A circulação pulmonar, disposta em série com a circulação sistêmica e recebendo todo o débito cardíaco, constitui-se em um circuito vascular de alta complacência, caracterizado pelo alto fluxo, baixa resistência e baixas pressões relativas.(1)
O exercício físico, em níveis baixos a moderados, em condições de normalidade, tem pouca repercussão no aumento da pressão arterial pulmonar, usualmente não ultrapassando os limites superiores da normalidade. A elevação do débito cardíaco durante o exercício produz vasodilatação (distensão), recrutamento e redistribuição do fluxo sanguíneo pulmonar, fazendo com que os gradientes de pressão pulmonar aumentem proporcionalmente menos e, consequentemente, a resistência vascular pulmonar calculada torna-se reduzida.(1)
Os câmbios estruturais e funcionais, que constituem o remodelamento das paredes vasculares, principalmente do segmento arterial pulmonar na hipertensão pulmonar, reduzem sensivelmente a complacência da circulação pulmonar. Este remodelamento, que caracteriza a hipertensão arterial pulmonar (HAP) e que reduz sua capacidade de vasodilatação, leva a uma diminuição da área transversa do leito vascular pulmonar, criando as condições para a elevação dos valores pressóricos e da resistência vascular pulmonar nas condições de aumento do débito cardíaco, como nos esforços, no exercício controlado e mesmo no repouso, sendo proporcional aos graus de remodelamento e à redução da reserva funcional da circulação pulmonar.(1,2)
Os testes de exercício cardiopulmonar,(3) que são excelentes recursos para mensurar a capacidade física, têm sido empregados na avaliação da reserva funcional e como indicadores prognósticos em pacientes com cardiopatias e pneumopatias. Esses testes, como se sabe, requerem instrumentação mais especializada e operadores treinados. Ademais, níveis de esforço máximo podem não ser atingidos por pacientes impossibilitados de aumento significativo do débito cardíaco, como os pacientes com HAP. Nesses pacientes, os testes costumam ser interrompidos devido à dispneia intolerável.
À dispneia a esforços, característica dos pacientes com HAP até o nível IV de classificação funcional (CF), e à limitação nas atividades da vida diária, que caracteriza os níveis prevalentes de apresentação clínica (CF II e III), todos com perda da qualidade de vida, juntaram-se as dificuldades operacionais dos testes de exercício cardiopulmonar, para que testes de esforço submáximos, mais próximos das atividades da vida diária, pudessem ter lugar na avaliação dos pacientes com HAP.
Com base no teste de corrida de 12 minutos de Cooper,(4) destinado a avaliar a aptidão física de homens jovens e sadios, McGavin et al.(5) introduziram, em 1976, o teste de distância caminhada em 12 minutos.
Esses autores empregaram o teste de distância caminhada em 12 minutos como teste de exercício em um grupo de 35 pacientes, entre 40 e 70 anos de idade, com bronquite crônica e disfunção ventilatória obstrutiva. Os resultados foram comparados a outros índices de função respiratória, a fim de avaliar seu potencial de guia sobre a incapacidade respiratória, concluindo-se que o teste de 12 minutos ofereceu informações úteis e objetivas sobre a tolerância ao exercício em pacientes com bronquite crônica.
Butland et al.,(6) ao considerarem que tempos mais curtos poderiam ser mais adequados a pacientes com disfunção grave, compararam a distância caminhada em 12 minutos com caminhadas de 2 e 6 minutos.
Estudaram um grupo de 53 pacientes com disfunção ventilatória obstrutiva. Verificaram que, no teste de 12 minutos, após um pico de velocidade, os pacientes passavam a caminhar em velocidade constante, o que sugeria que testes mais curtos seriam igualmente úteis. A alta correlação encontrada na distância caminhada nos três tempos estudados levou à conclusão de que esses testes eram similares como medidas de tolerância a exercícios.
Guyatt et al.(7) empregaram o teste de caminhada em 6 minutos (TC6) como uma nova medida da capacidade de exercício em pacientes com insuficiência cardíaca crônica (ICC). Aplicaram o teste seis vezes, em 12 semanas, em 18 pacientes com ICC. Os pacientes se submeteram ao teste de cicloergometria e à avaliação funcional de rotina. O TC6 se mostrou altamente aceito pelos pacientes, e seus resultados foram estáveis e reproduzíveis, além de se correlacionarem com as medidas usuais e avaliarem o estado funcional e a capacidade de exercício. Os autores concluíram que a distância caminhada em 6 minutos é uma medida útil da capacidade funcional, bem como uma medida adequada ao prognóstico de exercícios clínicos para pacientes com ICC.
Esse estudo funcionou como uma validação do TC6, que passou a ser amplamente utilizado na prática assistencial médica e em ensaios clínicos em que é exigida a avaliação funcional. Em pacientes com doenças avançadas e com limitação funcional grave, os testes formalmente submáximos de exercício podem ser considerados testes de esforço máximo.
Enright e Sherrill (8) estabeleceram equações de referência para adultos sadios, e uma norma técnica da American Thoracic Society(9) definiu as diretrizes de padronização do teste. O TC6 foi indicado para comparações antes e após tratamentos, definição de estado funcional e predição de morbidade e mortalidade. Foi admitida a necessidade de um corredor com extensão de 30 m, e fatores de variabilidade foram reconhecidos.
Miyamoto et al.(10) examinaram 43 pacientes com HAP idiopática,
verificando que o TC6 diminui em proporção da gravidade da classe funcional segundo a New York Health Association. Também verificaram que a distância caminhada correlaciona-se significativamente com os valores basais do débito cardíaco, da resistência vascular pulmonar e da pressão média da artéria pulmonar; e que ainda correlaciona-se fortemente com o pico de consumo de oxigênio, o pulso de oxigênio e o equivalente respiratório para CO2, determinados por testes de exercício máximo. O TC6 reflete, portanto, a capacidade determinada por testes de exercício cardiopulmonar máximo em pacientes com HAP, mostrando que a distância caminhada tem uma associação forte e independente com a mortalidade, com um ponto de corte de 332 m.
Solway et al.,(11) em uma revisão sistemática qualitativa sobre os testes de caminhada usados no campo das doenças cardíacas e pulmonares, reconheceram a vantagem do TC6 sobre outros testes de caminhada, considerando-o como fácil de administrar, melhor tolerado e que esse reflete de modo mais adequado a atividade diária do que outros testes de esforço submáximo.
Já Olsson et al., (12) em uma revisão sistemática sobre o TC6 em pacientes com ICC, consideraram questionável a capacidade do teste em distinguir entre tratamentos eficazes e ineficazes testados em ensaios clínicos, embora seja útil como evidência de suporte para benefícios sintomáticos.
Stevens et al.(13) introduziram o TC6 em esteira, comparando seus resultados com o teste original em corredor, em um grupo de pacientes adultos em um programa de reabilitação pulmonar. Os pacientes receberam oxigênio conforme a necessidade, e a freqüência cardíaca e a oximetria de pulso (SpO2) eram monitorizadas. A velocidade inicial da esteira foi de 1 milha/h (1,6 km/h), e a velocidade mínima foi de 0,6 milha/h (0,96 km/h). Os pacientes foram instruídos em relação ao manejo da esteira (como aumentar ou reduzir sua velocidade, parar e recomeçar), conforme suas necessidades. Todas as demais instruções antes e durante o teste corresponderam às do teste original em corredor. Um grupo de 21 pacientes completou o teste, que foi muito bem tolerado e sem a ocorrência de complicações. A distância média percorrida no teste em esteira foi de 1,060 ± 389 m vs. 1,228 ± 255 m no teste em corredor, diferenças estatisticamente significantes (p = 0,01). A variabilidade intrateste foi similar, e o coeficiente de variação não apresentou variação significativa. Houve reprodutibilidade intrateste quando três dos testes foram realizados na mesma sessão. O TC6 em esteira foi considerado pelos autores como praticável, simples de realizar, permitindo fácil monitorização dos pacientes. Entretanto, devido à diferença com os testes realizados em corredor, esse teste poderia ser considerado um TC6 diferente, não intercambiável com o TC6 em corredor.
No presente número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Camargo et al.(14) apresentam um estudo original no qual elaboraram e validaram um protocolo para o TC6 em esteira, para a avaliação-de forma pioneira-de pacientes com HAP. Foram incluídos no estudo 73 pacientes após a confirmação de HAP por cateterismo cardíaco direito. A interpretação atenta de seus resultados permite concluir que o protocolo do TC6 em esteira é mais um marcador funcional e de prognóstico para pacientes com HAP, com algumas vantagens operacionais sobre o teste em corredor.
Em resumo, os testes submáximos de exercício, também chamados de testes clínicos de campo-principalmente o TC6-são avaliações clínico-funcionais aceitáveis para os pacientes, fáceis de realizar, reprodutíveis, sem riscos e sem complicações maiores. Contudo, não prescindem de cuidados metodológicos que reduzam sua variabilidade. Seus resultados correlacionam-se satisfatoriamente com testes de exercício máximo e com variáveis funcionais, têm valor prognóstico e relacionam-se com a mortalidade. Sua importância maior, entretanto, é que eles quantificam queixas subjetivas dos pacientes, oferecendo uma avaliação adequada das limitações da vida diária. Tentativas de transformá-los em testes eficazes na utilização de novos fármacos têm sido contestadas. O TC6 em esteira pode ser interpretado como um aperfeiçoamento e um enriquecimento da técnica de avaliação submáxima de exercício.
Sérgio Saldanha Menna Barreto
Chefe do Serviço de Pneumologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre (RS) Brasil
Referências
1. Hughes JM, Morrell NW. Pulmonary circulation: From basic mechanisms to clinical practice. London: Imperial College Press; 2001.
2. Morrell NW, Jeffery TK. Pulmonary vascular remodeling. In: Peacock AJ, Rubin LJ, editors. Pulmonary circulation: Diseases and their treatment. 2nd ed. London: Hodder Arnold; 2004. p. 46-61.
3. Wensel R, Opitz CF, Anker SD, Winkler J, Höffken G, Kleber FX, et al. Assessment of survival in patients with primary pulmonary hypertension: importance of cardiopulmonary exercise testing. Circulation. 2002;106(3):319-24.
4. Cooper KH. A means of assessing maximal oxygen intake. Correlation between field and treadmill testing. JAMA. 1968;203(3):201-4.
5. McGavin CR, Gupta SP, McHardy GJ. Twelve-minute walking test for assessing disability in chronic bronchitis. Br Med J. 1976;1(6013):822-3.
6. Butland RJ, Pang J, Gross ER, Woodcock AA, Geddes DM. Two-, six-, and 12-minute walking tests in respiratory disease. Br Med J (Clin Res Ed). 1982;284(6329):1607-8.
7. Guyatt GH, Sullivan MJ, Thompson PJ, Fallen EL, Pugsley SO, Taylor DW, et al. The 6-minute walk: a new measure of exercise capacity in patients with chronic heart failure. Can Med Assoc J. 1985;132(8):919-23.
8. Enright PL, Sherrill DL. Reference equations for the six-minute walk in healthy adults. Am J Respir Crit Care Med. 1998;158(5 Pt 1):1384-7.
9. ATS Committee on Proficiency Standards for Clinical Pulmonary Function Laboratories. ATS statement: guidelines for the six-minute walk test. Am J Respir Crit Care Med. 2002;166(1):111-7.
10. Miyamoto S, Nagaya N, Satoh T, Kyotani S, Sakamaki F, Fujita M, et al. Clinical correlates and prognostic significance of six-minute walk test in patients with primary pulmonary hypertension. Comparison with cardiopulmonary exercise testing. Am J Respir Crit Care Med. 2000;161(2 Pt 1):487-92.
11. Solway S, Brooks D, Lacasse Y, Thomas S. A qualitative systematic overview of the measurement properties of functional walk tests used in the cardiorespiratory domain. Chest. 2001;119(1):256-70. Review.
12. Olsson LG, Swedberg K, Clark AL, Witte KK, Cleland JG. Six minute corridor walk test as an outcome measure for the assessment of treatment in randomized, blinded intervention trials of chronic heart failure: a systematic review. Eur Heart J. 2005;26(8):778-93. Epub 2005 Mar 17.
13. Stevens D, Elpern E, Sharma K, Szidon P, Ankin M, Kesten S. Comparison of hallway and treadmill six-minute walk tests. Am J Respir Crit Care Med. 1999;160(5 Pt 1):1540-3.
14. Camargo VM, Martins BC, Jardim C, Fernandes CJ, Hovnanian A, Souza R. Treadmill six-minute walk test in patients with pulmonary arterial hypertension: evaluation. J Bras Pneumol. 2009;35(5):423-30.