A traqueostomia é um dos procedimentos cirúrgicos mais antigos, com relatos em livros de medicina Hindu, nos anos 1500 BC. A epidemia de difteria na Europa, em 1850, tornou o procedimento popular na prática médica, realizado, então, para aliviar a obstrução das vias aéreas superiores.(1) Coube a Chevalier Jackson a padronização do procedimento, em 1909, e sua técnica cirúrgica persiste, com mínima modificação, até os dias de hoje. Com o controle da difteria, através de antibióticos e antitoxina, o procedimento entrou em desuso. Na década de 50, com a epidemia de poliomielite e o uso da ventilação com pressão positiva intermitente, aumentou o interesse pelo procedimento. No início dos anos 60, com o surgimento da vacina Sabin, o procedimento caiu em desuso. Em meados da década de 60, com o advento de ventiladores com pressão positiva e o surgimento da unidade de terapia intensiva (UTI), a traqueostomia finalmente conquista um espaço no suporte ventilatório de pacientes críticos. Nos pacientes com suporte ventilatório prolongado, há grandes benefícios com a realização da traqueostomia, tais como: menor taxa de auto-extubação, melhor conforto para o paciente, possibilidade de comunicação do paciente, possibilidade da ingesta oral, melhor higiene oral e manuseio mais fácil pela enfermagem.(1-6) Desta maneira, nos casos em que a extubação é improvável dentro de 10 a 14 dias, a traqueostomia deve ser considerada; e, nos pacientes nos quais, antecipadamente, já se prevê um tempo de ventilação superior a 14 dias, a traqueostomia deve ser considerada o mais breve possível. A traqueostomia permite a transferência dos pacientes da UTI para unidades de menor complexidade, sendo possível até a alta hospitalar com suporte ventilatório domiciliar.(1,2)
Tradicionalmente, a traqueostomia cirúrgica aberta tem sido feita por muitos cirurgiões em sala operatória e, em muitas instituições, estes permanecem o método e local de escolha. Nos últimos anos, contudo, vários métodos de traqueostomia percutânea à beira do leito vêm sendo introduzidos. A mais popular técnica atual é a traqueostomia percutânea de dilatação. Esta técnica foi inicialmente descrita por Ciaglia em 1985,(1) que utilizou a técnica de Seldinger e vários dilatadores progressivos. Desde a descrição de Ciaglia, muitas publicações na literatura médica estudam esta nova técnica, avaliando benefícios, riscos, além de variações da técnica original de Ciaglia. Dentre as variações mais importantes: 1) A punção traqueal passa a ser abaixo da cricóide, geralmente entre o primeiro e segundo anel traqueal, o que diminui a incidência de estenose traqueal; 2) Utilização de dilatador único, que substitui os múltiplos; e 3) Utilização da monitorização com a broncofibroscopia.
O auxílio da broncofibroscopia é interessante, mas não obrigatório.(3) O dilatador único tem a vantagem de diminuir o tempo do exame, em média 6 min, e ainda minimizar a perda do volume corrente perdido na troca dos dilatadores progressivos. Inicialmente, o custo reduzido da traqueostomia percutânea foi uma razão importante que a levou a ganhar popularidade nos Estados Unidos e outros países. A tendência em relação à cirurgia invasiva mínima e o desenvolvimento de serviços de intervenção em especialidades não cirúrgicas aumentaram o interesse, já de si considerável, na traqueostomia percutânea. Quando foi introduzida, os seus proponentes apontaram para a facilidade de realização, um perfil seguro comparável ao da traqueostomia de cirurgia aberta, que reduzia significativamente os encargos hospitalares e dava um uso mais eficiente aos recursos financeiros na unidade de cuidados intensivos. O custo era reduzido porque não havia os custos da sala de operações ou o pagamento do anestesista. A traqueostomia percutânea como procedimento em doentes em estado crítico abriu as portas para a traqueostomia de cirurgia aberta junto à cama do doente. Esta se desenvolveu nas últimas décadas, com relatos de segurança comparáveis aos da percutânea.(2) Independente da técnica a ser utilizada, o melhor local de realização da traqueostomia ainda é motivo de discussão. Em um estudo francês publicado em 2005,(5) foram analisados pacientes submetidos à ventilação mecânica em 152 UTIs, e observou-se uma preferência pela realização do procedimento no centro cirúrgico em 35,5% dos casos, enquanto que a realização da traqueostomia na UTI foi relatada em 24%. Neste trabalho, foi facultada a opinião 'às vezes' e 'raramente'. É importante mencionar que a traqueostomia cirúrgica foi escolhida por médicos franceses em 73%, trazendo a possibilidade de preferência do cirurgião em realizar a traqueostomia no centro cirúrgico. Este fato é confirmado em pesquisa sobre a traqueostomia na Holanda. Neste país, nas UTIs que preferiam a técnica percutânea, 94% destes procedimentos eram realizados na própria unidade. Nas UTIs que preferiam a técnica cirúrgica, 76% dos procedimentos eram realizados no centro cirúrgico.(1)
Deve-se também levar em consideração que o transporte de pacientes em ventilação mecânica para o centro cirúrgico não é isento de risco. Transportando-os desnecessariamente, estaremos aumentando o risco de desenvolverem pneumonia associada à ventilação mecânica, instabilidade hemodinâmica, hipoxia, arritmias, extubação não programada, perda acidental de acesso venoso e funcionamento inadequado de algum equipamento, como ventilador de transporte ou bombas de infusão.(4)
O trabalho publicado nesta edição do Jornal Brasileiro de Pneumologia por Perfeito et al. avalia a factibilidade, complicações e mortalidade da traqueostomia realizada à beira do leito na UTI. Trata-se de um trabalho retrospectivo, com revisão de 73 pacientes submetidos ao procedimento, em 2003. Em todos os casos, a técnica foi cirúrgica. A incidência de sangramento e as complicações locais foram pequenas. Não houve óbitos ligados ao procedimento. Trata-se de um trabalho prático e interessante, que relata a experiência deste grupo com este procedimento na UTI. Assim como outros trabalhos publicados,(3,6) os autores mostram a segurança da traqueostomia cirúrgica em pacientes críticos à beira do leito, com baixa taxa de complicações, além de se evitar o transporte desnecessário destes. Sabe-se que, no mundo, a traqueostomia na UTI está longe de ser uma técnica padronizada quanto ao tempo de entubação, técnica utilizada e localização do procedimento.(1,5) Conhecer a nossa realidade é um passo para que haja menos complicação e mais sucesso com o procedimento.
Referências
1. Fikkers BG, Fransen GA, van der Hoeven JG, Briede IS, van den Hoogen FJ. Tracheostomy for long-term ventilated patients: a postal survey of ICU practice in The Netherlands. Intensive Care Med. 2003;29(8):1390-3.
2. Ciaglia P, Firsching R, Syniec C. Elective percutaneous dilatational tracheostomy. A new simple bedside procedure; preliminary report. Chest. 1985;87(6):715-9.
3. Park M, Brauer L, Sanga RR, Amaral AC, Ladeira JP, Azevedo L, et al. Traqueostomia percutânea no doente crítico: a experiência de uma unidade de terapia intensiva clínica. J Bras Pneumol. 2004;30(3):237-42.
4. Stevenson VW, Haas CF, Wahl WL Intrahospital transport of the adult mechanically ventilated patient. 2002;8(1):1-35.
5. Blot F, Melot C; Commission d'Epidémiologie et de Recherche Clinique. Indications, timing, and techniques of tracheostomy in 152 French ICUs. Chest. 2005;127(4):1347-52
6. Vianna A, Rangel D, Saboya LF, Alves A, Aguiar A, Kalichsztein M, et al. Survey of tracheostomy in the intensive care unit. Critical Care. 2007;11(Suppl 3):S113.
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Arthur Vianna
Coordenador do Serviço de Terapia Intensiva da Clínica São Vicente, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Coordenador da Comissão de Terapia Intensiva da SBPT