42)
Das recomendações elaboradas por esses relatores, o tópico a respeito de biossegurança e isolamento respiratório surgiu como preocupação crescente em virtude do aumento da morbidade e da mortalidade da TB. O texto denunciou que as medidas de controle não eram desenvolvidas de maneira sistemática no país e que, quando existiam, eram parciais e ainda sem medida de impacto.(40)
Alguns autores, após a análise de estudos de prevalência de reatividade ao teste tuberculínico e adoecimento profissional, defendem que a TB seja considerada como uma doença ocupacional e que os profissionais envolvidos na sua atenção têm direito a indenizações e ganhos salariais por insalubridade no trabalho.(39)
Apesar do perfil diferente da TB no Brasil, isto é, de transmissão mais comunitária, recentemente, em nosso meio, esta elevada taxa de transmissão de TB também foi observada em escolas médicas, hospitais universitários, prisões e casas de saúde psiquiátricas.(42-49)
Em um estudo realizado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, encontrou-se uma taxa de conversão tuberculínica de 9,2% entre profissionais de saúde, sendo esses dados superiores quando comparados aos encontrados em uma favela do Rio de Janeiro (da ordem de 4%).(49)
Em 1997, foi constatado que dos 178 estudantes de enfermagem da Universidade Federal do Espírito Santo, 39,4% apresentaram-se reatores ao teste tuberculínico, sendo 25,35% reatores fortes e 14,04% reatores fracos. Desses, 33,3% pertenciam ao primeiro ano de faculdade; portanto, sem ter ainda entrado em contato com pacientes com TB na faculdade. Entretanto, desse percentual, 42% relataram pertencer a outra categoria profissional (técnico, auxiliar de enfermagem ou de laboratório). Os estudantes com resultado positivo ao teste tuberculínico em relação à variável "contato com paciente com TB" apresentaram 2,28 mais chances de terem tido contato com um paciente com TB que aqueles que tiveram resultado do teste tuberculínico negativo.(14)
No período entre fevereiro de 1994 e setembro de 1997, foi realizado um inquérito sobre o teste tuberculínico para avaliar o risco ocupacional de infecção tuberculosa num hospital geral no Rio de Janeiro.(44) Dentre 1.250 profissionais de saúde que participaram da primeira fase do estudo, 649 (52%) apresentaram teste tuberculínico positivo (> 10 mm). Os profissionais de saúde com idade superior a 30 anos apresentaram menor risco de conversão ao teste (RR: 0,37, IC95%: 0,23-0,89; p = 0,01), enquanto que pertencer à categoria profissional de médico ou enfermeiro configurou um risco significantemente maior (RR: 4,21, IC95%: 1,17‑8,94; p = 0,03).(44)
Outro estudo similar foi realizado em três estados do Brasil, entre 1999 e 2000, o qual abordou 4.419 profissionais de saúde em atividade em quatro hospitais. A taxa de teste tuberculínico positivo foi de 63,1%, e a conversão foi de 8,7% (10,7 por 1.000 pessoas/mês). Os fatores de risco associados à conversão ao teste tuberculínico foram exposição nosocomial a paciente com TB pulmonar, categoria profissional de enfermeiro e ausência de medidas de biossegurança implantadas no hospital.(46)
Dois estudos realizados em Vitória avaliaram a prevalência de teste tuberculínico positivo em discentes da área da saúde. No primeiro, a incidência da conversão tuberculínica foi de 10,5% ao ano (IC95%: 3,63-17,43; p = 0,035), quando a taxa de conversão para a população geral no Brasil é de 0,5% ao ano. Estes resultados indicam que os estudantes de enfermagem são um grupo de risco para a infecção por TB. Dentre os fatores de risco estudados, somente o uso da máscara NIOSH95 estava associado à proteção contra a infecção (RR: 0,2). Não houve diferença estatisticamente significativa entre os estudantes que converteram seus resultados ao teste tuberculínico e aqueles que permaneceram negativos em relação ao seu conhecimento sobre TB e a existência de condições específicas para hospitalização dos pacientes com TB.(50)
No segundo estudo, houve uma mudança significativa na freqüência de reatividade ao teste tuberculínico no grupo de estudantes de enfermagem (20,3%) e medicina (18,4%) em comparação ao grupo de estudantes de economia (6%; p < 0,001). Como esperado, os alunos de medicina e enfermagem têm mais conhecimento sobre a TB que os de economia (p < 0,001). Esses dados sugerem que a incidência da infecção pelo M. tuberculosis em estudantes de enfermagem e medicina na nossa região, com alta endemicidade de TB, não difere de países com baixa incidência da doença.(51)
Em outro trabalho realizado entre 2002 e 2006 identificaram-se 25 casos notificados de profissionais de saúde com TB. Destes, 8 (32%) eram técnicos de enfermagem; 4 (16%) eram médicos; 3 (12%), enfermeiros; 2 (8%), técnicos em radiologia; e 8 (32%), de outras categorias. A forma clínica predominante foi a extrapulmonar, com 12 casos (48%), seguida da pulmonar, com 11 (44%), e 2 (8%), com ambas as manifestações. A proporção de profissionais de saúde com diagnóstico de TB no período estudado foi de 2,53%. Os resultados deste estudo apontaram para a necessidade da incorporação das normas de biossegurança preconizadas pelo programa de controle da TB nos serviços de saúde.(52)
Por fim, uma nova faceta se apresentou em relação ao risco dos profissionais de saúde. Em 2004, o Ministério da Saúde, seguindo a diretriz do Programa Nacional de Controle da Tuberculose de "horizontalização" do combate à TB, por meio da expansão de suas atividades para todos os serviços do Sistema Único de Saúde, enfatizou a integração à atenção básica por meio da Estratégia Saúde da Família e, em específico, ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde, como forma de ampliar o acesso ao diagnóstico e ao tratamento da TB em todo o Brasil.(53) No controle da TB, espera-se basicamente que este novo profissional seja capaz de identificar na comunidade, através de visitas domiciliares, aqueles indivíduos que apresentem tosse por três semanas ou mais (sintomático respiratório) e encaminhá-los aos serviços de saúde para pesquisa de TB (busca ativa). Além disso, que orientem a família e a comunidade, acompanhem a tomada dos medicamentos pelos pacientes (tratamento supervisionado) e organizem reuniões com os membros da comunidade.(53)
Com esta nova intervenção colocamos os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) em estreito contato com pacientes com TB e, mais uma vez, não refletimos sobre o risco de infecção e adoecimento.
Dentro desta perspectiva, foi realizado um estudo em Cachoeiro de Itapemirim, município com 100% de cobertura pelo Programa Saúde da Família e um dos oito municípios prioritários do estado do Espírito Santo, que demonstrou que os ACS têm uma chance seis vezes maior que seus controles domiciliares de se infectarem pelo M. tuberculosis. Nesta amostra, dos 30 ACS investigados, 8 apresentaram teste tuberculínico positivo e destes, um ACS foi diagnosticado com TB.(54)
Considerações finaisO risco de transmissão nosocomial de M. tuberculosis varia em função principalmente da prevalência local da TB e da efetividade do programa de controle da infecção da instituição.(43) Pacientes com TB pulmonar ou laríngea são as principais fontes de transmissão, mas alguns surtos têm sido relatados a partir da manipulação de sítios extrapulmonares.(54-56) Falhas no reconhecimento, no isolamento e no manejo de pacientes com TB são determinantes importantes de surtos nosocomiais. Pacientes com TB resistente a múltiplas drogas, inadequadamente tratados com o esquema I, podem permanecer infectantes por longos períodos, aumentando o risco da transmissão da TB.(43)
Em nosso meio, recomendações para o uso de normas de controle de TB foram publicadas nos últimos anos.(57) Entretanto, nenhuma ação efetiva foi adotada, em razão da ausência de legislação específica que oriente os gestores das instituições, assim como da falta de prioridade da implementação dessas medidas de fato. Além disso, são escassas as recomendações no Brasil para o controle de TB em comunidades fechadas, como prisões, asilos, casas de repouso e hospitais psiquiátricos .(58)
Vale ressaltar que no Brasil a doença nunca deixou de ser um problema de saúde publica; no entanto, as medidas de biossegurança ainda não fazem parte do escopo dos programas de TB.(2) Quaisquer medidas que visem o combate da transmissão da TB devem levar em conta toda a instituição, de saúde ou não, e devem ser implantadas de acordo com o tipo de instituição e o grau de risco de transmissão do bacilo da TB.
É urgente que a comunidade científica e os trabalhadores de saúde se organizem, que se reconheçam como uma população sujeita ao risco de adoecimento e que ações se efetivem no sentido de minimizar os riscos potenciais nos locais onde acontece o cuidado a pacientes com TB.
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Sobre os autoresEthel Leonor Noia Maciel
Professora Adjunta de Epidemiologia. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (ES) Brasil.
Thiago Nascimento do Prado
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (ES) Brasil.
Juliana Lopes Fávero
Graduanda em Enfermagem. Gerenciamento de dados do Núcleo de Doenças Infecciosas, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (ES) Brasil.
Tiago Ricardo Moreira
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (ES) Brasil.
Reynaldo Dietze
Coordenador do Núcleo de Doenças Infecciosas. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (ES) Brasil.
Trabalho realizado na Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (ES) Brasil.
Endereço para correspondência: Ethel Leonor Noia Maciel. Avenida Marechal Campos, 1468, Maruípe, CEP 29040-091, Vitória, ES, Brasil.
Tel 55 27 3335-7210. E-mail: emaciel@ndi.ufes.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro através do Edital MCT/CNPq/MS-SCTIE-DECIT 25/2006- Estudo de Doenças Negligenciadase do International Clinical, Operational and Health Services Research and Training Award, Edital ICOHRTA 5 U2R TW006883-02
Recebido para publicação em 18/2/2008. Aprovado, após revisão, em 15/4/2008.