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Relato de Caso

Ginecomastia: um efeito colateral raro da isoniazida

Gynecomastia: a rare adverse effect of isoniazid

Nelson Morrone, Nelson Morrone Junior, Alessandra Garcia Braz, José Antonio Freire Maia

ABSTRACT

We report the case of a patient who twice developed gynecomastia following tuberculosis treatment. An 18-year-old male developed painful bilateral gynecomastia after three months of treatment with the isoniazid-rifampin-pyrazinamide regimen. Partial resolution of gynecomastia was achieved at the end of treatment. The patient was retreated with the same regimen eight years later, and gynecomastia recurred after six months of treatment. Hormone levels were normal, and a mammogram revealed bilateral gynecomastia. The isoniazid was discontinued, and the gynecomastia was partially resolved by the end of treatment. Four years later, gynecomastia was not detected. We conclude that isoniazid-related gynecomastia completely resolves when the medication is discontinued. Therefore, pharmacological and surgical treatment should be avoided.

Keywords: Isoniazid/adverse effects; Gynecomastia/chemically induced; Tuberculosis.

RESUMO

Relata-se o caso de um paciente que desenvolveu ginecomastia duas vezes após tratamento para tuberculose. Homem de 18 anos de idade foi tratado com o esquema isoniazida-rifampicina-pirazinamida; no terceiro mês desenvolveu ginecomastia bilateral, dolorosa, com regressão parcial ao final do tratamento. Foi retratado oito anos após com o mesmo regime, e a ginecomastia recorreu após seis meses de tratamento. Dosagens hormonais foram normais, e a mamografia revelou ginecomastia bilateral. A isoniazida foi suspensa, tendo a ginecomastia regredido parcialmente no final do tratamento. Quatro anos após, não foi constatada ginecomastia. Conclui-se que a ginecomastia relacionada à isoniazida regride totalmente após a suspensão da droga e, portanto, o tratamento cirúrgico ou medicamentoso deve ser evitado.

Palavras-chave: Isoniazida/efeitos adversos; Ginecomastia/induzido quimicamente; Tuberculose.

Introdução

Reações indesejáveis aos fármacos antituberculose não são incomuns, mas raramente há necessidade de suspensão de algum medicamento.(1) Intolerância gástrica, hepatite, polineurite e reações alérgicas são os efeitos indesejáveis mais comuns da isoniazida (INH); entretanto, ocorrem também outros fenômenos menos freqüentes, como convulsões, sonhos coloridos e eróticos, reumatismo, doença lúpus-símile, mudança do humor, insônia, sonolência excessiva, alterações da memória, tremores e prejuízo das atividades intelectuais.(2,3) A ginecomastia é um dos mais raros, mas é referida em livros de texto.(4,5) Entretanto, na literatura internacional recente e de acordo com as bases de dados Medline e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, só foi relatado um caso.(6)

Nosso objetivo é relatar o caso de um paciente que apresentou ginecomastia em duas ocasiões após o início de uso da INH e, após meses, houve regressão completa.

Relato de caso

Paciente masculino, branco; foi admitido pela primeira vez em setembro de 1995, aos 18 anos, com o diagnóstico de tuberculose pulmonar cavitária, com baciloscopia de escarro positiva e cultura positiva para M. tuberculosis. Na época, queixava-se de tosse produtiva, emagrecimento de 2 kg, astenia e dor no hemitórax direito. A radiografia do tórax revelava processo ulceroso e exsudativo no lobo superior direito. O paciente fazia uso de crack, e o teste para HIV foi negativo. Foi tratado com o esquema INH, rifampicina (RMP) e pirazinamida (PZA), com rápida melhora clinica e radiológica e negativação da baciloscopia de escarro. A PZA foi suspensa após dois meses. Três meses após o início do tratamento, queixou-se de aumento discreto das mamas, com dor espontânea e à palpação, de pequena intensidade. Foi introduzida indometacina, com melhora da dor. O tratamento para tuberculose foi mantido até completar seis meses; por ocasião da alta, a radiografia do tórax era normal e a baciloscopia de escarro negativa. As mamas estavam indolores e pouco aumentadas.

Em março de 2003 foi readmitido e informava que permaneceu assintomático até 15 dias anteriores à readmissão, quando apresentou hemoptise de pequeno volume, tosse produtiva, emagrecimento de 3 kg, dor no hemitórax esquerdo, astenia e anorexia; negava febre e sudorese noturna. Era tabagista-12 anos-maço-e negava alcoolismo ou outros fatores de risco para HIV, tendo abandonado o crack desde o início do tratamento anterior.

Ao exame físico, estava em bom estado geral, eupnéico, pesando 62 kg, altura de 1,75 m e sem outras particularidades.

A radiografia do tórax revelou cavidades no lobo superior esquerdo, sendo a maior com 5 cm de diâmetro e com paredes grossas; no lobo superior direito havia opacidade heterogênea, com pequenas áreas de hipertransparência, mas não havia retração lobar. O escarro foi positivo para bacilos álcool-ácido resistentes, o mesmo ocorrendo com a cultura, que confirmou tratar-se de cepa de M. tuberculosis sensível à INH, RMP, PZA, etambutol e estreptomicina. Os exames de rotina (hemograma, glicemia, parasitológico de fezes, provas de função hepática, uréia, creatinina e teste para HIV) foram normais.

Como a instituição informatizou os prontuários após o tratamento anterior, não foi percebida a constatação de ginecomastia durante o primeiro tratamento, tendo sido prescritos INH, RMP e PZA nas doses usuais (400 mg, 600 mg e 2.000 mg, respectivamente); a PZA foi suspensa após dois meses, mantendo-se a INH e a RMP. Seis meses após o início do tratamento, queixou-se de aumento da mama direita, pouco doloroso, negando alteração da atividade sexual. Ao exame, a mama direita tinha 5 cm de diâmetro, pouco dolorosa à palpação, consistência elástica e não-aderente aos planos superficiais e profundos. O mamilo era normal, e não foi percebida nenhuma alteração na mama esquerda. A INH foi suspensa.

As dosagens hormonais foram normais (Tabela 1). A mamografia revelou ginecomastia bilateral, sendo mais extensa à direita.



Dois meses após a suspensão da INH, a ginecomastia se mantinha inalterada. Um ano após o início, o tratamento foi suspenso, e a ginecomastia havia regredido parcialmente. Três meses após a alta, foi constada normalização mamária.

Após quatro anos, retornou para controle. A radiografia do tórax era normal, bem como as dosagens hormonais (Tabela 1).

Discussão

O diagnóstico de tuberculose no paciente relatado é indiscutível, pois em ambas as ocasiões houve confirmação pelo exame direto e pela cultura; além disso, o quadro clínico e radiológico eram compatíveis com o diagnóstico. O paciente foi tratado da forma usual, salientando-se que no retratamento o esquema terapêutico foi o mesmo, pois não havia nenhum indício de resistência bacteriana, o que foi comprovado pelo teste de sensibilidade às drogas.

Em ambos os tratamentos, a ginecomastia foi detectada meses após início do tratamento para tuberculose (três meses no primeiro e seis no segundo); o exame físico é o elemento principal para o diagnóstico, mas a mamografia confirmou a hipótese e evidenciou que a ginecomastia era bilateral, o que não era aparente no exame físico.

O diagnóstico diferencial da ginecomastia deve ser feito com outras anormalidades mamárias, entre as quais a pseudoginecomastia e tumores. A presença de estrutura firme homogênea mamária é importante para diferenciação com a pseudoginecomastia; a ginecomastia de origem recente, como ocorreu em nosso paciente, geralmente está associada à dor, o que não ocorre com as de longa duração e nem com a pseudoginecomastia.(7)
O diagnóstico de tumor pode ser afastado com facilidade pela ausência de massas ao exame físico e à mamografia, assim como pela regressão completa da ginecomastia após suspensão da INH.

A ginecomastia por hipogonadismo primário ou secundário pode ser afastada pela normalidade das dosagens hormonais e pela manutenção da atividade sexual. Os valores normais dos hormônios tireoidianos afastam a possibilidade de hipertireoidismo.(4)

O substrato patológico da ginecomastia é hiperplasia do epitélio ductal, infiltração periductal de células inflamatórias e aumento da gordura subareolar. A fibrose periductal, hialinização do estroma e infiltração gordurosa subareolar caracterizam a forma crônica.(7)

A fisiopatologia da ginecomastia não está totalmente esclarecida, mas a ruptura da relação estrógeno/andrógeno parece ser fundamental. O aumento relativo do estrógeno livre induziria à ginecomastia. Esta eventualidade pode ter diferentes mecanismos, como a diminuição da produção de testosterona ou a ligação mais forte desta com a proteína transportadora, com diminuição da testosterona livre. A produção aumentada de estrógenos, por outro lado, ocorre em tumores, como no das células de Leydig, no carcinoma de grandes células e em tumores adrenais. Outro mecanismo admitido é a atividade aumentada da aromatase, que degrada a testosterona, o que ocorre, por exemplo, na GCM em idosos.(4,7)

A relação entre ginecomastia e INH pode ser inferida pela inexistência de outras condições que pudessem causá-la, tais como o uso de drogas (por ex. cimetidina, digitálicos, antiinflamatórios, fenitoína, espironolactona, drogas alquilantes, algumas drogas antivirais, hormônios sexuais ou anti-hormônios, benzodiazepínicos e uso de medicamentos na forma de ervas vendidas sem receita médica), hipertireoidismo e distúrbios hormonais congênitos. Acrescente-se ainda que o paciente não fazia uso de nenhuma outra medicação e nem era usuário de drogas como opiáceos e maconha. Da mesma forma, não havia evidência de doenças hepáticas, renais, neurológicas e nem de recuperação após desnutrição severa.(4,7)

A relação com o uso de fármacos antituberculose poderia ser posta em dúvida, pois em 25% dos casos a causa não é identificada.(7) Entretanto, involuntariamente ocorreu o teste da reintrodução, pois não foi notado que este efeito já ocorrera no primeiro tratamento. Este teste deve ser interpretado como definitivo para caracterizar a causa.(7)

A relação da INH com ginecomastia raramente é relatada na literatura, mas foi reconhecida há muitos anos. Em um estudo de 1973, relatou-se o caso de um paciente com 52 anos, alcoólatra, e que manifestou ginecomastia quatro meses após o início do tratamento. Com exceção de discreta diminuição do nível de testosterona livre, as dosagens hormonais foram normais. O paciente recebeu dose excessiva de INH-600 mg/dia (10 mg/kg)-e era inativador lento da INH. A evolução da ginecomastia foi semelhante a do nosso paciente, com regressão após meses da suspensão da droga.(8)

Mais recentemente, relatou-se o caso de um paciente com 25 anos que desenvolveu ginecomastia três meses após o início do tratamento, com regressão da ginecomastia quatro meses após a suspensão da INH.(6)

Fatores predisponentes para ginecomastia em homens em uso de INH não foram identificados, mas é importante assinalar que não há prejuízo para atividade sexual e que a regressão é total alguns meses após a suspensão da droga, sendo inteiramente ilógico indicar cirurgia para a correção do distúrbio, bem como o uso de medicamentos. A dosagem de hormônios é dispensável, bem como a mamografia,(7) sendo recomendável apenas a suspensão do medicamento e observação. Uma investigação aprofundada só deverá ser feita na persistência da ginecomastia após muitos meses. É possível, por outro lado, que alguns casos não sejam detectados na rotina.

O papel do fenótipo de inativação da INH na gênese da ginecomastia, se existente, deve contribuir em pequena escala. Se fosse importante, a alteração deveria ser muito mais comum porque metade da população brasileira é constituída por inativadores lentos ou intermediários.(9,10)

Agradecimentos

Ao Dr. Celso Kazuo Tamiguchi do Hospital Pérola Byington a realização do exame de mamografia no paciente.

Referências


1. Yee D, Valiquette C, Pelletier M, Parisien I, Rocher I, Menzies D. Incidence of serious side effects from first-line antituberculosis drugs among patients treated for active tuberculosis. Am J Respir Crit Care Med. 2003;167(11):1472-7.

2. Morrone N, Marques WJ, Fazolo N, Soares LC, Macedo L. Reações adversas e interações das drogas tuberculostáticas. J Pneumol.1993;19(1):52-9.

3. Morrone N, Solha MS, Barbosa ZL. Alterações psicológicas, no rendimento escolar e na caligrafia em crianças em uso de hidrazida. Rev Nac Pneumol Sanit. 1980;24(33):33-44.

4. Abdon A, Piva R, Santas R, Vilar L. Ginecomastia. In: Vilar R, editor. Endocrinologia Clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 847-9

5. Fitzgerald PA. Gynecomastia. In: Tierney LM, McPhee SJ, Papadakis MA, editors. Current Medical Diagnosis and treatment, 2006. New York: Lange Medical Books/McGraw-Hill; 2006. p. 1100-1.

6. Khanna P, Panjabi C, Maurya V, Shah A. Isoniazid associated, painful, bilateral gynaecomastia. Indian J Chest Dis Allied Sci. 2003;45(4):277-9.

7. Braunstein GD. Clinical practice. Gynecomastia. N Engl J Med. 2007;357(12):1229-37.

8. Beck H, Vignalou J. Gynécomasties imputables à lisoniazide. Intérêt de la détermination du phénotype de dinactivation. Nouv Presse Med. 1976;5(4):213-4.

9. Beiguelman B, Ramalho AS, Arena JF, Garlipp CR. A acetilação da isoniazida em brasileiros caucasóides e negróides com tuberculose pulmonar. Rev Paul Med. 1977;89(1-2):12-5.

10. Morrone N, Yorioka I, Sato T, Conde M, Fazolo N. Determinação do fenotipo de metabolização de isoniazida (INH) em 802 pacientes. J Pneumol. 1982;7(4):195-8.



Trabalho realizado em Sanatorinhos - Ação Comunitária de Saúde. Dispensário do Ipiranga. São Paulo (SP) Brasil.
1. Diretor Clínico de Sanatorinhos - Ação Comunitária de Saúde. Dispensário do Ipiranga. São Paulo (SP) Brasil.
2. Médico de Sanatorinhos - Ação Comunitária de Saúde. Dispensário do Ipiranga. São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Nelson Morrone. Rua Ministro Godoy, 657, apto. 101, Perdizes, CEP 05015-000, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 6163-1387. E-mail: nmorrone@uol.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 18/2/2008. Aprovado, após revisão, em 13/3/2008.

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