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Artigo Original

Fenótipos clínicos de asma grave

Clinical phenotypes of severe asthma

Roseliane de Souza Araújo Alves, Flávia de Almeida Filardo Vianna, Carlos Alberto de Castro Pereira

ABSTRACT

Objective: To characterize clinical phenotypes of severe asthma. Methods: A total of 111 patients were retrospectively evaluated at a specialized outpatient clinic. A systematic protocol for patient evaluation and follow-up was applied. Treatment compliance and control of the disease at the end of follow-up were defined by clinical and functional data. Patients who did not meet asthma control criteria after six months despite compliance with treatment and correct use of medication were characterized as treatment-resistant. Phenotypes were determined by factorial analysis and compared using various tests. Results: At the end of follow-up, 88 patients were considered treatment compliant and 23 were considered noncompliant. Factorial analysis of the compliant patients identified four phenotypes: phenotype 1 (28 patients) comprised patients who were treatment-resistant, more often presenting nocturnal symptoms and exacerbations, as well as more often using rescue bronchodilators; phenotype 2 (48 patients) comprised patients with persistent airflow limitation, lower ratios of forced expiratory volume in one second/forced vital capacity at baseline, more advanced age and longer duration of symptoms; phenotype 3 (42 patients) comprised patients with allergic rhinosinusitis who were nonsmokers and presented predominantly reversible airflow obstruction; and phenotype 4 (15 patients) comprised cases with a history of aspirin intolerance to acetylsalicylic acid associated with near-fatal asthma. Conclusions: A significant number of patients with severe asthma are noncompliant with treatment. Although many patients with severe asthma have persistent airflow obstruction, the most relevant clinical phenotype comprises patients who are resistant to the typical treatment.

Keywords: Asthma; Asthma/prevention & control; Asthma/treatment.

RESUMO

Objetivo: Estabelecer os fenótipos clínicos em portadores de asma grave. Métodos: Foram estudados, retrospectivamente, 111 pacientes em um ambulatório especializado. Os pacientes foram avaliados e acompanhados de maneira sistemática, estabelecendo-se ao final do acompanhamento a adesão e o controle ou não da doença por dados clínicos e funcionais. A resistência ao tratamento foi definida como o não preenchimento, ao final do acompanhamento, por pelo menos seis meses, dos critérios de controle de asma, apesar do uso correto e adesão à medicação. Os fenótipos foram determinados por análise fatorial e comparados por testes diversos. Resultados: Ao final, 88 pacientes foram considerados aderentes e 23 não aderentes. Por análise fatorial do grupo aderente, quatro fenótipos foram determinados: o fenótipo 1 (28 pacientes), formado pelos pacientes resistentes ao tratamento, com maior freqüência de sintomas noturnos, maior número de exacerbações e uso mais freqüente de broncodilatador de resgate; o fenótipo 2 (48 pacientes), formado pelos pacientes com obstrução persistente, com menores valores de relação volume expiratório forçado no primeiro segundo/capacidade vital forçada na avaliação inicial, idade mais avançada e maior tempo de doença; o fenótipo 3 (42 pacientes), representa os pacientes com rinossinusite alérgica, sendo constituído de não fumantes com obstrução predominantemente reversível; e o fenótipo 4 (15 pacientes), formado por casos com história de intolerância à aspirina associado à asma quase fatal. Conclusões: Um número significativo de portadores de ama grave não adere ao tratamento. Muitos pacientes com asma grave têm obstrução irreversível, mas o fenótipo clínico mais relevante é constituído pelos pacientes resistentes ao tratamento habitual.

Palavras-chave: Asma; Asma/prevenção & controle; Asma/tratamento.

Introdução

A asma grave acomete apenas 10% dos casos de asma, mas neste grupo a mortalidade é maior e há maior consumo dos recursos relativos à doença.(1) Um subgrupo de portadores de asma grave não é controlado com os esquemas terapêuticos atualmente disponíveis, sendo denominados casos de asma de difícil controle. Diversos fatores determinam uma pobre resposta ao tratamento da asma, incluindo adesão, correta avaliação diagnóstica, exclusão de doenças concomitantes, identificação de fatores agravantes e correta utilização das medicações.(2) Além destas variáveis, características fenotípicas estão associadas à refratariedade ao tratamento.

A determinação dos fenótipos de asma grave é importante para melhor entendimento dos mecanismos fisiopatológicos da doença e da resposta ao tratamento; entretanto, a definição precisa dos fenótipos ainda suscita discussões.(1) Diversos fenótipos têm sido descritos, entre eles: fenótipos clínicos, inflamatórios e, recentemente, genéticos.

O objetivo deste estudo foi tentar caracterizar os fenótipos clínicos da asma grave após tratamento padronizado e comparar os achados com os descritos na literatura.

Métodos

O estudo foi realizado no ambulatório de asma grave do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, Brasil, no período entre 1999 e 2004.

Foram analisadas retrospectivamente as fichas padronizadas, com dados completos, utilizadas para o atendimento, tanto na consulta inicial como no acompanhamento. O diagnóstico e o seguimento da doença foram feitos por médico pneumologista. Os dados referentes aos critérios de controle da doença foram obtidos após um mínimo de três consultas, feitas com intervalo mínimo de três meses. O tempo de acompanhamento nos pacientes não controlados foi de no mínimo 12 meses. O tempo de acompanhamento para os controlados foi considerado aquele até a obtenção do controle, embora o seguimento fosse estendido por períodos maiores.

Foram incluídos no estudo pacientes com diagnóstico de asma grave definida pelos critérios sugeridos pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(1,3) Foram considerados asmáticos graves os pacientes que apresentavam sintomas contínuos com prejuízo das atividades usuais, sono prejudicado pela asma mais de duas vezes por semana, pico de fluxo expiratório (PFE) <75% do melhor valor pessoal (PFE basal), uso diário de broncodilatador de resgate e casos com relato prévio de um ou mais episódios de asma quase fatal.

Utilizamos como critério de exclusão: tabagismo atual e prévio nos últimos 15 anos ou ≥15 anos-maço, presença de doença pulmonar concomitante (aspergilose broncopulmonar alérgica, bronquiectasias, cirurgia pulmonar prévia) e associação com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). O diagnóstico de DPOC foi feito por avaliação clínica e complementar.

Na avaliação inicial, coletamos informações sobre tempo de doença, evolução, sintomas atuais, doenças concomitantes e medicações utilizadas, fatores desencadeantes-poeira, mofo, animais, emoções, exposição a irritantes, ciclo menstrual, mudança de clima, aspirina-internações por asma e classificação de gravidade de asma.

Os fatores agravantes-rinossinusites, doença do refluxo gastresofágico (DRGE) e polipose nasal―foram avaliados através da presença de sintomas e sinais clínicos e confirmados por exames complementares, com eventual encaminhamento a especialistas. O tratamento dos fatores agravantes foi realizado da maneira usual.

A orientação quanto ao uso dos dispositivos de liberação da medicação inalatória e avaliação da adesão ao tratamento foi realizada por uma enfermeira treinada, previamente às consultas médicas. Foram considerados não aderentes os pacientes que deixaram de utilizar alguma das medicações prescritas a qualquer tempo do seguimento.

Na evolução, avaliamos a medicação atual e a dose utilizada, persistência de fatores agravantes, relatórios de outros especialistas consultados, exames complementares confirmatórios e determinação dos critérios de controle.
Consideramos ausência de controle um ou mais dos seguintes: persistência de sintomas diários, uso diário de ­broncodilatador, atividade e sono prejudicados >1 vez/semana, PFE < 70% do PFE basal e persistência de obstrução moderada a grave na espirometria.(3)

As doses de corticoterapia inalatória foram expressas em doses equivalentes de beclometasona (fluticasona = 2 × beclometasona; e budesonida = beclometasona).

Todos os pacientes foram submetidos, na avaliação inicial e durante o acompanhamento, à espirometria, realizada em espirômetro Koko (v4.2.24.4; Ferraris Respiratory, Louisville, CO, EUA). Os testes foram repetidos após a aplicação de salbutamol spray, 4 jatos (400 μg), através de dispositivo acoplado a espaçador de grande volume. Nas consultas de acompanhamento, o PFE foi avaliado através de aparelhos da marca Assess (HealthScan, Cedar Grove, NJ, EUA). As medidas foram consideradas tanto em valores absolutos quanto em percentual do previsto e do PFE basal.

Inicialmente, foram analisadas as características gerais do grupo total de pacientes, aderentes e não aderentes. Em uma segunda etapa, foram avaliados apenas os pacientes aderentes e, com base nos dados clínicos e de função pulmonar, os pacientes foram classificados em fenótipos por análise fatorial. Os dados referentes à idade, sexo, tempo de doença, função pulmonar, escore de sintomas à admissão, associação com rinossinusite, DRGE e tratamento foram comparados nos diversos fenótipos.

A resistência ao tratamento foi definida como o não preenchimento dos critérios de controle de asma descritos acima, nas diversas visitas de acompanhamento, apesar do uso correto e adesão ao corticosteróide inalado associado a broncodilatador de longa duração e/ou corticosteróide oral.(1,4) A obstrução persistente foi caracterizada por maior valor do PFE < 75% do valor previsto em avaliações seriadas, volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) pós-broncodilatador <80% do previsto ou relação VEF1/capacidade vital forçada (CVF) pós-broncodilatador < 70% do previsto.

A análise estatística foi realizada com o auxílio do software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Os dados demográficos são apresentados como média e desvio padrão ou mediana. Os fenótipos foram determinados por análise fatorial. Os grupos foram comparados pelo teste t de Student para variáveis contínuas, qui-quadrado (p < 0,05) para variáveis dicotômicas, e pelo teste de Mann-Withney para variáveis não paramétricas. Os fatores associados ao controle final foram determinados por regressão logística.

Resultados

Foram incluídos 111 pacientes, 88 aderentes e 23 não aderentes ao tratamento. Não houve diferença entre os dois grupos no que diz respeito ao sexo, idade, relação VEF1/CVF e tempo de doença. O sexo feminino prevaleceu em ambos os grupos (73% no grupo não aderente e 72% no grupo aderente). A média de idade foi semelhante (53 ± 11 anos no grupo não aderente e 56 ± 14 anos no grupo aderente) e não houve diferença estatística entre a média da relação VEF1/CVF nos dois grupos (47 ± 11 vs. 53 ± 14, p = 0,07). Quanto aos critérios de controle, observamos, conforme esperado, uma diferença significativa entre o grupo aderente e o não aderente.

Não houve diferença entre os grupos não aderente e aderente com relação à dose de corticóide inalado prescrito (mediana = 1.750, entre 800 a 3.000 µg vs. mediana = 1.800, variação de 800 a 3.000 µg, p = 0,67) e com relação à freqüência de prescrição do corticosteróide oral (10 de 23, 43%, vs. 26 de 88, 30%, p = 0,38). Não houve diferença significativa quanto à freqüência dos diversos fatores agravantes e desencadeantes entre os grupos.

Os demais resultados referem-se aos pacientes aderentes ao tratamento. Os dados gerais são mostrados na Tabela 1. O paciente típico era do sexo feminino, situava-se na 5ª década de vida, referia asma de início na vida adulta há quase 30 anos e apresentava obstrução moderada ao fluxo aéreo na avaliação inicial. Em torno de dois terços dos casos utilizavam corticóide inalado em dose ≥1.200 µg de beclometasona ou equivalente, quase 90% utilizavam broncodilatador de longa duração, e um terço corticóide oral. O tempo mediano de acompanhamento após a primeira consulta foi de 14 meses.



Quanto aos fatores agravantes, observamos rinite em 51%, sinusite em 22% e DRGE em 19% dos pacientes. Piora com exposição à poeira e irritantes bem como variações de temperatura foram observadas em 78, 92 e 88% dos casos, respectivamente. Quatorze pacientes (16%) descreveram piora no período menstrual e 15 pacientes (17%) relataram piora após a ingestão de aspirina.

Após o tratamento, 49 pacientes (56%) passaram a utilizar o broncodilatador de modo não diário, 53 pacientes (60%) alcançaram PFE ≥ 70% do PFE basal, 62 pacientes (70%) apresentaram atividades e sono normais, 24 pacientes (27%) deixaram de ir ao pronto-socorro e 26 (30%) não tinham sintomas noturnos.

Ao final do acompanhamento, permaneceram com obstrução fixa 24 pacientes (27%). Resistência ao tratamento foi observada em 28 dos casos (32%). Permaneceram com sintomas diários 39 pacientes (44%), e com uso de broncodilatador de resgate superior a quatro doses diárias 26 pacientes (30%). Os pacientes resistentes foram acompanhados por um tempo significativamente maior em comparação aos do grupo não resistente (mediana = 72 vs. 24 meses, p < 0,001)

Por análise fatorial (Tabela 2), encontramos quatro fenótipos distintos: o fenótipo 1 (n = 28) foi constituído pelos pacientes resistentes ao tratamento, com maior freqüência de sintomas noturnos, maior número de exacerbações e uso mais freqüente de broncodilatadorde resgate; o fenótipo 2 (n = 48) foi formado pelos pacientes com obstrução persistente, com menores valores de VEF1/CVF na avaliação inicial, idade mais avançada e maior tempo de doença; o fenótipo 3 (n = 42) representa os pacientes com rinossinusite alérgica, sendo constituído de não fumantes com obstrução predominantemente reversível (este grupo foi denominado de asma atópica); o fenótipo 4 (n = 15) foi formado pelos pacientes com intolerância à aspirina e episódios de asma quase fatal.



Os pacientes resistentes, comparados aos demais (Tabela 3), apresentavam características gerais, na avaliação inicial, semelhantes às dos não resistentes; porém, tinham maior freqüência de DRGE e menor taxa de resposta ao broncodilatador. Em relação ao escore de gravidade inicial, a freqüência de sintomas noturnos foi superior no grupo resistente, assim como o prejuízo nas atividades diárias. Não observamos diferenças em relação aos sintomas diários, freqüência de uso de broncodilatador diário ou freqüência de episódios quase fatais. No grupo de asma resistente, um maior número de pacientes utilizava corticoterapia oral, corticoterapia inalatória diária em dose ≥1.200 µg de beclometasona ou equivalente, e a associação de corticóide inalatório e corticóide oral.



O grupo com obstrução persistente (Tabela 4) tinha média de idade maior em comparação aos demais pacientes, e maior tempo de doença. Em relação aos fatores agravantes, o tabagismo pregresso foi relatado por 18% dos pacientes com obstrução persistente e por 5% dos pacientes com obstrução reversível (p = 0,052). A taxa de resposta ao broncodilatador foi semelhante entre os grupos e a presença de rinite alérgica foi menos freqüente no grupo com obstrução persistente. A classificação de gravidade inicial foi semelhante entre os grupos, assim como o tratamento prescrito. Embora houvesse obstrução persistente, não observamos diferenças entre os grupos quanto ao controle obtido na avaliação final após o tratamento.



O grupo com asma atópica tinha maior relação VEF1/CVF na avaliação inicial, maior associação com sinusite e maior freqüência de DRGE. Neste grupo, observamos intolerância à aspirina em 10 pacientes (23%) comparado a 2 dos pacientes (5%) do grupo não atópico (Tabela 5). Na evolução, os pacientes atópicos apresentaram melhor nível de controle com maior PFE em relação aos demais (73 ± 21 vs. 62 ± 20%, p = 0,017). Não foram observadas diferenças significativas quanto à classificação de gravidade inicial ou em relação ao tratamento realizado.




No grupo de 15 pacientes com intolerância à aspirina, episódios quase fatais ocorreram em 7 pacientes (47%), enquanto que nos restantes 63 casos este evento aconteceu em apenas 9 (14%; χ2 = 8,68, p = 0,003).

Os critérios de classificação de gravidade de asma na avaliação inicial foram submetidos à regressão logística para predizer o controle final. Apenas a freqüência de sintomas noturnos (p = 0,02) teve valor preditivo. A presença da DRGE esteve relacionada a pior controle final (p = 0,012). Dos 51 pacientes com sintomas noturnos na avaliação inicial, 23 (45%) não obtiveram controle ao final do tratamento, enquanto no grupo sem sintomas noturnos isso ocorreu em apenas 5 casos (13,5%, p = 0,002). Dos 17 pacientes com DRGE, 9 (53%) eram resistentes ao tratamento, comparados a 19 (27%) dos 71 pacientes sem DRGE (p = 0,037).

Discussão

Diferentes fenótipos podem explicar a variedade de apresentações clínicas da asma grave.(4) Fenótipos clínicos, inflamatórios e genéticos(5) têm sido descritos.

Encontramos quatro fenótipos distintos: asma resistente, asma com obstrução persistente, asma atópica e asma com intolerância à aspirina. Dentre estes, deve ser salientado o fenótipo de asma resistente ao tratamento ou, definitivamente, de difícil controle, que implica em não resposta ao uso de corticosteróides.

A redução da responsividade aos corticosteróides deve-se a diversos mecanismos.(6) Em nosso estudo, 32% dos pacientes tinham asma resistente ao tratamento. A resistência ao tratamento esteve relacionada à menor resposta ao broncodilatador, maior freqüência de exacerbações, maior freqüência de sintomas noturnos e maior prevalência de DRGE. Os pacientes resistentes usavam maiores doses de corticóides e por tempo mais prolongado. Novos tratamentos, como o uso de omalizumabe e termoplastia brônquica, devem ser melhor estudados neste grupo de pacientes.

Em nosso estudo, a presença de sintomas noturnos na avaliação inicial esteve relacionada à resistência ao tratamento e pior controle final, sendo um marcador de gravidade da asma. Encontramos, também, associação de DRGE com a presença de sintomas noturnos. Diversos mecanismos estão implicados na asma noturna.(7)

A inflamação e o remodelamento de vias aéreas resultam em alterações estruturais, as quais parecem explicar a redução permanente do calibre de vias aéreas.(8-10) Estas alterações se manifestam clinicamente como obstrução fixa de vias aéreas. No presente estudo, este fenótipo não esteve relacionado a maior dificuldade de controle.

Em relação à obstrução persistente de vias aéreas, observamos, tal como na literatura,(11) maior duração da doença e menor nível de atopia, sugeridos pela menor freqüência de rinite nestes pacientes.

A obstrução persistente de vias aéreas na asma é mais comum no sexo masculino, se associa com idade mais avançada, doença prolongada, asma de início na fase adulta, menores níveis de IgE, menor resposta a alérgenos ambientais, eosinofilia no sangue e presença de espessamento da parede brônquica na tomografia computadorizada de alta resolução, indicando um maior grau de inflamação e de alterações estruturais, além de um fenótipo não alérgico.(11,12) Os mecanismos que levam a esta obstrução diferem daqueles encontrados na DPOC.(13)

O fenótipo clínico de asma atópica é o mais comumente descrito na literatura, com maior ­freqüência na infância e menor associação com asma grave.(10) Pacientes com asma e rinite têm maior freqüência de atopia. Nosso estudo identificou um fenótipo clínico de pacientes com asma grave com rinite, caracteristicamente não fumantes, com maior resposta funcional ao broncodilatador, associação mais freqüente com intolerância a aspirina e com melhor função pulmonar e melhor nível de controle final.

A existência de um episódio quase fatal na história clínica é considerada como um dos critérios para a definição de asma de difícil controle. Em cerca de 2 a 23% dos adultos com asma, o uso da aspirina e antiinflamatórios não hormonais pode causar exacerbações. O mecanismo patogenético da asma induzida por aspirina não está completamente definido.(14) Identificamos um pequeno subgrupo de pacientes nos quais a intolerância à aspirina e asma quase fatal se associaram, correspondendo a um fenótipo previamente descrito de asma induzida por aspirina, com maior incidência de eventos graves. Alguns estudos sugerem como fator de gravidade, nestes casos, remodelamento tanto das vias aéreas superiores quanto das inferiores.(15,16)

No grupo estudado de pacientes com asma grave, a resistência ao tratamento
foi observada em 32% dos casos. Observamos que muitos pacientes obtêm controle após um longo tempo de seguimento, sugerindo que o tempo atualmente proposto(17) de seis meses, para determinação de refratariedade ao tratamento, deve ser reavaliado.

Atualmente, existe uma tendência a se definir asma de difícil controle como aquela resistente ao tratamento; porém, alguns fatores devem ser considerados, principalmente a não adesão e as co-morbidades ou fatores agravantes.

Casos sem adesão são comuns e não devem ser considerados casos de asma de difícil controle. As causas da não adesão são complexas.(18)

Diversas condições podem causar sintomas respiratórios e co-existir com a asma, levando à confusão diagnóstica com a resistência ao tratamento.(19) Na asma grave, diagnósticos alternativos ou fatores associados estão presentes em um terço dos casos.(20,21) Como todos os nossos pacientes foram submetidos à avaliação sistemática, os casos com diagnósticos alternativos foram excluídos.

A DRGE constitui uma co-morbidade comum entre asmáticos.(22) O efeito do tratamento da DRGE é controverso(23); entretanto, um estudo recente de asmáticos tratados com doses elevadas de lansoprazol demonstrou redução nas exacerbações e melhora na qualidade de vida, sem impacto sobre a função pulmonar.(24) Em nosso estudo, o refluxo foi mais comum entre os fenótipos de asma resistente e asma atópica. O tratamento do refluxo não esteve relacionado a um melhor controle final; porém, a presença de sintomas de DRGE na avaliação inicial se associou a um pior controle ao final do acompanhamento e à presença de sintomas noturnos.

A rinossinusite crônica freqüentemente coexiste com a asma grave e se relaciona com a inflamação brônquica,(25) podendo contribuir para o pobre controle da doença.(26) O tratamento da rinossinusite pode resultar em melhora clínica, funcional e redução da inflamação na asma.(27) Em nosso estudo, a presença de rinossinusite não esteve associada à resistência ao tratamento.

No presente estudo, foram excluídos todos os pacientes com diagnóstico de DPOC e tabagistas atuais. Alguns asmáticos podem desenvolver obstrução persistente,(11) com diversos fatores contribuindo para este achado, como doença de início na vida adulta, hiper-responsividade brônquica e eosinofilia persistente no escarro.(12,28)

Encontramos tabagismo prévio em 12% dos pacientes, sendo que todos haviam parado de fumar há mais de 10 anos, tendo fumado menos que 15 anos-maço. O consumo de cigarros entre asmáticos está relacionado à obstrução persistente, declínio acelerado da função pulmonar e menor resposta aos corticosteróides.(11,29,30)

A determinação dos fenótipos clínicos pode servir como ferramenta para um melhor entendimento e condução dos casos de asma grave. Sugerimos que o tempo de acompanhamento para a determinação da refratariedade da asma ao tratamento seja estendido para cerca de um ano, visando controlar os fatores desencadeantes e agravantes e a própria inflamação, antes de considerar a asma como resistente. Verificamos que a classificação inicial de gravidade de asma permanece falha, principalmente no que diz respeito à predição do controle final. A asma noturna e a DRGE estão correlacionadas a um pobre controle após o tratamento.

Um número significativo de portadores de asma grave não adere ao tratamento. Muitos pacientes com asma grave têm obstrução irreversível, mas o fenótipo clínico mais relevante é constituído pelos pacientes resistentes ao tratamento habitual, que inclui o uso de corticosteróides.

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Estudo realizado no ambulatório de asma grave, Hospital do Servidor Público Estadual, São Paulo - HSPE/SP - São Paulo (SP) Brasil.
1. Pneumologista. Serviço de Pneumologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo - HSPE/SP - São Paulo (SP) Brasil.
2. Coordenadora do ambulatório de asma grave. Serviço de Pneumologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo - HSPE/SP - São Paulo (SP) Brasil.
3. Diretor do Serviço de Pneumologia. Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo - HSPE/SP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Roseliane de Souza Araújo Alves. Av. Ezequiel Freire, 35, cj. 62, Santana, CEP 02034-000, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 6976-3008. E-mail: alfaalves@uol.com.br
Suporte financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 13/7/2007. Aprovado, após revisão, em 7/1/2008.

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