ABSTRACT
Objective: To describe the clinical and therapeutic aspects of pulmonary tuberculosis and compare the adverse effects of the treatment and its outcome in elderly and nonelderly patients. Methods: This was a case-control study of 117 elderly individuals (over the age of 60 years) and 464 nonelderly individuals (aged 15-49 years). All subjects presented pulmonary tuberculosis that had been diagnosed and treated at the Thoracic Diseases Institute of the Federal University of Rio de Janeiro between 1980 and 1996. Results: In the elderly group, pulmonary tuberculosis was found to be correlated with diabetes (OR = 3.98; 95% CI = 2.07-7.65; p = 0.001), lung disease (OR = 7.24; 95% CI = 3.64‑14.46; p = 0.001) and heart disease (OR = 5.86; 95% CI = 2.88-11.95; p = 0.001). Smoking (OR = 2.07; 95% CI = 1.26‑3.42; p = 0.002) and alcohol abuse (OR = 1.63; 95% CI = 1.01-2.68; p = 0.041) were also more common in the elderly group. In the elderly group, the treatment more frequently resulted in adverse reactions (OR = 1.62; 95% CI = 1.04-2.54; p = 0.024), especially gastrointestinal reactions (OR = 1.64; 95% CI = 1.01-2.77; p = 0.047), and treatment efficacy was lower: cure rate, 51%; mortality rate, 24%. Treatment
adherence was low (approximately 77%) in both groups. Conclusions: In the elderly group, adverse reactions were more common, treatment
outcomes were less favorable, there was a greater frequency of clinical complications and deaths related to drug toxicity, and the prevalence
of concomitant diseases was higher.
Keywords:
Tuberculosis, pulmonary; Aged; Drug therapy; Treatment outcome.
RESUMO
Objetivos: Descrever os aspectos clínicos e terapêuticos da tuberculose pulmonar e comparar os efeitos adversos e resultados do tratamento entre idosos e não idosos. Métodos: Foi realizado um estudo caso-controle com 117 indivíduos idosos (acima de 60 anos) e 464 não idosos
(15-49 anos) portadores de tuberculose pulmonar atendidos no Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do Rio de Janeiro no período de 1980 a 1996. Resultados: No grupo de idosos, houve associação entre diabetes mellitus (OR = 3,98; IC95% = 2,07-7,65; p = 0,001), doenças pulmonares (OR = 7,24; IC95% = 3,64-14,46; p = 0,001) e cardiovasculares (OR = 5,86; IC95% = 2.88-11.95; p = 0,001). O tabagismo (OR = 2,07; IC95% = 1,26-3,42; p = 0,002) e o etilismo (OR = 1,63; IC95% = 1,01-2,68; p = 0,041) também foram mais freqüentes neste grupo. O tratamento levou a freqüentes reações adversas nos idosos (OR = 1,62; IC95% = 1,04-2,54; p = 0,024), principalmente de origem gastrintestinal (OR = 1,64; IC95% = 1,01-2,77; p = 0,047), e sua eficácia foi menor neste grupo: apenas 51% de cura e 24% de óbitos. O abandono do tratamento foi elevado nos dois grupos, em torno de 23%. Conclusões: As reações adversas e o resultado do tratamento foram piores nos idosos, com maior freqüência de complicações e letalidade, devido a uma maior toxicidade farmacológica e a uma maior prevalência de doenças associadas neste grupo etário.
Palavras-chave:
Tuberculose pulmonar; Idoso; Quimioterapia; Resultado de tratamento.
Introdução A distribuição geográfica da tuberculose pulmonar (TP) guarda estreita relação com os baixos índices sócio-econômicos das nações, porém, permanece como um sério problema de saúde pública de interesse global. Somente na América Latina, são notificados cerca de 250.000 casos anualmente, com incidência de 68/100.000 habitantes, havendo 20.000 mortes.(1) Em 1950, os idosos somavam 240 milhões de pessoas. Em 2050, espera-se uma população mundial de idosos de 1 bilhão e 900 milhões de indivíduos,(2) aumentando consideravelmente seu risco de exposição e desenvolvimento de doenças infecciosas como a TP.
A população brasileira também envelheceu. No censo 2000, a população com 60 anos ou mais era de 14.536.029 pessoas, representando 8,6% da população. A média de idade dos idosos no Brasil é de 69 anos, sendo a expectativa de vida das mulheres 8 anos a mais que a dos homens. Entre as capitais, Rio de Janeiro e Porto Alegre se destacam com as maiores proporções de idosos, com 12,8 e 11,8% da população desses municípios, respectivamente.(2) O interesse pela TP no idoso já é uma realidade na Europa e nos Estados Unidos e está crescendo no Brasil. Assim, nos últimos anos, vários estudos acerca da apresentação clínica, métodos diagnósticos, quimioprofilaxia e quimioterapia antituberculosa na velhice foram organizados para auxiliar na compreensão desse fenômeno.(3-9)
Finalmente, apesar de não diferir do tratamento instituído para adultos jovens, alguns cuidados devem ser levados em consideração durante a quimioterapia: dosagem proporcional ao peso, acompanhamento das funções hepática e renal, interações medicamentosas e supervisão direta ou indireta das tomadas.(4,9)
Este trabalho teve o objetivo de conhecer os principais aspectos terapêuticos da TP em idosos e descrever a freqüência do consumo tabágico e etílico, a ocorrência de doenças associadas e a gravidade dos efeitos adversos do esquema de dois meses de rifampicina + isoniazida + pirazinamida seguidos por quatro meses de rifampicina + isoniazida (esquema I), além do acompanhamento clínico da doença e o resultado do tratamento em pacientes idosos e não idosos, acompanhados em uma instituição universitária de referência na cidade do Rio de Janeiro.
Métodos Este estudo adotou o modelo caso-controle retrospectivo e foi realizado a partir dos prontuários registrados no arquivo nosológico do Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IDT-UFRJ), no período de janeiro de 1980 a dezembro de 1996. Deste universo, foram eleitos 117 casos (idosos com idade mínima de 60 anos) e 464 controles (não idosos com idades entre 15 e 49 anos) totalizando 581 pacientes, o que significa uma relação de 1:4. Cada controle foi selecionado, consecutivamente, no período de 30 dias antes ou após o surgimento de cada caso, sem outro tipo de pareamento.
Foram incluídos neste estudo, pacientes com TP que atenderam aos seguintes requisitos: indivíduos com diagnóstico de certeza ou probabilidade de TP, segundo as normas do Ministério da Saúde(10,11) (foram considerados também os achados histopatológicos compatíveis com TP como processo crônico granulomatoso com necrose de caseificação e infiltrado histiocitário de células multinucleadas); acompanhamento ambulatorial exclusivo no IDT-UFRJ; pacientes com idades entre 15 e 49 anos (não idosos) e com 60 anos ou mais (idosos); utilização do esquema I. (10,11)
Foram definidos os seguintes critérios de exclusão de pacientes para assegurar a homogeneidade da amostra estudada: mudança de diagnóstico; suspeita inicial de micobacteriose não tuberculosa ou de multirresistência farmacológica do Mycobacterium tuberculosis; co-infecção pelo vírus HIV; pacientes de faixa etária entre 50 e 59 anos. Optou-se pela exclusão desta faixa etária porque nas faixas até 49 anos está a maior incidência da doença na população brasileira,(12) além de esta supressão definir claramente um intervalo de 10 anos entre idosos e não idosos.
Todas as informações foram colhidas através de consultas aos prontuários médicos. Foram descritas características biológicas e sociais como gênero (masculino e feminino); faixa etária; cor (branca, parda e preta); naturalidade (região) e residência (capital, região metropolitana, interior e outros estados). Foram testadas estatisticamente as seguintes variáveis: doenças associadas como diabetes mellitus, doenças pulmonares (asma brônquica, doença pulmonar obstrutiva crônica, sarcoidose, silicose, tumor carcinóide, carcinoma brônquico, embolia pulmonar), doenças cardiovasculares (hipertensão arterial sistêmica, acidente vascular cerebral, doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca), doenças neurológicas (epilepsia, síndromes parkinsonianas, paralisia cerebral, demência senil, retardo mental); uso de medicamentos que interagem com a quimioterapia (hipoglicemiantes, corticosteróides, anticonvulsivantes, anovulatórios); tabagismo; etilismo; efeitos adversos como gastrintestinais (hiporexia, náuseas, vômitos, epigastralgia, diarréia, dor abdominal), neurológicos (parestesias, hiperestesias, convulsão, escotomas cintilantes), imunológicos (prurido, exantema, urticária, hepatite medicamentosa, discrasia sangüínea, anasarca) e metabólicos (hiperglicemia, insuficiência adrenal); acompanhamento clínico como intercorrências terapêuticas (suspensão temporária da quimioterapia, troca do esquema terapêutico), faltas às consultas e resultado do tratamento (cura, abandono, falência e óbito).
Utilizou-se o odds ratio (OR), ou razão de chance, como medida de associação das diversas exposições entre o grupo de pacientes idosos e o de não idosos. Utilizou-se também o nível de significância de 5% (p < 0,05) com o intervalo de confiança de 95% (IC95%).
Os testes do qui-quadrado ou teste de Fisher foram utilizados para a comparação de proporções de variáveis categóricas. A análise estatística foi processada no software SAS (Statistical Analysis System, Cary, NC, EUA).
O estudo foi aprovado por Comitê de Ética do IDT-UFRJ, de acordo com as disposições da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados As características sócio-epidemiológicas dos idosos e não idosos estão descritas na Tabela 1. Do total de 581 pacientes com TP, 391 (67,3%) eram masculinos e 190 (32,7%) femininos.
A média de idade da população total foi 38,5 anos, variando de 15 a 87 anos. O grupo de idosos foi constituído de pacientes com idade entre 60 e 87 anos, com média de 66,6 ± 16,5 anos. O grupo de não idosos teve idade média de 31,4 ± 9 anos, variando entre 15 e 49 anos. Entre os idosos, a faixa etária com maior número de representantes foi a de 60 a 69 anos com 81 (69,2%) indivíduos. Nos não idosos, a faixa de 20 a 29 anos foi a mais freqüente com 177 (38,2%) pessoas.
Não houve grandes diferenças entre os grupos étnicos da população estudada, com maioria de brancos e pardos.
Em ambos os grupos, houve predomínio de naturalidade nos estados da região Sudeste, seguidos pela região Nordeste. Da mesma forma, a grande maioria dos idosos e não idosos procedeu da capital e da região metropolitana (98,2 e 97,2%, respectivamente).
A associação com outras doenças foi pesquisada em 573 pacientes, sendo positiva em 154 (26,9%) deles. Dos indivíduos, 44 referiram outras doenças respiratórias (7,7%). No grupo idoso, a presença de doenças associadas ocorreu em 68 (59,6%) pessoas. No grupo não idoso, este percentual foi bem menor, em torno de 19%. A Tabela 2 mostra uma associação estatística desta variável com os idosos (OR = 6,41; IC95% = 4,03-10,22; p = 0,001) subdividida em diabetes mellitus, doenças pulmonares, cardiovasculares e neurológicas. Exceto nas doenças neurológicas, as demais guardaram relação com os idosos.
Na Tabela 3, observa-se que o uso de medicamentos também foi relativamente comum entre os 557 pacientes que forneceram informação. Entre os idosos, no entanto, 28 (26,2%) pacientes relataram uso regular de alguma medicação, um percentual bem maior que os 9,3% dos não idosos, podendo-se ver que esta associação é significativa (OR = 3,44; IC95% = 1,95-6,08; p = 0,001).
A Tabela 3 mostra também o consumo tabágico e etílico. Dos pacientes, 319 eram tabagistas, sendo 78 (73,6%) idosos e 241 (57,4%) não idosos (OR = 2,07; IC95% = 1,26-3,42; p = 0,002). A carga tabágica, expressa pela mediana, mostrou grande diferença nos grupos etários. Nos idosos, seu valor alcançou 50 anos/maço, enquanto nos demais, 15 anos/maço (p = 0,0001). Com relação ao consumo etílico, este foi registrado em 311 pacientes distribuídos nos dois grupos: 72 (70,6%) idosos e 239 (59,6%) não idosos faziam algum uso de bebida alcoólica (Tabela 3). Sua quantificação, no entanto, não pôde ser aferida por critérios objetivos e, por isso, não foi considerada.
Os efeitos adversos à quimioterapia foram comuns em idosos e não idosos (45,9 e 34,3%, respectivamente), porém significativamente mais freqüentes nos idosos (OR = 1,62; IC95% = 1,04-2,54; p = 0,024), de acordo com a Tabela 4. Discriminando tais efeitos - gastrintestinal; neurológico; imunológico; e metabólico - observou-se que foram sempre mais relacionados a este grupo, alcançando importância estatística apenas o de origem gastrintestinal com 25% de relatos (OR = 1,64; IC95% = 1,01-2,77; p = 0,047). Apesar disso, o tratamento medicamentoso foi de boa aceitação para a maioria dos pacientes. Da população geral, 8,8% dos pacientes relataram intercorrências como a necessidade de modificação terapêutica. Estas, quando ocorreram, foram mais comuns nos mais velhos, principalmente a troca de quimioterapia, que ocorreu em 13 (11,1%) idosos e em 16 (3,5%) não idosos, respectivamente. Outra intercorrência importante foi a suspensão temporária do esquema tríplice, em 10 (8,6%) idosos e 12 (2,6%) não idosos. A aferição da presença ou não de ambas as dificuldades terapêuticas é mostrada na Tabela 5. Nesta, pode-se ver a relação positiva dessa variável com o grupo idoso (OR = 3,81; IC95% = 2,02-7,19; p = 0,001). Vê-se, também, que as faltas às consultas não diferiram muito entre os grupos, variando de 23 a 27%, aproximadamente.
Quanto ao desfecho do tratamento, o desempenho dos grupos foi diferente: nos não idosos, a taxa de cura foi de 70%; o abandono de tratamento cerca de 24%; falência 2,8% e óbito 3%. Os idosos, no entanto, tiveram menor taxa de cura (51%) e taxa similar de abandono (23%). A taxa de óbito, entretanto aproximou-se de 25%, muito além daquela descrita nos não idosos (3%). Ao se estudar, portanto, o desfecho em cura e não cura (Tabela 5), foi possível notar melhor rendimento dos não idosos (70%) que dos idosos (51%) (OR = 0,45; IC95% = 0,29-0,69; p = 0,001).
Discussão Neste estudo, a distribuição por gênero foi diferente nos grupos de idosos e não idosos. Pôde-se observar que a proporção de homens (64,4%) e mulheres (35,6%) entre os não idosos seguiu o padrão da população com TP atendida nos Centros Municipais de Saúde, estimado pela Secretaria Municipal da Saúde.(13) Quando se examinou o grupo idoso, notou-se um predomínio do sexo masculino, em torno de 80%, reflexo de um aparente paradoxo epidemiológico, uma vez que, na população geral, a expectativa de vida da mulher é cerca de 8 anos maior que a dos homens. Portanto, a observação do predomínio masculino nos idosos neste estudo sugere duas hipóteses: a maior predisposição à TP do homem por mecanismos biológicos (não comprovada) e/ou a maior exposição ao M. tuberculosis por esta coorte no período em que ainda eram jovens e a circulação dos homens os expunha ao agente etiológico com mais freqüência.(14) Há também evidências do predomínio do sexo masculino em outros países, inclusive associado a maior risco de doença.(15)
Apesar da difícil definição racial da população brasileira, em função de sua grande miscigenação, optou-se pela simplificação com três tipos raciais: branco, pardo e negro. Tal classificação definiu os grupos com maioria de brancos e minoria de negros, porém, o grupo não idoso com uma maior proporção de negros (20%). Embora se reconheça a não representatividade de nossa casuística com a população geral, não há por que acreditar que os dois grupos estudados tenham tido um fator de encaminhamento ao IDT-UFRJ que os diferenciasse pelo grupo racial. Desse modo, apesar de não ter havido significância estatística, é plausível considerar que a diferença racial observada revele uma maior proporção de brancos na população idosa, refletindo um histórico sócio-econômico da população brasileira.
A descrição da naturalidade dos pacientes idosos e não idosos é semelhante e reflete a forte presença nordestina no Rio de Janeiro. Sua procedência em grande número da área metropolitana sugere dificuldades de acesso a serviço de saúde próximo ao local de residência dos pacientes. No entanto, convém lembrar que o IDT-UFRJ, por se tratar de uma unidade de referência, sempre teve no seu contingente de pacientes, casos complexos que as unidades primárias não conseguiram solucionar. Dessa forma, é esperado que atenda pacientes de outros municípios e, até mesmo de outros estados.
Uma das explicações da susceptibilidade dos idosos à tuberculose é a presença de doenças associadas, como diabetes mellitus e o uso de medicamentos com ação imunossupressora, como os corticosteróides e citostáticos, em um paciente que já possui imunossenescência relacionada à idade.(6,15) Dentro deste contexto, verifica-se uma elevada proporção de doenças associadas ao grupo idoso, principalmente diabetes, doenças pulmonares e cardiovasculares, indo ao encontro dos achados de outros autores.(16-20) No caso das doenças pulmonares, presentes em 38% dos pacientes idosos com doenças associadas, estas podem servir de confundidoras do diagnóstico de TP, por terem sintomatologia semelhante. O diabetes mellitus também tem forte relação com a idade avançada, estando de acordo com achados de outros autores(19,20) que incluem esta doença como uma das que aumenta a susceptibilidade à TP causando, inclusive, alterações no aspecto radiológico usual da doença, como o acometimento dos lobos inferiores.(5,20,21) As doenças cardiovasculares neste estudo também tiveram forte associação aos idosos, não havendo porém, relação causal conhecida com a TP. É possível tratar-se de um achado confundidor, uma vez que tais doenças estão presentes muito freqüentemente em qualquer população idosa e não apenas naqueles com TP. Com relação às doenças neurológicas, não foi possível estabelecer associação, não apenas por não se conhecer uma relação com a TP, como também pelo pequeno número de neuropatas na amostra estudada.
O uso de medicamentos de interesse farmacológico em relação à quimioterapia tríplice de TP também foi naturalmente mais freqüente no idoso (26%), mas não acompanhou a mesma proporção encontrada nas doenças associadas. Sua interpretação, contudo, não deve ser sempre de associação causal, pois neste grupo estão incluídas drogas que não tem efeito imunossupressor, mas sim competem com o sítio metabólico hepático dos quimioterápicos tuberculostáticos, gerando efeitos adversos.(22)
O consumo de tabaco foi elevado nos dois grupos. Mesmo assim, foi ainda mais alto entre os idosos, com 73%. É interessante, contudo, a dissociação deste elevado percentual com um número muito menor de doentes pulmonares (22%), já comentado anteriormente. Naturalmente, a carga tabágica também foi maior neste grupo, uma vez que este valor pode estar relacionado ao maior tempo de tabagismo quando comparado aos não idosos. De qualquer modo, sua contribuição na gênese de TP não foi comprovada. Seu valor em 50 anos/maço contribui para uma análise crítica do número de doentes pulmonares descrito na amostra.
Por outro lado, já bastante estabelecido como agente promovedor, a desnutrição protéico-calórica que acompanha o consumo etílico, tem papel na susceptibilidade imunológica à TP por mecanismos que envolvem uma interferência direta sobre a imunidade celular.(6,15) Na amostra estudada, o consumo etílico foi considerado elevado nos dois grupos. Sua classificação quantitativa, no entanto, ficou sujeita apenas a critérios subjetivos do médico atendente e não pôde ser valorizada.
O tratamento com esquema I também foi avaliado. Devido à toxicidade da quimioterapia, os idosos foram naturalmente mais vulneráveis aos efeitos adversos e, portanto, sujeitos a dificuldades como a suspensão temporária ou troca do esquema. Da mesma forma, os efeitos adversos também foram mais encontrados nos idosos em quase metade da amostra. Quando discriminados, observou-se que os efeitos gastrintestinais foram relacionados ao paciente idoso. Este achado revelou que a toxicidade do tratamento associada ao uso de outras medicações contínuas e a presença de outras doenças, elevam a freqüência de paraefeitos nesta faixa etária.(19,22) Estudos mostraram a necessidade de acompanhamento clínico e laboratorial da função hepática em idosos com história de etilismo e/ou hepatopatia prévia.(22)
Outras dificuldades do atendimento ambulatorial foram inferidas pela irregularidade do acompanhamento e falta às consultas. Nesta variável, ambos os grupos tiveram desempenho semelhante, havendo grande percentual de faltosos. Este número explica o elevado abandono de tratamento, estimado em 23%. Apesar de elevado, chama a atenção o fato de não ser maior entre os mais velhos como se poderia supor, uma vez que a dificuldade de acesso poderia causar uma maior tendência à interrupção do acompanhamento ambulatorial. A comparação de idosos e não idosos revelou ainda uma proporção de óbitos bem maior no primeiro grupo e de cura bem maior no segundo. Inquéritos epidemiológicos estrangeiros também revelaram uma letalidade crescente dos idosos com TP nos últimos anos, principalmente quando associada a doença extensa.(23) No Brasil, estudo de mortalidade no idoso com TP, mostrou o aumento da contribuição desta faixa etária no índice geral de mortalidade dos últimos 50 anos.(18) Isto significa que o atraso no diagnóstico em um paciente previamente debilitado pelo envelhecimento orgânico e pela presença de outras doenças, resultou em baixa eficácia do tratamento. Aqui, novamente, deve-se atentar para as características da população estudada, referida a um centro de referência por apresentar um grau maior de dificuldade diagnóstica e/ou terapêutica. Assim, pode-se acreditar que este rendimento ruim dos idosos estudados não represente a população geral desta faixa etária.
Foram identificados aspectos biológicos e sociais relacionados à TP nos idosos: o tabagismo e o etilismo mantêm relação positiva com a população idosa.
Podemos concluir que, diante dos achados clínicos, o esquema I apresenta maior toxicidade nos idosos, principalmente de origem gastrintestinal, e menor eficácia. Esta menor eficácia, relacionada à elevada letalidade da doença, deve-se também às comorbidades, com destaque para o diabetes mellitus e as doenças pulmonares e cardiovasculares, naturalmente mais avançadas nesta faixa de idade. Igualmente, estas comorbidades obrigam ao uso mais freqüente de outros medicamentos que aumentam a probabilidade de interação com a quimioterapia e de gerar reações adversas.
O elevado número de faltas às consultas e a alta taxa de abandono de tratamento, tanto nos idosos como nos não idosos, sugere a existência de fatores semelhantes relacionados ao sistema público de saúde, que não foram abordados neste estudo e merecem ser apreciados em outros trabalhos.
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* Trabalho realizado no Instituto de Doenças do Tórax - IDT - da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
1. Médico do Instituto de Doenças do Tórax - IDT - da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
2. Professor Adjunto de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
3. Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: João Paulo Cantalice Filho. Rua Pereira Nunes, 153/602, Tijuca, CEP 20511-120, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Tel 55 21 2562-2010. Fax 55 21 2298-3147. E-mail: jpcantalice@hucff.ufrj.br
Recebido para publicação em 30/6/2006. Aprovado, após revisão, em 3/4/2007.