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Artigo Original

Avaliação do crescimento em cordas na identificação presuntiva do complexo Mycobacterium tuberculosis

Detection of cord factor for the presumptive identification of Mycobacterium tuberculosis complex

Andrea Gobetti Vieira Coelho, Liliana Aparecida Zamarioli, Clemira Martins Pereira Vidal Reis, Bruno Francisco de Lima Duca

ABSTRACT

Objective: Virulent strains of the Mycobacterium tuberculosis complex, under certain appropriate conditions, grow as characteristic ropes, bundles or serpentine cords known as cord factor or growth in cords. The objective of the present study was to evaluate cord factor detection as a method of achieving presumptive identification of the M. tuberculosis complex, comparing it to conventional typing tests. Methods: A total of 743 strains were analyzed from January of 2002 to December of 2005 in the Mycobacteria Sector of the Adolfo Lutz Institute, located in the city of Santos, Brazil. Samples were obtained from clinical specimens collected from patients with respiratory symptoms treated at basic health clinics in the greater metropolitan area of Santos. Ziehl-Neelsen-stained smears were prepared, 301 (40.5%) in MB/BacT broth and 442 (59.5%) on solid media, either Lowenstein-Jensen or Ogawa-Kudoh. Results: The sensitivity, specificity, positive predictive value and negative predictive value obtained during the performance comparison of the two methods (cord factor detection and conventional typing) using both isolation media were, respectively, 98.5, 88, 97 and 93%. The method was more sensitive on solid medium (100%), and the difference in sensitivity between the two media types was only 2.7%. Conclusions: Taking into consideration the results obtained, we conclude that, in laboratories with a high incidence of M. tuberculosis complex isolation and limited economic resources, cord factor detection is a fast and valid criterion for identifying these mycobacteria using liquid or solid medium. It also enables subsequent conclusive identification tests, as well as additional sensitivity tests when necessary.

Keywords: Laboratory techniques and procedures; Mycobacterium tuberculosis; Cord factors

RESUMO

Objetivo: O Mycobacterium tuberculosis, sob certas condições apropriadas, cresce em cordões de serpentinas, denominados de fator corda, ou crescimento em cordas. O objetivo deste estudo é avaliar a detecção do fator corda como método de identificação presuntiva do complexo M. tuberculosis, comparando-o aos testes de tipificação (TIP) convencionais. Método: Foram analisadas 743 cepas, de janeiro de 2002 a dezembro de 2005, na Área de Micobactérias do Instituto Adolfo Lutz - Santos, obtidas de isolados clínicos coletados de pacientes sintomáticos respiratórios ou com suspeita clínica de tuberculose pulmonar e/ou micobacterioses, atendidos nas Unidades Básicas de Saúde da Baixada Santista. Foram feitos esfregaços das cepas de micobactérias isoladas em meio líquido MB/BacT e meio sólido, Lowenstein-Jensen ou Ogawa-Kudoh, sendo 301 (40,5%) cepas em meio líquido e 442 (59,5%) em meio sólido. Resultados: Os resultados de sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivos e negativos, obtidos com a comparação do desempenho do método em ambos os meios de isolamento e TIP convencionais, foram respectivamente 98,5, 88, 97 e 93%. Observou-se maior sensibilidade do método em meio sólido (100%), com uma diferença de sensibilidade entre os meios analisados de apenas 2,7%. Conclusões: Conclui-se, pelos resultados obtidos, que o fator corda é um critério real e rápido na identificação do complexo M. tuberculosis; além disso, em laboratórios com alta prevalência do complexo M. tuberculosis e que não dispõem de técnicas que permitam a precocidade de sua identificação, o fator corda possibilita o direcionamento aos testes conclusivos de identificação e adicionais de sensibilidade que se façam necessários.

Palavras-chave: Técnicas e procedimentos de laboratório; Mycobacterium tuberculosis; Fatores Cord.

Introdução

A tuberculose (TB) é uma das enfermidades mais antigas, com ampla distribuição geográfica, constituindo um sério problema de saúde pública no mundo e no Brasil.(1) Ocorre em países desenvolvidos ou de economias emergentes, mas que expõem contrastes profundos de desenvolvimento, e está associada a altos indicadores de pobreza, destacando-se na agenda de prioridades nos países em desenvolvimento.(2)

Seu agente etiológico é o Mycobacterium tuberculosis, e a forma clínica mais comum é a pulmonar. A via de transmissão mais freqüente é o contato pessoa a pessoa, a partir de uma fonte de infecção com lesões pulmonares.(3)

Segundo estimativas realizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a TB é responsável por 2,7 milhões de mortes anuais, 95% das quais em países em desenvolvimento. Projeções feitas em 1995 indicam que, até o ano de 2005, ocorrerão 11,9 milhões de casos novos da doença anualmente. O Brasil ocupa o 16º lugar entre os países responsáveis por 80% do total de casos de TB no mundo,(4,5) apresenta o maior número de casos da América Latina,(6) e está entre os 22 países considerados prioritários pela OMS,(7) com uma taxa de incidência de 60 por 100.000 habitantes e 7,8 de mortalidade.(5)

O Estado de São Paulo notifica anualmente cerca de 21.000 casos, sendo, em números absolutos, o maior contingente de casos do Brasil. Em 2005, a incidência de TB no Estado de São Paulo foi de 43,9 casos por 100.000 habitantes; não foi a maior do Brasil, mas situa-se próxima à média nacional que, em 2004, foi de 44,1 por 100.000 habitantes. Dos 645 municípios que compõem o Estado de São Paulo, dez concentram 53% dos casos novos.(8)

A Região Metropolitana da Baixada Santista, localizada no litoral paulista do Estado de São Paulo, é a terceira região mais populosa do estado, com cerca de 1.500.000 de pessoas distribuídas em nove municípios, na qual situam-se 8 dos 73 municípios prioritários para o Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT). Em 2002, 2003 e 2004, a incidência de TB na Baixada Santista foi de 95,2, 99,2 e 94,9/100.000 habitantes, respectivamente.(8,9) Frente ao atual quadro epidemiológico desta enfermidade, o diagnóstico rápido das micobacterioses é um desafio constante do PNCT.

Em conseqüência do glicolipídeo dimicolato de trealose, presente na parede da célula bacteriana, e em condições apropriadas, nota-se, nas cepas virulentas do bacilo da TB, o crescimento do complexo

M. tuberculosis em cordas serpentiformes microscópicas, denominadas de fator corda, ou crescimento em cordas, nas quais os bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR) estão dispostos em cadeias paralelas.(10) Estudos têm avaliado a utilização do fator corda em meio líquido como um resultado presuntivo confiável para a identificação rápida e precoce do complexo M. tuberculosis, em laboratórios que utilizam a metodologia automatizada no isolamento das micobactérias.(11)

O método tem sido utilizado, ainda, como triagem, na identificação presuntiva do complexo M. tuberculosis, juntamente com a avaliação da morfologia colonial em meio sólido, possibilitando um direcionamento prático e de baixo custo aos testes adicionais de identificação ou sensibilidade que serão necessários.(11,12) Diante dessa realidade, e na qualidade de Laboratório Regional, realizamos este estudo com o objetivo de avaliar a presença do fator corda como identificação presuntiva do complexo

M. tuberculosis, utilizando cepas de micobactérias isoladas em meio líquido MB/BacT e sólido, Lowenstein-Jensen ou Ogawa-Kudoh. Pretende-se demonstrar que este método rápido, fácil, sensível e de baixo custo, pode ser realizado com segurança em nosso Laboratório e nos laboratórios locais da região que utilizam o isolamento de micobactérias em meio sólido.

Métodos

Este estudo foi realizado a partir da análise do acervo de 743 cepas de micobactérias (2002-2005) sendo 301 (40,5%) cepas em meio líquido e 442 (59,5%) em meio sólido, isoladas de espécimes clínicos coletados de pacientes sintomáticos respiratórios ou com suspeita clínica de TB pulmonar e/ ou micobacterioses, atendidos nas Unidades Básicas de Saúde da Baixada Santista, segundo técnicas recomendadas pelo Ministério da Saúde.(13)

Realizou-se um esfregaço direto de cada cepa, a partir do meio de isolamento, e o mesmo foi corado pelo método de Ziehl-Neelsen, segundo o Manual de Bacteriologia da Tuberculose(13):
 esfregaço de cepa em meio líquido: realizado diretamente em lâmina, a partir do sedimento obtido da centrifugação de 5 mL em meio líquido.
 esfregaço de cepa em meio sólido: realizado diretamente em lâmina com água destilada estéril, a partir de uma alçada da cepa isolada.

As lâminas foram analisadas, e a presença de BAAR e formação do fator corda foram anotadas.

A identificação da cepa como pertencente ao complexo M. tuberculosis foi confirmada pela análise dos registros dos resultados dos testes de tipificação convencionais já realizados anteriormente, nos quais a cepa foi submetida ao teste de Gen-Probe (sondas de DNA), análise morfológica de crescimento e demais métodos bioquímicos tradicionais.(14,15)

O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Instituto Adolfo Lutz.

Resultados

A prevalência de espécies de micobactérias pertencentes ao complexo M. tuberculosis no período em estudo (2002-2005) foi de 81%; assim, a identificação presuntiva dessa espécie é importante recurso diagnóstico.

A partir dos resultados obtidos das 743 cepas analisadas foi realizada a verificação da sensibilidade, especificidade, bem como o valor preditivo, positivo e negativo, da presença do fator corda na identificação presuntiva do complexo M. tuberculosis em meio líquido e sólido, frente aos testes de tipificação convencionais. Para tal, dividimos essa análise em três etapas: avaliação do fator corda em meio líquido, em meio sólido e, por último, o desempenho do método frente ao total de cepas analisadas (Tabela 1).





Em meio líquido, o fator corda na identificação presuntiva do complexo M. tuberculosis apresentou a sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivos e negativos de 97,3, 87,6, 96,5 e 90,4%, respectivamente; em meio sólido, demonstrou 100% de sensibilidade, e 89% de especificidade, com valores preditivos positivos e negativos de 98 e 100%, respectivamente.

Nas Figuras 1 e 2, podemos observar a imagem microscópica do M. tuberculosis e M. kansasii em ambos os meios de isolamento.





Na comparação do desempenho do método em ambos os meios de isolamento e na identificação final com testes de tipificação convencionais, os resultados de sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivos e negativos obtidos foram respectivamente 98,5, 88, 97 e 93%.

Das 743 cepas estudadas, 608 (81,8%) foram identificadas como pertencentes ao complexo M. tuberculosis pela presença do fator corda; destas, 591 (97,2%) foram confirmadas pelos testes de tipificação convencionais e 17 (2,8%) foram identificadas como micobactérias não tuberculosas (MNT). As espécies identificadas a partir dos métodos convencionais, isoladas em meio líquido e sólido, relacionadas quanto à presença ou ausência do fator corda, podem ser verificadas na Tabela 2.





Discussão

Os valores de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e negativo encontrado em nossa análise estão próximos aos já descritos em literatura.(16) Outros autores,(17) ao examinarem o fator corda como resultado presuntivo do complexo M. tuberculosis isolados em meio líquido, apontam 90% de sensibilidade, número esse próximo ao obtido em nosso estudo.

É possível a observação do fator corda em MNT, pois estas produzem 'pseudocordas', isto é, crescimento em cordas incompleto, onde a interpretação dependerá da experiência técnica (Figura 1). Do total de cepas analisadas, 17 MNT (12%) foram descritas como fator corda positivo, sendo 53% dessas identificadas como M. kansasii. Esses números são considerados elevados quando comparados aos de outros autores;(11,16) porém, ressaltamos que tais estudos não revelam o isolamento de M. kansasii, além de serem em menor proporção (16,9%) que os apresentados por conhecido autor.(12)

Ao analisar o desempenho do método em ambos os meios de isolamento, tivemos apenas 1,5% das cepas do complexo M. tuberculosis identificadas como fator corda negativo, sendo 100% em meio líquido. Tais diferenças mostram-se insignificantes e são menores que as apresentadas por outros autores, de aproximadamente 10%.(12,17)

A sensibilidade do método mostrou-se maior em meio sólido. Encontramos apenas 2,7% de diferença de sensibilidade ao analisar o método em ambos os meios de isolamento, número bastante relevante, uma vez que a maioria dos Laboratórios de Saúde Pública do Brasil utilizam o meio sólido no isolamento de micobactérias, confirmando a viabilidade deste método.

Efetuando-se cálculos estatísticos para determinação dos valores de concordância entre os métodos, observou-se: 96% de concordância bruta, 69% de concordância esperada e 87% de concordância ajustada (kappa).

Com base nos resultados dos valores preditivos positivos e negativos deste estudo, podemos concluir que o crescimento em cordas é um critério real e rápido na identificação do complexo M. tuberculosis isolado em meio líquido e sólido, possibilitando um direcionamento aos testes conclusivos de identificação e adicionais de sensibilidade que se fizerem necessários, em laboratórios com alta prevalência do M. tuberculosis e que não dispõem de técnicas que permitam a precocidade de sua identificação.

Referências

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* Trabalho realizado no Instituto Adolfo Lutz, Laboratório Regional Santos, Santos (SP) Brasil.
1. Assistente Técnico à Pesquisa Científica e Tecnológica. Instituto Adolfo Lutz, Laboratório Regional Santos, Santos (SP) Brasil.
2. Pesquisador Científico. Instituto Adolfo Lutz, Laboratório Regional Santos, Santos (SP) Brasil.
3. Técnico de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica. Laboratório Instituto Adolfo Lutz, Laboratório Regional Santos, Santos (SP) Brasil.
4. Farmacêutico. Instituto Adolfo Lutz, Laboratório Regional Santos, Santos (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Andréa Gobetti Vieira Coelho. Rua Oswaldo Cruz, 67/94, Boqueirão, CEP 11045-101, Santos, SP, Brasil.
Tel 55 13 3232-5112. Fax 55 13 3322-3151. E-mail: dea_gobetti@hotmail.com
Recebido para publicação em 25/1/2007. Aprovado, após revisão, em 16/4/2007.

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