ABSTRACT
Objective: To describe the prevalence of signs and symptoms of respiratory disease among pig farmers in Braço do Norte, Santa Catarina, Brazil, evaluating the characteristics of swine confinement buildings and identifying potential risk factors. Methods: An exploratory, cross-sectional, observational study involving interviews and pulmonary function tests (spirometry). Aspects related to job history, work conditions, and environment, as well as to respiratory status and smoking, were evaluated. Odds ratios were used to estimate the chances of exposure when comparing pig farmers according to the signs and symptoms of respiratory disease. Results: The prevalence of clinical signs and symptoms of respiratory disease was 84.3%, clinical manifestations of bronchial asthma were detected in 5.6% of the farmers evaluated, and chronic bronchitis was diagnosed in 5.1% of the workers over the age of 40. Only 2.6% used specific individual respiratory protection devices. Respiratory disease was positively associated with low socioeconomic level, low level of education, smoking, the use of wood stoves, and the use of disinfectants. Work load and length of employment were both apparently associated with a lower prevalence of respiratory disease. Conclusion: The association between duration of employment and lower prevalence of respiratory disease can be attributed to the healthy worker effect. However, the evident respiratory impairment among pig farmers and the limited use of personal protective equipment draw attention to the need to implement a program to monitor exposure and regulate environmental factors.
Keywords:
Occupational Exposure; Occupational Diseases/epidemiology; Swine; Animal husbandry; Respiratory tract diseases.
RESUMO
Objetivo: Descrever a prevalência de sinais e sintomas de doença respiratória, avaliar as características do confinamento e identificar potenciais fatores de risco nos suinocultores do município de Braço do Norte, Santa Catarina. Métodos: Um estudo do tipo observacional, de caráter exploratório, com delineamento transversal, em que a coleta de dados foi através de entrevistas e realização de espirometrias. Foram investigados o histórico laborativo, as condições do ambiente e trabalho, a saúde respiratória e o hábito tabágico. Como medida de risco foi utilizada a razão de chances da exposição, ao comparar suinocultores expostos e não expostos aos fatores de interesse de acordo com presença de sinais e sintomas de doença respiratória. Resultados: A prevalência das manifestações de sintomas e sinais respiratórios foi de 84,3%, de asma brônquica foi de 5,6% e de bronquite crônica naqueles acima de 40 anos foi 5,1%. Apenas 2,6% dos suinocultores utilizavam
equipamentos de proteção específica para o aparelho respiratório. Manifestações respiratórias entre os suinocultores mostraram-se associadas ao baixo nível socioeconômico, baixa escolaridade, tabagismo, uso de fogão a lenha e uso de desinfetantes. Havia uma aparente associação entre tempo e intensidade de trabalho e os achados de uma menor prevalência de manifestações respiratórias. Conclusão: O 'fenômeno saúde do trabalhador' pode explicar a associação entre tempo/intensidade de trabalho e a menor prevalência de manifestações respiratórias. Entretanto, o evidente comprometimento do aparelho respiratório entre os suinocultores e a baixa adoção de medidas de proteção específica nesta população apontam para a necessidade de um programa de controle da exposição e regulamentação dos fatores ambientais.
Palavras-chave:
Exposição ocupacional; Doenças ocupacionais, profissionais/epidemiologia, suinocultores, doença respiratória; Suínos; criação de animais domésticos; Doenças respiratórias.
IntroduçãoNos últimos 30 anos houve um grande aumento no interesse pela pesquisa em saúde respiratória nos trabalhadores em suinocultura. O primeiro relato na literatura foi em 1974, mas em 1977 estes mesmos autores chamaram a atenção para o surgimento de novas fontes de doença ocupacional na suinocultura.(1) Diferentes estudos, principalmente nos Estados Unidos,(2-4) Canadá,(5) Holanda,(6) Dinamarca(7) e Suécia,(8) demonstraram que as alterações respiratórias em suinocultores são mais prevalentes do que na população geral, relatando também entre agropecuaristas envolvidos em outras atividades além da suinocultura.(9) Sintomas como tosse aguda e crônica, expectoração, dispnéia e sibilância, bem como o diagnóstico de laringite, bronquite crônica, asma brônquica têm sido descritos como mais prevalentes. Já foi demonstrado o aumento da IgG4 relacionada a alimentos e antígenos porcinos nos indivíduos com mais horas de trabalho semanal, embora não tenha sido descrita correlação entre IgG4 elevada e perda da função pulmonar.(8-10) Estudos funcionais demonstraram queda do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) no decorrer dos anos de exposição, bem como uma prevalência de 59% de hiper-reatividade brônquica nos suinocultores.(8) A hiper-reatividade brônquica, a inflamação da mucosa brônquica observada através da fibrobroncoscopia e o predomínio de neutrófilos na análise do lavado broncoalveolar têm sido utilizados para comprovar as alterações determinadas por esta atividade laboral(1) e já foi descrita a síndrome da disfunção reativa das vias aéreas, uma situação aguda e de maior gravidade, que ocorreu em conseqüência da inalação de gases num confinamento fechado cujo sistema de ventilação falhou.(10) Além disso, os efeitos da exposição à poeira orgânica da suinocultura, por períodos superiores a três horas, causa inflamação intensa nas vias respiratórias, detectando-se o envolvimento de interleucinas 1 e 6 e do fator de necrose tumoral alfa na mediação deste processo inflamatório. O uso de desinfetantes, principalmente a amônia, utilizada por períodos prolongados, está intimamente associado com alterações na função pulmonar e com a presença de sintomas respiratórios.(11)
Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária,(12) o Estado de Santa Catarina é responsável por 75% da exportação brasileira de carne suína, respondendo por 1/3 dos abates totais e 40% dos abates industriais. A região da Associação dos Municípios da Região de Laguna responde por aproximadamente 12% de toda a produção estadual de carne suína, concentrando-se principalmente nos municípios de Braço do Norte, São Ludgero e Rio Fortuna, sendo o primeiro o de maior rebanho. Considerando a extensão da atividade da suinocultura na região e a quase inexistência de informações sobre os efeitos ocupacionais nas manifestações respiratórias em suinocultores, o presente estudo tem como objetivos descrever a prevalência de sinais e sintomas de doença respiratória, avaliar as características do confinamento e identificar potenciais fatores de risco para desenvolvimento de tais manifestações nos trabalhadores desta região.
MétodosA cidade de Braço do Norte, no sul de Santa Catarina, foi escolhida por ser a maior produtora de suínos na região. Como fase inicial do presente estudo, um censo realizado em Braço do Norte detectou a existência de 480 suinocultores. Para fins de cálculo amostral, tendo como base dados da literatura, foi antecipada uma prevalência de 20% de bronquite crônica entre estes suinocultores. Uma amostra aleatória de 163 suinocultores foi considerada suficiente para medir a prevalência estimada com uma margem de erro de 5%, no nível de confiança de 95% (p < 0,05). Uma amostra final de 180 suinocultores foi obtida, incluindo-se nesse número contingências relativas às potenciais perdas. Um segundo cálculo estimou o potencial desta amostra na detecção de possíveis diferenças na distribuição das chances de doença respiratória de acordo com os fatores de exposição de interesse. O número de 180 suinocultores selecionados foi calculado como suficiente para detectar diferenças de pelo menos três vezes no odds ratio (OR) de doença respiratória ao comparar suinocultores expostos e não expostos.
Por sorteio simples foram selecionados os 180 suinocultores. Estes responderam a um questionário modificado para detectar a presença dos sintomas de doenças respiratórias e submetidos a uma espirometria (espirômetro Beatrice - AT versão 4.y 2000, com curva fluxo volume; EBEM, Recife, Brasil), segundo os critérios já padronizados.(13)
O questionário foi composto por 85 perguntas, dentre as quais 62 fechadas,14 abertas e 9 mistas, dispostas em blocos representando variáveis independentes ou de exposição (blocos 1, 2 e 3), variáveis dependentes ou de desfecho (bloco 4) e outras variáveis (blocos 5 e 6).
Questões do bloco 1: Classificação dos suinocultores quanto à faixa etária e gênero.
Questões do bloco 2: Classificação dos suinocultores quanto ao nível sócio-econômico.
Questões do bloco 3: Descrição do sistema e ambiente de trabalho adotado pela granja.
Questões do bloco 4: Classificação dos suinocultores quanto às manifestações respiratórias.
Questões do bloco 5: Classificação dos suinocultores em tabagistas, ex-tabagistas e usuários de fogão a lenha.
Questões do bloco 6: Revisão geral de todos os aspectos levantados durante a entrevista.
O instrumento de pesquisa foi aplicado aos indivíduos selecionados dentro e fora do horário de trabalho, após a aceitação por parte dos empregadores e dos trabalhadores. O exame espirométrico foi realizado fora do ambiente e do horário de trabalho. Na ocasião, foi solicitado a cada pesquisado que observasse com atenção as explicações da equipe de campo, dentre as quais as indicações sobre os procedimentos da entrevista e do exame de espirometria, bem como os esclarecimentos sobre os objetivos da pesquisa.
Um questionário em pequena escala foi aplicado na cidade de São Ludgero, com 30 suinocultores. As informações obtidas apontaram para a necessidade de modificações no questionário, a fim de facilitar tanto o trabalho da equipe de campo quanto o preenchimento do mesmo, bem como o entendimento por parte dos investigados. Em contrapartida, os pesquisados também foram esclarecidos em casos de detecção de anomalia ou diagnóstico de doença durante o estudo, sendo que em circunstâncias tais, recomendações foram efetuadas no sentido de o trabalhador ser encaminhado para tratamento médico.
A definição de caso segue diferentes enfoques de acordo com os desfechos específicos explorados pelo estudo. Sob o enfoque mais amplo, os participantes foram classificados como portadores ou não de manifestações respiratórias das vias aéreas superiores e inferiores. Os sintomas e sinais respiratórios foram classificados como agudos, aqueles que ocorriam até três semanas, ou crônicos, quando persistiam por mais de três semanas. Como portadores de sinais e sintomas específicos das vias aéreas superiores foram classificados os indivíduos que apresentaram prurido nasal, secreção nasal, espirro e/ou obstrução nasal. Referentes às vias aéreas inferiores, foram classificados os indivíduos referindo sibilos, tosse, expectoração, dispnéia, expectoração crônica, dispnéia no trabalho, sibilos no trabalho, tosse crônica (três ou mais semanas de duração) e os diagnósticos clínicos de asma brônquica e bronquite crônica. Um segundo enfoque do desfecho se refere à presença de sinais e sintomas respiratórios específicos investigados como eventos isolados. Neste grupo estão tosse, expectoração e dispnéia. Um terceiro desfecho se referiu ao diagnóstico de bronquite crônica nos indivíduos com mais de 40 anos, incluídos como positivos os casos que apresentassem tosse com expectoração na maioria dos dias, por um mínimo de três meses por ano, em dois anos consecutivos, afastadas outras doenças. Se o indivíduo apresentasse sintomas compatíveis com bronquite crônica, mesmo que a espirometria não mostrasse obstrução, ele seria considerado como um caso.
Um caso de asma brônquica foi definido pela presença de dispnéia, tosse, sibilos ou opressão retroesternal recorrente nos últimos anos, após quadro gripal ou não, especialmente quando o indivíduo estava de folga do trabalho ou viajando. A asma ocupacional foi definida mediante a presença destes sintomas no período em que se encontrava trabalhando. Asma na infância foi considerada quando da presença de relato de crises de sibilos e dispnéia na infância.
Os suinocultores que apresentavam expectoração purulenta durante a entrevista (n = 30) foram submetidos a uma radiografia de tórax e dos seios paranasais com a finalidade de detectar outras doenças específicas, facilitando o diagnóstico diferencial. Foram excluídos dois indivíduos que mudaram de profissão durante a realização dos exames.
Análises bivariadas e regressão logística não condicional foram empregadas na investigação do efeito independente das exposições de interesse na ocorrência de doença respiratória, ajustados para idade e tabagismo. O teste do qui-quadrado no nível de confiança de 95% (p < 0,05) foi utilizado para testar a existência de diferenças na ocorrência de doenças respiratórias. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina.
ResultadosA média de idade dos 178 suinocultores foi de 37,7 ± 12,2 anos (variação, 15 a 63 anos), predominando o sexo masculino (82,6%). O tempo médio de escolaridade foi de 6,4 anos, com quase metade da amostra tendo estudado até a quarta série do ensino fundamental. Quanto à classificação socioeconômica, 78% dos suinocultores foram classificados na classe C de acordo com os critérios da Associação Nacional de Empresas.(14) A Tabela 1 mostra a distribuição dos suinocultores de acordo com variáveis do ambiente e características de trabalho. Dos 178 suinocultores avaliados, 81 (45,5%) residiam no perímetro de até 50 metros de distância da granja. Quase metade (46,1%) declarou estar nesta atividade desde o início da vida laboral. A criação de gado predominou como atividade paralela à suinocultura em 72%. O tempo médio de trabalho diário na pocilga foi de 8 ± 3,6 h. O tempo médio de trabalho na suinocultura foi de 14 ± 9 anos. Apenas 5 (2,8%) dos 178 suinocultores faziam uso de equipamento de proteção específico para o aparelho respiratório (máscara) e, destes, 4 apresentavam tosse crônica.
A presença de manifestações respiratórias foi detectada em 150 (84,3%) dos suinocultores investigados. Destes, 103 (69%) apresentavam sinais e sintomas agudos e apenas 47 (31%) sinais e sintomas crônicos. A Tabela 2 apresenta a prevalência de sinais e sintomas de vias aéreas superiores e inferiores e das doenças diagnosticadas. As manifestações respiratórias de vias aéreas superiores mais comuns foram obstrução nasal em 76 (42,7%) dos suinocultores, espirros em salva em 68 (38%) e secreção e prurido nasal em 41 (23%). Dentre as manifestações de vias aéreas inferiores, observou-se a presença de tosse, expectoração e dispnéia em, respectivamente, 73,6, 69 e 30,9% dos indivíduos. Apenas um terço da ocorrência de tosse foi diagnosticada como crônica. A presença de sibilos foi detectada em quase 15% dos suinocultores e pouco mais de 5% dos trabalhadores foram diagnosticados como tendo asma brônquica. Na população total, 9 (5,1%) suinocultores apresentaram bronquite crônica. Dispnéia pós-exposição, ou seja, durante o trabalho, foi relatada por 17 (9,6%) e sibilos apareceram em 12 (6,7%) suinocultores. Dos 23 (13%) suinocultores que apresentaram sintomas compatíveis com asma ocupacional, 10 (5,6%) apresentaram diagnóstico clínico definitivo. Dos 14 referindo asma na infância, 3 ainda apresentavam o diagnóstico. Sibilos durante o trabalho foram detectados em 12 (6,7%) dos suinocultores.
Em 30 (17%) dos suinocultores esteve indicada a realização de radiogramas de tórax e seios paranasais. Destes, apenas 3 tiveram suas radiografias alteradas: 2 apresentaram infiltrado intersticial e 1 apresentou área cardíaca aumentada. As radiografias de seios paranasais foram normais em 26 (14,6%) pacientes e alteradas em 4 (2,2%). Todas as alterações foram compatíveis com o diagnóstico de sinusite bacteriana. Dos suinocultores com diagnóstico de bronquite crônica, 1 teve sua radiografia de tórax normal, 1 teve radiografia alterada compatível com o diagnóstico de bronquite crônica, e 7 não realizaram o exame. Entre as radiografias dos suinocultores bronquíticos, apenas 2 apresentaram alterações nos seios paranasais.
Dos 178 suinocultores que realizaram a espirometria apenas 3 apresentaram resultados alterados. Um primeiro indivíduo apresentou distúrbio ventilatório restritivo leve; um segundo mostrou um distúrbio ventilatório obstrutivo leve, sem resposta ao broncodilatador; e o terceiro, distúrbio ventilatório obstrutivo grave, com redução moderada da capacidade vital, sem resposta ao broncodilatador. Apenas duas espirometrias contribuíram para o diagnóstico de bronquite crônica, sendo que uma delas contribuiu isoladamente para o diagnóstico de bronquite crônica num indivíduo assintomático.
Ao explorar a prevalência de manifestações respiratórias de acordo com as características sócio-demográficas (Tabela 3), foram encontradas uma chance aumentada, de mais de 50% (OR > 1,5) nos suinocultores de escolaridade mais baixa, e chances maiores também de sinais e sintomas respiratórios nesta classe menos privilegiada. Entre os fumantes e ex-fumantes foi encontrada uma chance de manifestações respiratórias quase quatro vezes maior (OR = 3,8; p < 0,05) quando comparados aos outros suinocultores. Neste mesmo grupo foi encontrada uma chance 40% maior de apresentar tosse e 20% maior de ter expectoração. Os suinocultores que utilizavam fogão a lenha tinham uma chance 25% maior de apresentarem manifestações respiratórias quando comparados aos suinocultores que não utilizavam. A bronquite crônica foi duas vezes mais prevalente naqueles que utilizavam fogão a lenha.
As manifestações respiratórias foram 20% mais prevalentes nos suinocultores que utilizavam produtos de desinfecção (Tabela 4) e 80% mais prevalentes nos suinocultores que faziam alimentação manual dos animais. A prevalência de bronquite crônica foi bem maior nos usuários de desinfetantes. Estes indivíduos também apresentaram uma prevalência 70% maior de manifestações respiratórias agudas. Quanto ao tipo específico de desinfetante, a creolina e o iodo mostraram associações importantes com manifestações respiratórias. A amônia teve associação significativa com a presença de dispnéia, aumentando em duas vezes a chance de desenvolver este sintoma (p < 0,05).
Tanto o tempo de trabalho, em anos na suinocultura, quanto o tempo gasto na granja apareceram como fatores de proteção para o desenvolvimento das manifestações respiratórias. Ao analisarmos sintomas específicos como a tosse, a dispnéia e a expectoração, os anos e as horas de trabalho na suinocultura também apresentaram-se como fator de proteção.
Discussão Entre os suinocultores de Braço do Norte, a prevalência de manifestações respiratórias atingiu a taxa de 84,3%, enquanto que em outros estudos a prevalência variou de 22,6 a 82%.(2-4) Na população de fazendeiros brasileiros esta informação não está disponível, mas em europeus, independente do tipo de atividade, os sintomas respiratórios estão em
torno de 22,1%.(15)
Poucos estudos investigaram a prevalência de manifestações respiratórias de vias aéreas superiores e inferiores, entretanto os resultados em torno de 30% relatados por alguns autores(1,17) encontram-se um pouco abaixo daqueles encontrados em nosso estudo. A prevalência de tosse, classificada como qualquer tipo de tosse, entre suinocultores de Braço do Norte foi maior do que o relatado pela grande maioria dos estudos, apesar de que para o sintoma tosse crônica não foram encontradas diferenças importantes. A presença de dispnéia e sibilos tem sido relatada com o dobro da freqüência encontrada no presente estudo, enquanto que para o sinal expectoração, ocorreu o inverso.(16,18) Ainda que para o diagnóstico clínico de asma nossos resultados estejam dentro do espectro de variação da literatura, a utilização de diferentes critérios diagnósticos nos vários estudos não possibilitam conclusões. Entretanto, a prevalência de asma nos suinocultores de Braço do Norte foi menor do que a esperada entre não suinocultores, semelhante aos achados de alguns autores,(19) o que se poderia explicar pela seleção vocacional, em que indivíduos doentes não escolheriam ou seriam selecionados para tal tarefa.
A prevalência de bronquite crônica encontrada entre os suinocultores foi de 5,1%. Este achado está um pouco abaixo dos valores encontrados em suinocultores acima de 40 anos de outros países.(6,8) Um fator que pode explicar esta prevalência mais baixa é o fato de que a suinocultura praticada no Brasil ocorre em ambiente diferente daquele descrito na literatura internacional, especialmente nos países com baixas temperaturas e, por isso, o sistema de criação é realizado em ambientes fechados. Outro aspecto importante a ser discutido é o fato de não termos excluído os indivíduos que relatavam história clínica compatível com o diagnóstico de bronquite crônica cujas espirometrias não mostraram obstrução ao fluxo aéreo. A utilização do critério funcional através da relação VEF1/CVF permitiu diagnosticar esta doença em apenas dois indivíduos. Alguns autores(20) chamaram a atenção para aqueles suinocultores assintomáticos e que apresentavam alterações espirométricas, demonstrando uma maior sensibilidade quando se recorria a este método para a detecção de casos. Grandes variações da prevalência de sinais e sintomas respiratórios e do diagnóstico de doenças respiratórias(16,18,19) podem ser explicadas por diferentes perfis do sistema de criação dos animais e também por diferentes critérios para o diagnóstico. Em contraste com o sistema de granja semi-aberta e com ventilação natural encontrado em Braço do Norte (Figura 1), na literatura internacional encontramos que 96% das granjas são fechadas, com ventilação apropriada e construídas com concreto e metal.(6) Diferenças climáticas e, possivelmente econômicas, explicam estes contrastes observados no ambiente e nos resultados encontrados.(11) Pocilgas muito fechadas, encontradas nos climas mais frios, propiciam uma concentração maior de exposição a poluentes. O tempo médio trabalhado nas pocilgas foi semelhante ao encontrado na literatura,(18) assim como o tempo de trabalho apresentou média exatamente igual à relatada por alguns autores.(19) No mesmo contexto, em Braço do Norte a constatação dos sintomas agudos (69%) também demonstra as características regionais e ambientais influenciando nos desfechos. A idade não influenciou o surgimento de sinais e sintomas respiratórios. A baixa escolaridade aumentou a chance de doença em mais de 50% entre suinocultores, mesmo após controle para os efeitos da idade e tabagismo. O tabagismo, além de significar um fator que aumentou em quase quatro vezes o risco do desenvolvimento de manifestações respiratórias e de doença entre os suinocultores estudados, pode ter apresentado um efeito aditivo na manifestação dos sintomas crônicos, já descrito por outros autores.(1,8,22,23) Entretanto, nos suinocultores de Braço do Norte não foi encontrada uma diferença importante na prevalência de bronquite crônica ao comparar tabagistas e não tabagistas. Ainda que vários estudos demonstrem uma maior prevalência destas manifestações entre os suinocultores comparados às outras atividades da agropecuária,(5,7,9) no presente estudo, a prevalência de bronquite crônica entre aqueles que também exerciam a atividade agropecuária foi em torno de 7%, muito abaixo do encontrado por outros.(17,18)
A associação entre tabagismo e prevalência aumentada de tosse, dispnéia e expectoração estão de acordo com a literatura, onde o tabagismo é apontado como o grande promotor e um fator aditivo para o desenvolvimento de manifestações e doenças do aparelho respiratório.(24,25) No presente estudo, resultados de uma associação positiva entre o uso de fogão a lenha e existência de sinais e sintomas respiratórios, apenas confirmam o já conhecido risco da exposição passiva à fumaça.
Nossos dados demonstraram que as chances de os suinocultores apresentarem manifestações respiratórias foram quase seis vezes maiores entre os menos privilegiados economicamente. Esta correlação não foi encontrada em estudos prévios. Assim como em outros estudos, em Braço do Norte não foi encontrada associação entre manifestações respiratórias e a distância da residência até a granja. O uso de produtos para a desinfecção e a alimentação manual dos animais, conforme já relatado por outros autores,(17,18) determina maior chance para o desenvolvimento de doença. A exposição aos alimentos dos animais aumentaria o risco por gerar mais poeira e conseqüente acúmulo de endotoxinas.(19) O achado de uma associação entre máscara e a presença de doença, provavelmente indica que o uso da máscara estaria ligado à doença prévia naqueles poucos suinocultores (cinco) que dela faziam uso. O uso de desinfetante, na suinocultura de Braço do Norte, apresentou uma prevalência pouco maior do que referido na literatura sendo o iodo em Braço do Norte e a amônia em outros estudos, os desinfetantes mais utilizados.(6,7,16) Ao investigar a relação de acordo com o tipo específico de produto, a creolina e o iodo mostraram as associações mais importantes com a presença de sinais e sintomas. O uso de amônia, desinfetante mais importantemente associado a sintomas respiratórios agudos e crônicos, aumentou em duas vezes as chances de ter dispnéia. Ao contrário do que tem sido relatado,(7,8) os anos trabalhados na suinocultura apresentaram uma correlação negativa com a prevalência das manifestações respiratórias e também de doença. Esta diferença nos nossos achados expressa, provavelmente, os efeitos conjuntos da suinocultura realizada no sistema semi-aberto e do 'efeito saúde do trabalhador'.(21) Tempo de trabalho, superior a 8 h diárias e mais de 11 anos de atividade na suinocultura em Braço do Norte, foi fator de proteção para o desenvolvimento de tosse, tosse crônica e sintomas agudos. Este aparente fator de proteção pode ser explicado por dois fatores inter-relacionados: a auto-seleção decorrente daqueles indivíduos encontrados no trabalho no momento da pesquisa ("efeito saúde do trabalhador") e o freqüente viés de causalidade reversa encontrado nos estudos com delineamento transversal, onde a pobre relação com o tempo não permite relacionar exposição e desfecho, e assim, o aparente desfecho (doença), na verdade, foi a causa da aparente exposição (trabalho).(21) Além disso, por se tratar de um estudo descritivo, sem grupo controle e numa população específica, não é possível afirmar com segurança as relações entre exposição e desfechos.
Concluindo, o evidente comprometimento do aparelho respiratório entre os suinocultores e a baixa adoção de medidas de proteção específica nesta população apontam para a necessidade de um programa de controle da exposição e regulamentação dos fatores ambientais em Braço do Norte, SC. O fenômeno saúde do trabalhador pode explicar a aparente associação entre tempo e intensidade de trabalho.
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* Trabalho realizado na Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL - Santa Catarina (SC) Brasil.
1. Professor de Pneumologia do Curso de Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL - Santa Catarina (SC) Brasil.
2. Professor do Programa de Pós-Graduação em Qualidade Ambiental do Centro Universitário Feevale de Novo Hamburgo, RS e Ciências Pneumológicas - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
3. Professor do Curso de Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL - Santa Catarina (SC) Brasil.
Endereço para correspondência: Paulo Fontoura Freitas. Beco da Lua, 232, Porto da Lagoa, CEP 88062-490, Florianópolis, SC, Brasil.
Tel 55 48 32326099. E-mail: pfreitas@ccs.ufsc.br
Recebido para publicação em 29/4/06. Aprovado, após revisão, em 6/11/06.